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Imagens para o ano novo

O ano de 2000 acabou. Ao olhar para trás, tento fixar-me nas imagens que mais me marcaram ao longo dos 12 meses. Sirvo-me, naturalmente, das imagens televisivas. O infeliz espectáculo que israelitas e palestinianos continuam a protagonizar vem-me de imediato à cabeça. Passou mais um ano e eu continuo sem perceber por que razão certos conflitos se prolongam na história. Penso no futuro e interrogo-me sobre até quando este e outros conflitos vão continuar a fazer manchetes nos jornais e a ocupar tempo na rádio e na televisão. Enfim, a marcar as imagens que eu vou reter.

Mas o ano de 2000 agudizou um problema de outra ordem. Já vimos a sida a passar de referências esporádicas para notícias constantes. Já nos habituámos a juntar a sida ao cancro, quando falamos de doenças fatais que atingem muita gente. Gente que nós conhecemos. O que eu agora receio é que, para além das guerras e das misérias, os dias da nossa história - que começaram a ser construídos no passado recente - continuem a ser marcados por doenças estranhas, que os cientistas ainda não conseguiram resolver.

Volto às imagens que me marcaram ao longo do ano passado e lembro-me de um caso que é só isso mesmo - um caso - mas que eu projecto para o futuro e para o plural, por achar que é inevitável. Falo de uma reportagem sobre uma jovem inglesa, de vinte e poucos anos, que contraiu a versão humana da doença das vacas loucas. Pode parecer ridículo estar preocupada com estas coisas, que parecem ainda tão longe de todos nós, porque ainda não nos tocam. Mas eu vi aquela rapariga num estado de deterioração total. Os pais falavam do tempo em que ela praticava desportos e mostravam fotografias que deixavam adivinhar um futuro brilhante. O contraste fazia-se com imagens de uma rapariga deformada, sem controlo sobre os seus próprios movimentos, que era transportada em braços por estar sem forças e sem domínio de si própria.

Esta doença aparentemente ridícula (porque tem o efeito de pôr as vacas a abanarem-se distorcidamente) parecia longe. Ao ver, pela primeira vez, os efeitos desta doença nos humanos pensei em muitas coisas. Primeiro: quando serei informada de que esta ou aquela pessoa que eu conheço contraiu a doença? Segundo: a solução é deixar de comer carne? Terceiro: por que razão os investigadores não conseguem explicações para esta e outras doenças que aniquilam as pessoas? Quarto: quantas mais doenças desta aparecerão nos próximos tempos? Quinto: por que é que os políticos andam mais interessados em gastar dinheiro em conflitos que causam a morte de quem tem saúde do que em investir na cura de quem teve o azar de ser apanhado nas malhas das doenças terríveis?

Este é um paradoxo em que nunca deixarei de pensar: por que se gastam recursos na destruição enquanto o dinheiro que se destina ao desenvolvimento parece nunca chegar? Claro que sei muito bem que há sempre interesses económicos por trás de guerras e questões de orgulho por trás de conflitos históricos. Mas não consigo deixar de me incomodar. Confesso que me aborrece ver notícias que se repetem e que parecem não ter fim, de ano para ano. Depois, ainda surgem os outros problemas, que escapam ao controlo e à vontade de todos nós. Como estas doenças. E contra isto, nada a fazer. A não ser investigar. Investir. Tentar corrigir em vez de destruir.

Admiro aqueles que se dedicam à investigação das doenças que dão cabo de nós e que nunca vêm para a praça pública pedir reconhecimento. Admiro os médicos que fazem intervenções perfeitamente incríveis e que falam delas como se não tivessem feito nada de especial. Permitam-me que neste novo ano faça o elogio desta gente. Simplesmente porque os admiro muito mais do que os políticos. E do meu particular ponto de vista, porque preferia que fossem essas pessoas a marcar, com os seus sucessos, as imagens que eu vou ver ao longo do ano que agora começa. Mesmo sabendo que ando pelo reino da utopia, deixem-me pensar que este meu desejo se vai concretizar.

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester / UK


  
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Edição:

N.º 98
Ano 10, Janeiro 2001

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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