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Sindicatos, Democracia Sindical e Educação

Há muito que a discussão sobre a actividade sindical deixou de ser um assunto restrito apenas aos debates entre sindicalistas. Tem se constituído também numa importante temática de análise no seio das Ciências Sociais, embora em algumas realidades exista uma grande ausência de iniciativas neste sentido. A vida dos sindicatos e a funcionalidade interna dos mesmos têm sido intensamente focadas. Tudo isto desde que Robert Michels formulou a sua célebre Lei deFerro da Oligarquia.
Conforme Michels (1982), há uma tendência inexorável para a ascensão no interior das organizações dos trabalhadores - incluindo os partidos - de uma oligarquia que de tudo faz para manter a sua hegemonia, onde os interesses dos representados não poucas vezes são desconsiderados. O filme Sindicato de Ladrões - tradução brasileira - é um exemplo paradigmático do que a formulação michelsiana realça, onde um pequeno grupo, em linguagem comum, usa e abusa da estrutura sindical, movido pelo personalismo. E daqui emergiram as teorizações sobre a Democracia Sindical, pondo em evidência, por exemplo, os sentidos que têm a burocratização dos sindicatos, burocratização que atende aos interesses dos grupos que os controlam, constituidores da oligarquia, a qual impõe a sua lei: A Lei de Ferro. Por sua repercursão no interior da comunidade dos cientistas sociais e pelos numerosos estudos empíricos que desencadeou, a Lei de Michels foi elevada à status de Lei Sociológica.
Além de pôr em evidência dinâmicas internas aos sindicatos, o background de Michels pode fornecer importantes indicações para se compreender os posicionamentos externos dos mesmos. A relação com o Estado, por exemplo. Pelos apontamentos michelsianos, não se constitui surpresa que muitos sindicatos, burocratizando-se, desenvolvam um dialecto que cada vez mais os afastam das aspirações históricas de longo prazo da base (como a superação estrutural do status quo), moderando a acção e evitando a ousadia, no que terminam por ser cooptados pelo Estado, transformando-se em pilares-garantes da manutenção da Ordem.
Num momento em que o terreno sobre o qual se ergueram os sindicatos - o terreno do Estado-Nação - vive um processo de erosão, mais do que nunca parece valer a pena ter em conta as notas do autor do clássico Sociologia dos Partidos Políticos. Um tempo em que a acção sindical também começa a se desenvolver rompendo fronteiras, em parceira. O carácter do posicionamento dos sindicatos em relação ao novo tempo, é algo ainda a ser explicitado e nisso as indicações a que nos estamos a referir parecem ser pertinentes. Há um aspecto, no entanto, que se normalmente já é pouco abordado, ainda o é mais se tivermos presente a conexão com a formulação de Michels. Trata-se da relação Sindicatos & Educação.
Uma panorâmica focagem histórica revela que, não raramente, os Sindicatos se posicionaram diante da questão educativa, inclusive diferenciando as suas intervenções das proposições educativas oficiais, não só contestando-as, mas formulando proposições alternativas e levando-as adiante sob o impulso das suas estruturas. Compõem este património as experiências do sindicalismo anarquista, as escolas inspiradas por António Gramsci em Itália - na busca da contra-hegemonia - e as tentativas de alguns sindicatos fazerem educação popular, principalmente na América Latina. O porquê de iniciativas desta natureza contemporaneamente estarem em descenso tem recebido pouca atenção. Como pouca atenção também tem sido dispensada especificamente ao sindicalismo docente e ao seu posicionamento diante das políticas educativas, nomeadamente as direccionadas para o contexto trabalho e educação.
Se tivermos em conta o instrumental michelsiano, o trabalho analítico de compreensão da relação sindicatos & educação talvez seja facilitado. Diante do desenvolvimento de um dialecto que faz as direcções esquecerem aspirações históricas de médio e longo prazos da base, tornando a vida interna dos sindicatos enfadonha e burocrática, onde a ousadia é substituída pela adaptação, não causa surpresa o facto de as posições sindicais em relação às políticas educativas coincidirem com as posições estatais, posto que, conforme Michels, há momentos em que os sindicatos são cooptados pelo Estado. E é assim que proposições alternativas terminam por não serem apresentadas, num sentido de transceder os aparentes determinismos nos quais se baseiam as posições hegemónicas, isto é, num sentido político-educativo (Leite, 1998). Dessa forma, os dirigentes não fazem aquilo que foi esboçado pelos teóricos da Democracia Sindical: Sendo os líderes responsáveis politicamente frente aos filiados, devem propor itens ou modelar ideias e reivindicações dos seus representados (Morais, 1994: 87).
Portanto, quer parecer que a análise do entrelaçamento Sindicatos, Democracia Sindical e Educação constitui-se numa chave fundamental para o entendimento de determinados fenómenos e aspectos da realidade contemporânea. Fenómenos e aspectos que, como diz Bourdieu (1980), são muitas vezes censurados e ocultados no mundo social. E que também encantam alguns olhos que os vêm, para que não sejam ditos.

Ivonaldo Leite
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)/Brasil;


Bibliografia

BOURDIEU, Pierre (1980). Questions de Sociologie. Paris : Éditions du Minuit.

LEITE, Ivonaldo (1997). Neoliberalismo e Mudanças no Mundo do Trabalho : A Necessidade da Actuação Político-Educativa do Sindicalismo. In: OLIVEIRA, Regina L. Freire & CRUZ, Dalcy S. (Orgs.). XIII Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste Brasileiro: Trabalho e Educação. Natal: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

MICHELS, Robert (1982). Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília: Editora da Universidade de Brasília.

MORAIS, Jorge V. de (1994). Democracia y política interna en los sindicatos brasileños. In: Revista Mexicana de Sociologia. Cidade do México: nº 03.


  
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Edição:

N.º 96
Ano 9, Novembro 2000

Autoria:

Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil
Ivonaldo Neres Leite
Univ. do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil

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