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Violências Juvenis

«Escolas Inseguras: criminalidade aumentou mais de 63% no último ano lectivo»,
Jornal de Notícias
, 4/12/00, pp. 14-15.

A sociedade violenta

A violência - na família, na televisivão, no desporto, nas estradas, nas escolas e, muito em particular, nos espaços (sub)urbanos - tem vindo a emergir como um problema social incontornável na sociedade portuguesa, neste virar de século. Numa sondagem divulgada recentemente no Notícias Magazine, a «violência e crime» surge como o factor que mais assusta os portugueses (logo atrás das doenças) e a «violência urbana» como o segundo maior perigo (depois da droga) a enfrentar pela próxima geração (1). Estes receios são mais acentuados nos "homens" e nas classes "alta" e "média alta", o que associa de imediato esta questão à problemática mais geral da "propriedade privada".

Estamos inequivocamente face a um problema em crescimento (2). Nas grandes metrópoles, e designadamente em certas escolas dos subúrbios, o fenómeno da violência e delinquência tende a assumir contornos de algum dramatismo.

Portugal, ao integrar-se nos espaços de "vanguarda" (mais económicos que culturais), numa época de mobilidade e circulação sem limites, tem inevitavelmente "importado" o verso e o reverso. Uma fatalidade, afirmam uns. O preço a pagar pelo desenvolvimento, contrapõem outros. Um fenómeno dos nossos tempos, comum à generalidade das modernas sociedades urbanas, parece merecer o consenso. Daí o sentimento generalizado que o problema tem tendência a agravar-se com a «globalização». E talvez por isso, pouco se crê na eficácia das medidas (mais policiais que sociais) anunciadas pelos governos ou propostas pelas oposições. O aumento deste fenómeno em Portugal (3), tem evidenciado a incapacidade de aprender com «o que se passa lá fora» e, consequentemente, em antecipar cenários de prevenção. Agimos mais por reacção do que por antecipação. A desculpa de que o fenómeno está longe de atingir, entre nós, os valores dos países que nos servem de referência, tem apenas favorecido o adiamento daquilo que merece ser encarado com seriedade, profundidade e firmeza.

O ambiente (sub)urbano tem-se degradado (betão avassalador, trânsito infernal, ar irrespirável, insegurança crescente). A qualidade de vida perde-se num enclausuramento socialmente claustrofóbico (no simples apartamento ou no luxo do condomínio fechado), num quotidiano pautado por um ritmo stressante; daí que, para alguns, a fuga para o mundo rural surja como alternativa, quando no país progressivamente as distâncias se encurtam e os bens culturais se democratizam (Souta, 1999).

É neste quadro (sub)urbano que a violência tem vindo a ser conotada a dois outros fenómenos sociais da modernidade, a droga e a multiculturalidade. Trata-se de um processo que visa, principalmente, encontrar um "rosto" a um "inimigo", anónimo, não identificado, vindo de "territórios" vagos e algo indefinidos (quanto muito, alojado nas barracas ou no bairro social). A insegurança cria assim fantasmas a partir de uma realidade inóspita e constrangedora.

A violência na escola

O Relatório Mundial sobre a Educação 1998 da UNESCO reconhece que «os professores são confrontados com um aumento da violência e da delinquência no seio dos estabelecimentos escolares, desconhecidas há 15 anos atrás.» Num livro recém publicado em Portugal - Maldito Profe! - Nicolas Revol, um professor de uma escola profissional da periferia de Paris, vítima de violenta agressão física por parte de um aluno, descreve esse novo panorama de conflitualidade aberta em espaços escolares. Revol denuncia a provocação, a falta de respeito, o enxovalho e a selvajaria a que os professores estão hoje sujeitos. Comportamentos que passam impunes e são desculpabilizados na sua maioria, numa permissividade que se generaliza. O livro constitui um testemunho de coragem e resistência, quando a regra, neste tipo de casos, é o silêncio, face ao anátema profissional de quem «não soube impor-se».

De facto, já há algumas décadas que os professores, no exercício da sua actividade, se livraram da velha «pedagogia musculada» da menina de cinco olhos, da cana da índia e similares (não passam hoje de peças de museu); agora situação inverteu-se, a violência (com uso a armas brancas e até armas de fogo, como vem acontecendo nos EUA) é exercida pelos alunos. Também entre nós, e segundo dados do Projecto «Escola Segura», reportados ao ano lectivo 1999-2000, a criminalidade registada pela PSP não deixa margem para dúvidas, com o aumento deveras impressionante nas «ofensas sexuais (+1300%), vandalismo (+274,5%), posse ou consumo de estupefacientes (+266,7%) e roubos (+263,2%)».

Os comportamentos e atitudes violentos evidencia a precocidade etária dos seus actores. A violência é, cada vez mais, um fenómeno da juventude. E manifesta-se até em domínios que lhe são antagónicos, como o das relações amorosas, tal como o ilustra o filme Nu de Mike Leigh (4), num retrato implacável de uma certa juventude apanhada nas malhas do desemprego, da pobreza e da droga e que se arruina num dia-a-dia sem rumo, nos subúrbios de Londres.

Mas mais preocupante é a sua expressão colectiva, através da formação de gangs juvenis quer no formato soft das claques dos grandes clubes de futebol (que são tudo menos escolas de civismo, tolerância e «mente sã») quer no formato hard dos movimentos políticos neo-nazis e de extrema direita, defensores de uma cultura de violência militante.

A desautorização dos mais velhos, a fragilidade da autoridade familiar, o desrespeito pelas hierarquias, a falta de controlo social dos vizinhos, são apenas algumas das possíveis explicações para esta incivilidade que mina os jovens (e não apenas os chamados filhos da exclusão social).

A soluções não são nada fáceis. Para Juan Posada, da Univiversidade Pontefícia de Salamanca (5), «a única maneira de acabar com o problema da violência e suas consequências é com a criação em todos os intervenientes no ambiente educativo, de um conjunto de hábitos pró-sociais.» Não estamos nós longe dessa prática nas nossas escolas? Aí fica um desafio para testar a utilidade da "republicana" componente curricular dos ensinos básico e secundário - a Educação para a Cidadania.

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setubal

Notas & Referências

(1) "Grande Sondagem: O estado da alma dos Portugueses", Notícias Magazine, nº 439, 22/10/00, pp. 28-46:

«O que mais o assusta?: Doenças (36,2%), Violência e crime (31,1%), Velhice (11,5%), Desemprego (9,3%), Falta de dinheiro (8,4%)

Quando pensa na próxima geração, considera que os maiores perigos que vai ter de enfrentar são - Droga (52,1%), Violência urbana (23,2%), Sida (12,4%), Desemprego (7,4%), Poluição (2,5%)»

(2) A criminalidade era, na primeira metade da década, o terceiro problema social que mais preocupava os portugueses (depois da droga e do desemprego), in Portugal Social - 1990/1995, Lisboa: INE, 1998.

(3) Há quem o negue ou, pelo menos, o tente minimizar argumentando que o que se alterou foi a sua visibilidade, fruto de uma cobertura mediática de uma certa imprensa especializada, por exemplo, o jornal "O Crime" ou os programas de televisão do tipo "Histórias da Noite" (RTP1).

(4) Nu de Mike Leigh (UK), com David Thewlis, Katrin Cartridge, Lesley Sharp; filme passado há pouco na RTP2.

(5) Comunicação apresentada num colóquio efectuado em Castelo Branco, em Outubro de 2000.

  • REVOL, Nicolas (1999) Maldito Profe! Porto: Campo das Letras/ Campo da Actualidade, nº 33, 2000.
  • SOUTA, Luís (1999) "Conflitualidade (sub)urbana e Educação Multicultural", Educação Ensino, nº 19, Abril, pp. 7-9.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 98
Ano 10, Janeiro 2001

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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