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Odisseia dos Exames

(seguida de uma fotoreportagem numa noite de Queima das fitas em Coimbra)

Os exames nacionais estão à porta e com eles cresce a ansiedade em muitos alunos. As aulas praticamente acabaram, e agora só se pensa naquela nota "mágica" que dará acesso ao ensino superior ou conferirá o diploma de conclusão do ensino secundário. E depois vêm as férias.
"Vou comprar bilhetes para o festival de Zambujeira-do-Mar, que começa no início de Agosto. É uma espécie de "prémio" que reservei para o final de aulas", diz a Cláudia Araújo, estudante do 12º ano na escola secundária Carolina Michaelis, no Porto. "Só espero não ter nenhuma surpresa desagradável na 1º chamada e ter de repetir em Setembro. Era uma frustração".
A Cláudia é aluna do Agrupamento 2 do novo ensino secundário e pretende ser advogada. Mas sabe que não irá ser fácil. No ano passado, a nota de ingresso no curso de Direito das universidades de Coimbra e Lisboa situava-se perto dos 14 valores. Mais complicada era a entrada na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade do Porto, onde as médias se cifravam nos 16 valores.
Nada que a assuste, porém. Garante que o seu método de estudo é "infalível" e, inclusivamente, já ajudou alguns colegas. Mas admite preferir estudar sozinha, no quarto, a partir do meio da tarde, quando o sol começa a descer. "A janela dá para as traseiras e é um ambiente muito tranquilo", refere a Claúdia, para quem o exame de Sociologia é o principal obstáculo a enfrentar por estes dias.
Ao contrário desta aluna, há aqueles que preferem estudar nos cafés. Sós ou acompanhados, o facto é que o burburinho de fundo das conversas alheias parece ajudar muitos alunos a concentrar-se. É o caso do Rui Esteves, que costuma frequentar um pequeno café, perto de casa, "muito tranquilo e com lugar à janela". Afirma que se considera preparado para enfrentar os três exames que tem pela frente, mas as surpresas, admite o próprio, "acontecem quando menos se espera". É por isso natural, refere, que fique "mais nervoso" à medida que se aproximam as datas.
A crescente pressão sentida pelos alunos em torno dos exames de candidatura ao ensino superior é proporcional ao decréscimo de vagas nas universidades e politécnicos. Apesar do crescimento de 168% do número de alunos no ensino superior português, entre 1990 e 1996, divulgado recentemente num estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o facto é que cerca de doze mil estudantes continuam a ficar de fora do sistema. No ensino superior politécnico os números são mais equilibrados: cerca de treze mil candidatos para doze mil vagas.
Entrar na universidade tornou-se uma necessidade tão mais premente quando se sabe que, para além de conferir um certo prestígio social, um grau académico pode significar hoje quase o dobro do ordenado de quem possui o diploma do ensino secundário.
O Pedro P., aluno do agrupamento 1 na escola secundária Rodrigues de Freitas, também no Porto, é da opinião que o ?numerus clausus? só tem razão de existir em Portugal porque "o estado não investe o suficiente na educação".
"Na maioria dos países europeus isso não acontece", retorque o Pedro, que se prepara para concorrer ao curso de Física e Química na Universidade de Aveiro. Uma boa escolha, a avaliar pela média de ingresso verificada no ano passado - perto de dez valores - numa área onde, ao contrário do que habitualmente acontece, as vagas são superiores aos candidatos.
As maiores discrepâncias entre o número de candidatos e de vagas disponíveis verifica-se na área da Saúde, onde, também no ano passado, havia cerca de dez mil pretendentes a pouco mais de três mil lugares. Na área de Arquitectura, Artes Plásticas e Design essa proporção é praticamente de 2 para 1.
E os hábitos de estudo? "Há quem se refugie a estudar sozinho, mas eu não consigo", diz ainda o Pedro, que gosta da companhia dos colegas. Além disso, garante, é a melhor forma de tirar dúvidas: "está-se mais à vontade e é mais económico", referindo-se aos muitos estudantes que, nestas alturas, se socorrem dos gabinetes de explicações pagos a "peso de ouro".

Pensar um futuro

A 1º chamada da 1º fase dos exames do 12º ano realiza-se de 19 de Junho a 12 de Julho, e a segunda desenrolar-se-á entre 13 e 21 de Julho. A 2º fase tem uma chamada única, que se realizará entre 4 e 18 de Setembro.
No ano passado, foram quase 170 mil os candidatos inscritos na primeira fase das provas. Os alunos inscritos no novo ensino secundário eram maioritários, chegando quase aos 140 mil, enquanto os alunos provenientes da via de ensino pouco ultrapassavam os 15 mil. O ensino profissional e recorrente contou com pouco mais de dez mil inscritos, distribuindo-se a quota restante pelos cursos complementares dos 10º e 11º anos, técnico-profissionais e equivalências. Deste total, quase 60% era constituído por mulheres e mais de três quartos eram candidatos ao ensino superior. Os exames mais concorridos foram o de Português B, com cerca de 68 mil alunos, e o de Matemática, com 52 mil inscrições.
A Mariana Teles gostaria de candidatar-se a professora de Educação Visual e Tecnológica no ensino básico. É a primeira vez que vai fazer os exames de ingresso, mas não acredita em facilidades... "Ainda por cima tem pré-requisitos, o que dificulta mais a tarefa", diz a Mariana, que concluiu o ensino secundário no ano passado e decidiu não prosseguir logo os estudos. Quis descansar das aulas e aproveitou para viajar até Trás-os-Montes, para casa de uns amigos.
No início deste ano convenceu-se de que queria ser professora e agora vai candidatar-se à faculdade. Não é que essa fosse a sua principal aspiração, confessa, mas foi uma das poucas hipóteses com "futuro" que vislumbrou.
O número de estudantes colocados em primeira opção de curso no ensino superior público estabilizou nos últimos seis anos, com cerca de metade dos estudantes a conseguir obter lugar nessa situação.
Quem não pensa tirar férias é o Rui Carvalho. Prefere ir trabalhar para Inglaterra, onde tem uns amigos a residir perto de Londres. É naquela cidade que pretende "ganhar uns cobres" a "servir copos" num bar. Depois, com o dinheiro que conseguir poupar, irá até Amesterdão. Mas para já a atenção está concentrada nos exames. O que mais o preocupa é o de Filosofia.
"Pelo modelo do ano passado não me parece uma prova fácil, e eu não sou grande coisa a Filosofia: acho que vou tirar oito na nota final de frequência". Mais uma razão para se esforçar na recta final, reconhece o Rui, que se considera preparado para os restantes exames. "É uma questão de dar uma última vista de olhos aos cadernos", diz com confiança.
Igualmente confiante está o Rui Morgado, de 19 anos, que pretende ingressar em arquitectura. O exame de Português B, destinado aos alunos do Agrupamento 2, é o que, em princípio, mais dificuldades lhe irá colocar. Por isso, já pediu a ajuda de uma amiga para lhe dar algumas explicações. Curiosamente, este exame foi o que obteve, no ano passado, um maior número de aprovações.
Mas ao Rui não são os exames do secundário que mais o assustam, mas sim a média de ingresso no ensino superior. "Em qualquer faculdade do país, seja em Lisboa, Porto ou Coimbra as médias são extremamente altas, nunca inferiores a 16 valores". O Rui conta que um amigo dele tentou o ingresso no ano interior e não conseguiu. Uma má experiência que espera não se repetir com ele. Se não conseguir colocação em nenhuma delas, gostaria de tentar arquitectura paisagista na universidade de Évora ou do Algarve.
Uma situação que não é de todo difícil acontecer. No ano passado, mais de metade dos candidatos ao ensino superior ficaram colocados em estabelecimentos de ensino fora do distrito de residência.
É uma das razões pela qual o André Pereira, estudante de uma escola secundária da periferia do Porto, prefere ir trabalhar. Além de a sua família não poder suportar os estudos fora da cidade de residência, o André já tem um emprego garantido. "mas gostava de finalizar os estudos. Sempre foram doze anos..."
Mas o André é uma excepção. É que de acordo com as estatísticas da OCDE, Portugal é um dos países com uma das mais baixas taxas de conclusão do ensino secundário. Em 1998, a quase totalidade de países membros desta organização tinha uma taxa de aprovação que superava os 70%. Em Portugal esse número não ultrapassava os 56%, ligeiramente acima do México e da Turquia. Em países como a Áustria ou a Alemanha, esta percentagem eleva-se a mais de 90%.
Ao mesmo tempo, apenas 53% dos alunos entre os 15 e os 29 anos estão inscritos no ensino secundário e, desses, 25% não chegam a concluí-lo (a média da OCDE é, respectivamente, de 20 e de 13 por cento). E as previsões para 2015 não são optimistas: pouco mais de 35% dos adultos entre os 25 e os 64 anos terá completado o ensino secundário.


Ricardo Jorge Costa

Nota do Webmaster: Não são incluidas na versão on-line as imagens que existem na versão em papel.


  
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Edição:

N.º 92
Ano 9, Junho 2000

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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