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À entrada da escola ...

A escola não é o que era nem será o que é. Como todas as coisas. Porque a vida tudo invadiu, escola incluída, felizmente. A vida, isto é, nós todos (ou quase, ainda). Longe (?) vão os tempos da escola-
-instrução, ensaiamos hoje os modos da escola-formação, chegaremos à festa da escola-educação. "A aprendizagem da vida" centrava-se na família, completava-se na escola, treinava-se na rua; hoje centra-se na rua, espaço onde o treino da vida e a sua assunção se misturam, cabendo à escola e à família dividir o ónus de obstáculo a uma fruição voraz do tempo. Nem bom nem mau, nunca mais será como dantes.

A diminuição de formas de limitação do acesso à escola e a atenuação de outras, quer por via administrativa quer por pressão social, democratizaram o acesso à escola portuguesa; a democratização da educação, essa é mais difícil e corre a passo com a democratização da cultura e da qualidade da vida. É tarefa social que ultrapassa a função da escola e coloca à sociedade os problemas que alguns, alarvemente, detectam apenas nos recreios e salas de aula: a ignorância, a mediocridade, o laxismo, a intransigência, a violência.

Mudam-se os tempos não se mudam as vontades - quantas oportunidades de aceder a saber se esconderam sob o saiote eclesiástico, a farda militar, a beca magistral... Hoje tolera-se esta escola reduzida à certificação com impacto nesta(s) sociedade(s) - irónica contrariedade: esta vida social não certifica as aprendizagens escolares. Mais do que esta sociedade ser um obstáculo à escola, parece ser a escola, apesar de tudo, um obstáculo a esta sociedade. Quem regula quem e o quê?

Já lá vai o tempo em que entrar na escola era ganhar meia vida; sair dela no fim, era ganhá-la praticamente toda - hoje parece que entrar na escola e lá ficar é perder a vida.

Reféns de si próprias, fragmentadas como unidades orgânicas no monstro global, escola e sociedade partilham um destino comum. Estrutura organizada da necessidade social, terá a escola que encontrar as formas de resposta às vontades sociais; guardiã do saber, ou do que dele reste, face à obsessão pela novidade, e simultaneamente geradora, ela própria, de saberes novos; monitora de gestos e técnicas de real simulação de uma realidade a fingir, tanto quanto o real é identificável no seio da virtualidade; espaço microcomunitário de meninos e meninas adultos, de jovens adolescentes e adultos meninos, para treinar/viver a cidadania dos justos, dos tranquilos, dos solidários, no respeito e admiração pelo outro e pela outra, na tolerância activa e na responsabilização assumida, sem convocar ayatholas nem comissários, habitem eles os castelos fantasmas do passado ou escrevam militantes nos jornais de hoje.

Uma escola que oriente sem impedir a surpresa que desorganiza, que prepare para toda a imensidão da vida promovendo o gosto pela novidade que molda os dias irrepetíveis, que nos torne cada vez mais iguais no direito à diferença, que seja a alternativa desejada à família e à rua, que ame o saber útil e inútil, a cultura de todos e a de cada um, a beleza que une, a eficácia sustentada, que justifique alterar o início dos seguintes versos de Prévert: "À saída da escola/encontrámos/uma grande linha de comboio/que nos levou/à volta da Terra/numa carruagem dourada/(...)".

Isabel Pires de Lima
Deputada do Grupo Parlamentar do PS


  
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Edição:

N.º 99
Ano 10, Fevereiro 2001

Autoria:

Isabel Pires de Lima
Escola Superior de Educação do Porto
Isabel Pires de Lima
Escola Superior de Educação do Porto

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