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A propósito do Orçamento de Estado para a Educação - Que financiamento para o Ensino Superior?

O Ensino Superior tem de ser visto cada vez mais não só como um factor de equidade, mas igualmente como um vector de eficiência micro e macroeconómica. A própria Comissão Europeia reconheceu, em 1993, que a Educação e a Investigação são instrumentos particularmente eficientes na concretização da política macroeconómica que deveria de ser implementada visando corrigir os sérios problemas de desemprego na Europa.

Exemplo paradigmático da influência da Educação em termos de macroeconomia é a situação da Irlanda, cuja economia tem registado taxas de crescimento na ordem dos 6-8%, facto para o qual tem contribuido a forte aposta no ensino superior, materializada numa expansão do sector universitário que a coloca em segundo lugar a seguir ao Japão, com a maior incidência de graus académicos na área científica e que lhe permite colocar no mercado de trabalho mais recém-licenciados per capita do qualquer outro país europeu.

Não obstante o investimento na Educação em Portugal, em percentagem do PIB, se encontrar, actualmente, aos níveis europeus ou até ligeiramente acima destes, é importante referir que os restantes países europeus vêm de uma situação de forte investimento no Ensino Superior nos anos 70/80, ao invés de Portugal que nunca conheceu níveis, nem no passado nem no presente, sequer próximos daqueles que se registaram no passado na Europa e que contribuiram para um forte desenvolvimento económico desses mesmos países

A correlação existente entre o nível de investimento no Ensino Superior e o nível social e o desenvolvimento económico e cultural encontra-se há já muito perfeitamente estabelecido.

Em Portugal, contudo, o que se verificou foi que o aumento do número de estudantes no Ensino Superior não foi acompanhado por um aumento do financiamento em termos reais (per capita), levando a cortes orÁamentais, com implicações variadas sobre a qualidade do Ensino Superior e sobre a formação prestada. O crescimento que o Ensino Superior sofreu constituiu, paradoxalmente, uma prova da progressiva desresponsabilização do Estado sobre este subsistema.

Com efeito, verifica-se que o crescimento foi realizado sobretudo através do Ensino Superior Particular e Cooperativo - cujo número de alunos registou, nos últimos 10 anos, um aumento de 250% - em detrimento de uma aposta na eliminação progressiva dos numerus clausus do Ensino Superior Público, potenciadora de uma efectiva democratização no acesso ao Ensino Superior.

No entender do Banco Mundial o desenvolvimento do Ensino Superior surge enquadrado por um princípio único e exclusivo de diminuição de custos e ganhos de eficiência, prevendo nesse sentido medidas como a implementação de: taxas de entrada na Faculdade, taxas para realizar exames e propinas anuais, num total previsto entre 90 e 160 contos, a "irradicação orçamental" do insucesso escolar, etc.

A desresponsabilização do Estado conduz a uma comercialização das actividades desenvolvidas pelas Instituições de Ensino Superior, que passarão a desempenhar as suas missões tendo em vista as necessidades a curto prazo da Sociedade, em detrimento de assumirem a vanguarda do desenvolvimento científico e sócio-cultural do País.

A Educação não poderá nunca ser vista como um bem susceptível de aquisição. A Educação é um direito inerente à cidadania, é um bem social, e como tal o seu financiamento deve ser, no essencial, assumido pelo Estado.

A questão do financiamento continua a ser uma questão essencialmente política, dependente do papel que se atribui ao Ensino Superior:

  • ou este é visto como sendo constituído por Instituições criadas pela Sociedade para o seu próprio bem - assumindo um estatuto de bem colectivo - devendo, nestas circunstâncias, o Estado responsabilizar-se por niveis de financiamento adaptados a essa circunstância;
  • ou, a visão que prevalece é a de que as Universidades são pequenas empresas que fornecem serviços comerciais a indivíduos que retiram disso benefícios próprios e, consequentemente, têm eles próprios, de suportar os custos;

Por outro lado, contudo, não se compreende que se tentem alcançar ganhos na eficiência do sistema à custa dos estudantes, quando a procura dessa mesma eficiência deveria ser iniciada na gestão das Instituições de Ensino Superior. O Programa Reforma do Ensino Superior Português elaborado pelo Banco Mundial, refere que "a eficiência na utilização dos recursos poderá ser melhorada através de uma gestão institucional mais eficiente". Só que, para isso, é necessário que o Governo crie a condições para que tal se possa concretizar.

Como é possível às Instituiçõs de Ensino Superior conseguir ganhos na eficiência interna quando a sua autonomia permanece limitada pelas regras da função pública?

Em 1996 a Medida 4 do PRODEP, apresentava uma taxa de execução financeira de apenas 13%, sendo que dos 19.838 milhões de contos aprovados para esse ano no que concerne a projectos, só tinham sido apresentadas ao Estado em Setembro despesas no valor de 2.593 milhões de contos.

A Lei da Flexibilização da Gestão, aprovada em 97, veio facilitar a gestão do património imobiliário, bem como dos quadros de pessoal docente e não docente das Instituições de Ensino Superior. Contudo, a gestão quer do orçamento de funcionamento, quer de investimento - PIDDAC, PRODEP, etc, - continua altamente tolhida pela burocrática máquina da administração pública.

De igual forma, urge criar condições, quer pelo Estado, quer pelas próprias Instituições, per si, no sentido de estas redefinirem as suas missões, de forma a abrirem as suas portas ao meio exterior, ao capital produtivo/capital humano que as rodeiam, estabelecendo sinergias/estruturas de interface com a sociedade envolvente, de forma a não só daí retirarem benefícios a nível da sua função social, mas também como forma de obtenção de fontes de receita alternativas.

Apesar do esforço realizado pelo Estado no financiamento do Ensino Superior e pese embora algum crescimento verificado no que concerne à percentagem do PIB, a lentidão com que o crescimento se processou contribuiu para que, por um lado, o aumento de verbas disponíveis fosse utilizado basicamente só no suporte dos aumentos salariais, ignorando-se o desenvolvimento integrado e harmonioso do sistema, e por outro lado não acompanhasse o aumento verificado no número de alunos com claros reflexos na diminuição do investimento per capita, e suas repercussões sobre a qualidade do Ensino Superior.

A análise do investimento per capita conjugada com a evolução da taxa de inflação coloca-nos perante uma situação ainda mais grave, porquanto verificamos que o investimento real per capita sofre, a partir de 1993, uma diminuição que chega a atingir um pico negativo, em termos acumulados, de 18,3% em 1994. Não obstante, verifica-se que, a partir de 1996 existe uma tendência para corrigir o referido desinvestimento acumulado per capita.

Com efeito, comparando a primeira metade da década de 90 com os últimos 5 anos da mesma, regista-se neste ˙ltimo período que o sistema sofreu um crescimento de 15,4% (em termos acumulados), por oposiçăo ao desinvestimento verificado até 1995 (cerca de 17,3% em termos acumulados); isto apesar de se verificar em toda a década de 90 um crescimento negativo do financiamento - leia-se desinvestimento - de 1,60%, a uma taxa média anual de 0,20%.

Por outro lado, esta tendência de correcção não traduz uma visão coerente e estratégica do sistema, sendo disso exemplo as flutuações registadas nos próprios níveis de crescimento nos anos em que este se registaram.

Esta coerência - teoricamente traduzida num compromisso nunca cumprido, designado Fórmula de Financiamento do Ensino Superior - afigura-se como um factor essencial para a consolidação e afirmação sistema de Ensino Superior, quer Universitário, quer politécnico.

Concomitantemente, o "financiamento por objectivos", traduzido nas figuras dos Contratos-Programa, Contratos de Desenvolvimento e Contratos de Qualidade, embora não devendo constituir a regra no financiamento geral do sistema, assume um papel importante, e até crucial, enquanto forma de responsabilização das próprias Instituições pelas estratégias de desenvolvimento que definem, ou não definem, visando afirmarem-se como núcleos de excelência.

Por tudo quanto foi dito, é lícito questionar o Estado se pretende, de uma vez, assumir uma política estável, coerente e permanente de combate ao sub-financiamento do Ensino Superior Público, promovendo a introdução de factores de competitividade, flexibilização e de modernização da gestão ou se, pelo contrário, pretende aprofundar a sua desresponsabilização no financiamento do referido subsistema.

Rui Amaral Mendes
Federação Académica do Porto


  
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Edição:

N.º 98
Ano 10, Janeiro 2001

Autoria:

Rui Amaral Mendes
Federação Académica do Porto
Rui Amaral Mendes
Federação Académica do Porto

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