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Teorias Sobre o "Hooliganismo"

Mal tinha começado o Campeonato Europeu de Futebol 2000 e já os ingleses tinham percebido que a competição, a nível desportivo, ia correr mal. Os primeiros resultados da sua equipa ? maus, como se sabe ? deram origem a muitos debates que tinham como objectivo descobrir onde estava o problema. Uns, como é normal nestas coisas de futebol, queriam a cabeça do treinador. Outros, como também acontece, acusavam os jogadores de não darem o seu melhor. Outros ainda, consolavam-se com a ideia de que aquela era a melhor selecção possível de jogadores, acrescentando que se não jogaram melhor foi porque não sabem.

A nível desportivo o assunto parecia estar arrumado. Os comentadores limitavam-se a canalizar esperanças para as próximas grandes competições e a salientar a força e a técnica que outras equipas demonstravam. O povo inglês estava desiludido. Sobretudo porque países pequenos faziam muito melhor figura. E, no final, o sapo a engolir foi ainda maior: o país pelo qual têm um ódio de estimação ? a França ? acabaria por vencer o campeonato.

Para os ingleses, neste Campeonato importava não só conquistar um bom resultado mas também melhorar a ideia que o resto do Continente tem em relação aos "hooligans". Os cidadãos ingleses responsáveis estavam preocupados com o que esta espécie de compatriotas seus iria fazer dentro e fora dos estádios. As preocupações passaram do cidadão comum para os políticos e para as forças de segurança. O primeiro-ministro Tony Blair pedia aos adeptos ingleses que se comportassem. As autoridades criaram uma lista com os nomes dos "hooligans" mais perigosos para impedir que atravessassem o canal com rumo aos estádios onde se realizava a competição.

Mas muitos ingleses, incluindo muitos dos que estavam proibidos de o fazer, atravessaram o canal e desembarcaram no continente, prontos para a confusão. Havia "jaulas" preparadas para quem criasse problemas à ordem pública. Os "hoolingans" estavam na mira de todos. E não foi preciso muito. À primeira derrota ? por sinal com a equipa portuguesa ? os apoiantes da equipa inglesa fizeram justiça à sua fama. Muitos foram recambiados para casa e as imagens da televisão e dos jornais mostravam não só o vulgar tipo de "hooligan" mas também um tipo de adeptos com um ar "normal". Muitos destes últimos tapavam a cara porque não queriam ser reconhecidos. Têm empregos respeitáveis ? bancários, por exemplo - e não queriam que os chefes os vissem envolvidos em tamanha confusão.

Então, os fazedores de opinião de reino inglês viram aqui uma excelente oportunidade para disfarçar o fracasso da prestação desportiva. Em vez de saber de quem foi a culpa de tal fracasso, orientou-se a discussão para o estado da sociedade inglesa, a tal em que nascem e se desenvolvem os "hooligans". Surgiram as mais espantosas teorias. Não admira que a mais óbvia fosse a de oportunismo político: "A culpa é do Governo". Blair, indignado com a acusação mas envergonhado com o que parte da sua espécie tinha feito para lá do canal, limitou-se a pedir-lhes bons modos. Certamente que sem perceber muito bem onde é que o seu Governo poderia ter errado. Seria um questão de orientações políticas, de opções em matéria de educação ou seria qualquer outra coisa? A dúvida instalava-se...

Propuseram-se, então, as explicações mais bizarras. Uma investigadora feminista viu aqui a sua grande oportunidade para fazer passar a sua teoria: os homens assumem esta agressividade porque já não lhes resta mais nada. Explicando melhor... Enquanto as mulheres têm que provar que têm valor e, por isso, têm vindo a apostar tudo nas tarefas profissionais e sociais, os homens não precisam de se esforçar para ter cargos de liderança. Então, concluiu a investigadora, como já não há desafios que satisfaçam os homens, eles dedicam-se a testar as suas capacidades físicas de uma forma muito mais excitante: bater porque sim e esperar resposta para bater ainda mais.

Não menos surpreendente é a questão militar. Um estudioso foi à televisão dizer que o problema é a falta de uma guerra. Diz ele que o povo inglês prepara os seus jovens para confrontos. É assim, diz ele. E acrescenta que a história mostra que as gerações anteriores puderam exteriorizar a agressividade que lhes foi dada como preparativo para a vida, porque viveram tempos de guerra. Pelo discurso deste senhor, até parecia preferível que a Inglaterra estivesse envolvida num conflito sério, para poder mandar os seus homens para a guerra. Se assim fosse, os ingleses não andariam à porrada aos adeptos de futebol de outros países.... E o caso estava arrumado.

Debater qualquer uma destas possíveis teorias sobre as origens do "hooliganismo", recorde-se, parecia melhor do que enfrentar o fracasso desportivo. Mas no final ficou tudo na mesma: não se sabe por que é que a selecção inglesa teve tão más exibições e resultados; e não se sabe por que é que os "hooligans" fazem o que fazem. Restam os bons bocados de lazer proporcionados por tudo isto a quem está de fora...

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester /UK


  
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Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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