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A Apregoada Expansão do Pré-Escolar foi só um Investimento no Privado

Será correcto afirmar que a situação da Educação Pré-Escolar em Portugal, sofreu nos últimos anos alterações significativas. No entanto, nem sempre alvo de apreciações positivas, quer por parte dos docentes deste sector de educação, quer por parte dos sindicatos, seus legítimos representantes.
A tão apregoada expansão da rede traduziu-se num investimento exacerbado no sector privado, com o privilégio a acentuar-se com uma clara evidência nas IPSS?gs (Instituições Particulares de Solidariedade Social).
Com efeito o facto da Lei-Quadro da Educação Pré-escolar ter considerado uma rede nacional abarcando o sector público e o privado veio permitir a desresponsabilização do governo face à rede pública.
"Garantindo" aos pais em forma de lei (e apenas no papel) a gratuitidade da frequência nas instituições particulares no que respeita à componente educativa, o estado demite-se de assumir a cobertura nacional de uma rede pública que garanta o acesso de todas as crianças a uma educação pré-escolar pública e de qualidade. Aumentam-se os números de frequência iludindo o cidadão comum, criam-se mecanismos de forma a concretizar a denominada expansão da rede mas nenhum deles passa por um investimento claro na construção e reformulação de equipamentos que assumam a referida expansão.
Mas as alterações não ficaram por aqui. Reconhecendo a necessidade de uma resposta social às famílias no que respeita ao atendimento nos jardins de infância da rede pública, o Ministério da Educação transforma também em lei a possibilidade do desenvolvimento de uma componente sócio-educativa naqueles estabelecimentos de educação. Atitude que poderia ser entendida como correcta caso tivesse sido precedida de alguns cuidados, nomeadamente de um levantamento das condições de funcionamento destes jardins de infância dado que muitos deles não têm de facto estrutura física capaz para que ali possa ser desenvolvida.
Pelo contrário, a precipitação com que foi encarada esta medida, nomeadamente por muitas autarquias do país que viram nesta alteração uma oportunidade de responder às solicitações dos seus eleitores, originou entendimentos incorrectos, perseguições ao trabalho desenvolvido pelos educadores de infância e muitas tentativas de pressão e sobreposição de poderes, que surgiram essencialmente em virtude da falta de clarificação das diferentes competências e responsabilidades dos vários intervenientes neste processo. Na verdade, se tivesse existido por parte do M.E. a preocupação de garantir que os direitos dos seus funcionários fossem salvaguardados independentemente das alterações verificadas, muitas das situações de prepotência e autoritarismo vividas pelos Educadores de Infância teriam sido perfeitamente evitáveis.
No entanto, e apesar das sucessivas tentativas para que o M.E. revisse a sua atitude em relação à política empreendida em torno da educação pré-escolar, as interpretações abusivas da lei persistiram com a agravante de muitas delas serem feitas pelos próprios orgãos descentralizados do Ministério, nomeadamente CAE?s. Continuam a ser dadas claras margens de manobra à Associação Nacional de Municípios que de uma forma escandalosa se procura sobrepor continuamente à tutela do M.E. com a notória omissão deste último. Continua a ser evidente a falta de preocupação com as condições do exercício da função do educador de infância e do desenvolvimento da componente sócio-educativa. Continua a ser evidente a falta de cuidado em relação às questões da qualidade no atendimento.
É hoje claro que as opções do Ministério da Educação no que respeita à Educação Pré-Escolar não foram as melhores. Urge uma reformulação da estratégia adoptada. Urge assumir que a expansão da rede se faz através de um investimento claro numa rede pública de jardins de infância, de qualidade, com pessoal qualificado tanto na componente lectiva como na sócio-educativa e com equipamentos adequados. Urge reclamar o direito a uma verdadeira Escola Pública de Qualidade, de todos e para todos.

Júlia Vale
Educadora e dirigente do SPN


  
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Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Júlia Vale
Educadora de Infância. Federação Nacional dos Professores FENPROF
Júlia Vale
Educadora de Infância. Federação Nacional dos Professores FENPROF

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