Em época farta quanto a processos disciplinares no âmbito do Ministério da Educação ocorrem-me algumas notas a propósito destas águas da disciplina e do poder disciplinar. Não explicam a tendência para tal fartura, nem tão pouco o pretendem, muito menos esgotam a complexidade do assunto. Apenas sugerem... A primeira nota diz respeito à instância inspectiva do Ministério da Educação, a Inspecção-Geral de Educação. E isto porque não me parece indiferente, no ambiente disciplinar, a filosofia de actuação que se pretenda e espere da IGE. Uma coisa será uma actuação fiscalizadora e inspectiva feita de forma pedagógica e orientadora, apenas punitiva na medida do necessário e adequado; outra coisa, bem diversa, será uma postura essencialmente punitiva, diria até punitiva por definição e por afirmação. Ora, o que verifico por estes tempos é que é grande a tentação do segundo cenário, pelo menos em alguns dos níveis que são supostos definir os termos de actuação da IGE. Por outro lado, constato também a existência de algumas dificuldades operacionais no interior do próprio corpo inspectivo. Veja-se, antes de mais, o peso significativo que ainda têm os professores em situação de destacamento na composição do corpo inspectivo, em detrimento dos inspectores de carreira, com o que daí resulta de necessária indefinição e instabilidade. Mas veja-se também o próprio desequilíbrio entre os sectores internos da IGE, a ponto de questões de natureza marcadamente pedagógica serem muitas vezes acompanhadas não por inspectores do sector pedagógico, mas por inspectores do sector administrativo e financeiro, cuja formação, sensibilidade e experiência poucas vezes se mostram adequadas para tal. Deixo uma última nota sobre a necessidade de alterações substanciais no nosso direito disciplinar vigente. O que actualmente se passa é que o direito disciplinar no âmbito da administração pública é avesso a garantias mínimas de imparcialidade e controlo. É certo que recentes decisões do Supremo Tribunal Administrativo vieram trazer alguma esperança, designadamente quando consideram, de forma clara, que o poder disciplinar é discricionário, mas com aspectos vinculados, sendo um destes o que se relaciona com a qualificação jurídica dos factos reais, uma vez que o órgão administrativo, ao exercer tal poder, não é livre nessa qualificação, devendo integrar adequadamente os factos na previsão legal à qual ele, órgão administrativo, está submetido, desde logo por imposição constitucional. Mas não obstante esta gratificante novidade jurisprudencial, também é certo que continua a estar ausente do direito disciplinar administrativo a garantia jurisdicional em matéria de facto. Ou seja, é sempre possível recorrer contenciosamente, junto dos tribunais administrativos, do acto administrativo que, sendo verticalmente definitivo (isto é, praticado pelo topo da escala hierárquica), aplique uma determinada pena disciplinar; mas sucede que esse recurso será de mera fiscalização da legalidade de tal acto, nunca podendo questionar os factos dados por assentes no decurso da instrução do processo disciplinar. O que vale por dizer que os factos, esse pressuposto incontornável da decisão, ficam definitivamente estabelecidos na fase de instrução do processo, ainda que o tenham sido - como muitas vezes são - em condições de duvidosa imparcialidade. Rui Assis
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