Página  >  Edições  >  N.º 94  >  Memórias de uma professora estagiária

Memórias de uma professora estagiária

Este pequeno texto não passa de um testemunho pessoal, logo subjectivo, daquele que foi um ano da minha vida enquanto professora estagiária numa escola de ensino básico nos arredores da cidade do Porto. Pretendo apenas falar das dificuldades sentidas ao longo deste ano e, ao mesmo tempo dar a conhecer, alguns dos problemas, de que fui tomando consciência, e que assombram as nossas escolas.

Quando cheguei pela primeira vez a uma escola nos arredores da cidade do Porto, tinha já uma pequena ideia daquilo que me esperava. Um longo ano de trabalho não só com as colegas do núcleo de estágio e orientadora mas também com toda a comunidade escolar.

Pela primeira vez entrava numa escola não como uma aluna, mas sim enquanto professora, bem... também não me sentia ainda como professora visto que me encontrava ligada à Universidade Portucalense na perspectiva de aluna do quinto ano do Curso de Ciências Históricas. Em suma, sentia-me uma professora estagiária estudante.

Enquanto professora, e retomando a minha entrada na escola em questão, desde logo o processo de integração se desenvolveu com naturalidade. Porque embora não tenha vivido pessoalmente esta experiência tive conhecimento de que alguns professores em exercício têm por hábito abordar os estagiários da seguinte forma:" é colega ou contratado?" atitude que em nada dignifica a classe dos professores que acabo de integrar.

Mas regressando ao dia a dia na escola, se por um lado somos vistos como professores que acabaram de entrar para o sistema, por outro lado temos escrito na testa o estigma de estagiário, aquele que está sempre a trabalhar não porque sinta gosto no que está a fazer mas sim, e apenas, porque quer mostrar serviço, afinal a sua avaliação está totalmente dependente do tamanho da tenda de circo que conseguiu montar. Pessoalmente, considero que todo o empenho que coloquei nas actividades desenvolvidas, teve sempre um objectivo muito mais além do que uma simples nota, antes pelo contrário, o meu público eram os meus alunos, esses é que são os verdadeiros críticos da minha acção.

Os problemas do estagiário surgem sempre que a tenda não atinge a lotação esgotada. É que nem sempre os docentes da casa se mostram receptivos às iniciativas tomadas por aquele grupo de estagiários, visto que aderir a este tipo de iniciativas seria o mesmo que obrigá-los a sair do rame rame a que as nossas escolas se encontram votadas.

As actividades propostas nem sempre são levadas a sério, por exemplo: num trabalho de seminário em que apresentámos uma peça de teatro, verificámos que a escola não tinha as condições básicas necessárias para a realização do mesmo.

Isto é tanto ou mais relevante, quando a dita escola se encontra no seu segundo ano de funcionamento, e nem por isso foi já construída em consonância com as novas lógicas pedagógicas, visto que nos actuais currículos foi introduzida a disciplina de expressão dramática, logo, o mínimo que se pede é um espaço convenientemente organizado onde os alunos possam apresentar as suas actividades. Neste caso, foi necessário construir um palco com as mesas da cantina, e as cortinas do mesmo foram gentilmente cedidas por um familiar de uma das estagiárias.

Gostaria de sublinhar que a ausência de condições de trabalho para os professores se traduz em falta de condições de aprendizagem para os alunos.

Nos corredores tanto me tratam como colega, quando precisavam da minha colaboração para qualquer actividade, como de seguida era confrontada com normas e procedimentos atribuídos aos alunos como, por exemplo, o só se poderem tirar fotocópias com marcação de 48 horas de antecedência.

Para além destas situações há ainda a realçar a questão que se prende com o vencimento atribuído ao estagiário (aproximada - mente 133 mil escudos ilíquidos), valor que fica muito aquém do necessário para a sua sobrevivência, tendo em consideração que, todo o custo do material considerado indispensável para o sucesso de uma aula é totalmente suportado pelo mesmo. Este rol de despesas, poderá ainda aumentar se o estagiário ficar colocado fora da sua área residencial, como acontece na maior parte dos casos.

Ao fim de um ano de estágio profissional com os colegas pude constatar que se trata de uma prática corrente entre os professores disponibilizarem do seu próprio bolso verbas necessárias para o trabalho pedagógico.

O período de estágio implica, naturalmente, uma grande dose de stress mas tudo poderia ser mais fácil se existisse um bom clima de escola, ou pelo menos, a preocupação de sociabilizar os colegas mais novos na profissão.

Todas estas horas de ansiedade, e por vezes desespero, serão então rapidamente esquecidas, basta, para tal, que a avaliação final surja como um reflexo de todo o empenho que o estagiário colocou no seu trabalho ao longo do ano. E é neste processo de avaliação que surge uma nova lacuna: a formação de alguns orientadores no que diz respeito à capacidade de relacionamento humano.

E é neste sentido que eu gostaria de evidenciar o papel da minha orientadora de estágio: Marília Henriques, que sempre soube encontrar as palavras de apoio e carinho que tantas vezes nós estagiários precisamos de ouvir. A ela gostaria de deixar ficar o meu muito obrigada por todo o equilíbrio e sabedoria que me transmitiu.

Assim como nunca será demais realçar o importante papel que tiveram os meus alunos durante este ano mostrando-se sempre colaboradores em todas as actividades propostas. Desta forma posso dizer que sem o apoio e a amizade demonstradas por estes, o estágio teria sido bastante diferente.

E eis que no final do ano lectivo, justamente quando o estagiário se sente pronto para pôr em prática tudo o que lhe foi dado a conhecer pela experiência acabada de viver, é bruscamente confrontado com uma dura realidade: a remota e mesmo inexistente hipótese de ser colocado numa qualquer escola deste país. E a situação revela-se de tal forma castigadora quando, concurso atrás de concurso, o jovem professor vai criando as maiores expectativas, ao mesmo tempo que os colegas mais experientes nos vão dizendo em tom de chacota: " não me digas que ainda tinhas esperança de ficar colocado?" .

Claro que sim! - responderiam todos os estagiários em uníssono - quanto mais não seja pelo facto de termos escolhido esta profissão. Foi esta a escolha que deu sentido a todos os anos de esforço e de estudo. Pessoalmente, a experiência de estágio, apesar das dificuldades vividas veio confirmar que é na educação que quero desenvolver a minha actividade profissional. Não será este motivo suficiente para ter esperança para ficar colocado? Pois eu acredito que sim.

A verdade é que para um estagiário a escola é a primeira experiência de trabalho real. E é com muita pena que verifiquei ao longo deste ano lectivo, carregado de emoções, por vezes contraditórias ,que nas nossas escolas alastra a olhos vistos o síndroma da passividade. Considerando os anos de preparação, a motivação para o ensino e a alegria e capacidade de iniciativa que um estagiário dispende num só ano, muitos em situações adversas não mereceriam outras condições de trabalho?

Um país com tantas necessidades educativas pode dispensar profissionais qualificados como os professores?

Gostava, para finalizar, de deixar um apelo, dêem-nos uma oportunidade!

Joana Cirne
Estagiária 99/00


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Joana Cirne

Joana Cirne

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo