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Reclusos

"LIFE IS A WIDE OPEN ROAD"

Peter Tollander, finlandês, 31 anos, é um dos estrangeiros reclusos em Portugal. Pode não ser propriamente a sua melhor ideia para umas férias fora de casa, mas foi precisamente num desses períodos que acabou por ser detido. "Um pequeno erro às vezes pode trazer grandes consequências", lamenta no seu inglês com sotaque do norte da Europa.

O motivo para a visita deriva de uma condenação por um crime praticado na Suécia, pelo qual Peter e um seu amigo, envolvido e sentenciado no mesmo processo, cumpriram pena numa prisão de Estocolmo. Os últimos seis meses, ao abrigo de um programa de reabilitação no qual os reclusos são integrados numa família de acolhimento, foram passados em regime de liberdade condicional. Após algumas semanas em que tiveram oportunidade de conhecerem e se ambientarem com os elementos da família, partiam todos rumo ao sul.

Durante três semanas tudo correu bem. Em Viana do Castelo, último ponto do percurso de férias, o azar bateu-lhes à porta: a família partiu sem dar conhecimento, deixando-os sem passaportes e abandonados à sua sorte. Tentaram esclarecer a polícia acerca do problema, pedindo ajuda para comer e uns bilhetes para viajar até ao Porto, onde contactariam o consulado. "Por ser fim-de-semana", referiu Tollander, "o contacto com uma embaixada estava fora de questão. Aquela era a nossa única hipótese de alguém nos ajudar".

Mas nada aconteceu. Os agentes disseram-lhes que teriam de aguardar pelo princípio da semana, pois ali não funcionava a Segurança Social. Claro que a decisão de roubar um carro e pôr-se em fuga em direcção ao Porto não foi a mais acertada. Principalmente quando não se está sóbrio o suficiente para conduzir e se fazem manobras perigosas na estrada. "A polícia acabou por nos apanhar à entrada da cidade. Nós só queríamos esclarecer a situação e resolver a questão de uma forma honesta. Não lamento o que fiz, porque não nos ajudaram", defendeu-se.

Talvez tenha sido assim. Mas talvez não tenha valido os três anos à sombra. A vida na prisão é dividida entre as aulas de informática, entre as nove e o meio-dia, e a leitura, que se estende pela tarde. Com o virar das páginas conseguiu aprender a falar um pouco de português. "Actualmente estou a ler um livro sobre yoga. De resto, tento manter-me fora de sarilhos e portar-me com inteligência".

Consegue, apesar disso, encarar a sua actual situação como mais uma experiência. "É verdade que não gosto de estar preso, mas não é tão mau como isso. Ajuda a descobrir o lado bom de uma pessoa, a conhecermo-nos melhor. Agora faltam só seis meses para eu sair. Estou optimista, apesar de não ter qualquer tipo de planos concretos. Vou voltar ao meu país para visitar a minha família e ver o que vem a seguir O melhor é não criar expectativas". Afinal, como diz Tollander, "Life is a wide open road..."

Ao contrário do nórdico, Rossio é um português de etnia cigana. Tez morena, cabelo e bigode aprumados, diz ter planos mais concretos para os tempos que hão-de vir: trabalhar como ajudante de mecânico quando acabar de cumprir a pena de quatro anos e meio a que foi condenado. "Estou a pensar em iniciar uma nova vida porque já tenho trabalho prometido para quando sair daqui. O meu pai já me garantiu um lugar numa oficina de automóveis".

Na sua versão, contada, ou quase cantada ao jeito da pronúncia gitana, o motivo do seu infortúnio deve-se à má influência exercida pelos amigos, conduzindo-o à toxicodependência. "Eu não sabia o que aquilo era. Aos poucos fui-me metendo e quando dei por mim já estava com o vício. Depois fui apanhado com droga. Foram essas pessoas que me levaram à ruína, que me trouxeram para aqui".

Detido há cerca de 27 meses, Rossio conseguiu desde então encetar um processo de reabilitação. "Quando aqui cheguei disse a mim mesmo que tinha de me livrar da droga e curar-me. Por vezes foi muito difícil. Mas tenho aqui amigos, quase irmãos, a apoiarem-me nas horas mais difíceis. Não esqueço isso. Agora sinto-me mais feliz. E diferente, cá por dentro". Passou a encarar a vida na prisão como uma hipótese de concretizar uma ambição: concluir a quarta classe e prosseguir os estudos até ao final da reclusão.

Apesar das actividades de ocupação preencherem boa parte do dia, o quotidiano na prisão é monótono. "Visitas, escola, trabalho... é sempre assim", lamentou-se Rossio. "Um inferno" - definiu - que começa habitualmente por volta das oito. Uma hora mais tarde iniciam-se as aulas. Às dez, há uma pausa para o café. Regresso à sala de estudo até à hora do almoço. Durante a tarde trabalha o ofício que as suas mãos conhecem bem: a cestaria. "Já tenho experiência nesta arte porque trabalho nisto desde os catorze anos. Como o resto da minha família... Consigo sempre fazer um cesto, às vezes dois".

Os artigos de artesanato fabricados pelos reclusos - cestos, peças em madeira e barro -, são vendidos ao público e o dinheiro é depositado numa conta pessoal. Dessa forma, tanto Rossio como os seus companheiros podem contar com uma reserva monetária para regressar ao dia-a-dia. Uma maneira de pensar na família, da qual diz sentir saudades, e afastar o sentimento de "solidão". "Todos os dias penso neles", diz.

Preocupado com os acontecimentos ocorridos nas últimas semanas em Francelos, Rossio não deixa passar a oportunidade para criticar aqueles que acusam a sua etnia de provocar mau estar na zona e lembra existirem situações semelhantes à qual a justiça não põe cobro. "Porque não vão atrás desses? Sabe porquê? Existem interesses por causa do terreno, querem construir casas. Mas a minha família está lá há mais de quarenta anos e não vai sair".

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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