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Uma Experiência Pedagógica em Torno do Porto 2001

O trabalho prático deste ano foi o de se investigar uma proposta ecológica para a cidade do Porto 2001.
No principio do ano iniciou-se a parte prática das aulas com exercícios pedagógicos, tendo como base a didáctica da Bauhaus, (1) da Taliesin Fellowship, (2) da Alanus Schulle (3) e doutras metodologias em torno da criática e da biónica. (4)
A pintura em papel molhado, os exercícios de expressão corporal, a música e o trabalho com barro, permitiram criar uma predisposição para processos criativos inovadores, de desconstrução dos hábitos pré-concebidos de projectação. O estudo da metamorfose a partir das plantas e dos animais abre novas perspectivas para uma expressão orgânica o mais adequada ao desenvolvimento urbano e ao habitat. A sensibilização à tradição do Feng-Shui, (5) à geometria sagrada e à "permaculture", (6) abriu horizontes capazes de ligar modelos tradicionais às formas do futuro. Estudou-se também a experiência ecológica do pioneiro da ecologia M.A.G. Himalaya (máquinas solares e planeamento), revelando uma tradição em Portugal pela problemática do desenvolvimento sustentado e pelas energias renováveis.
Esta didáctica permitiu antever outras concepções de escola, outras alternativas ao ensino dominante.
Esta pedagogia propiciou a abertura para uma concepção da cidade como uma realidade sistémica e planetária. Propiciou também uma introdução ao eco-design.
Com efeito a paisagem deixou de ser apenas objecto óptico e formal. Ganhou uma dimensão ecológica onde os vários vectores sistémicos se interpenetravam. O biótopo e biocenose revelam a complementaridade da biosfera . Biosfera e noosfera aclararam o relacionamento entre natureza, civilização e cultura.
O planeamento urbano abriu-se à arte complexa dum paisagismo planetário.
E assim o arquitecto só pode ser útil na intervenção urbana se participar na complexidade sistemática da intervenção territorial como um todo.
O formalismo dum pensamento mecânico e linear tem de dar lugar a uma abordagem da complexidade sistémica, na concepção holística da natureza e do homem.
A nossa primeira tarefa foi mostrar como o pensamento mecânica e linear causou a destruição da paisagem e o esgotamento dos bens naturais:

  • O crescimento da poluição;
  • O efeito de estufa;
  • A geopolítica da fome e da sede.

Mas a nossa prioridade não foi a de aterrorizar os alunos com escatologias do fim do mundo. Foi provar e demonstrar que existem saídas hoje, para inventar um futuro em que os interesses públicos se sobreponham aos egoísmos financeiros das multinacionais. Assim, tendo como base o desenvolvimento urbano ecologicamente sustentado, tentou-se romper com esse pensamento linear e mecanicista.
Tentou-se revelar a cidade como um ser vivo. A ecopolis!.
A sustentabilidade ecológica é assim entendida como a capacidade de produzir e consumir sem pôr em risco as necessidades das gerações futuras. Trata-se de substituir um processo de destruição de bens e produção de resíduos poluitivos num outro paradigma possível em que o desenvolvimento se processa em interdependência e cooperação da sociedade e da natureza. A regeneração, ou seja a reciclagem e a renovação terão que substituir a entropia assente no esgotamento e no lixo.
Esta abordagem ecosistémica obriga a conceber um desenvolvimento urbano em que o resíduo de uns é alimento para outros. Os sistemas complexos da natureza permitem, quando conscientemente organizados e inseridos nesta concepção, que os rios e os lagos voltem a ter a sua função de regeneração, que a vegetação funcione como um "processo biotecnológico" de reciclagem de resíduos orgânicos e atmosféricos.
Esta mudança de pensamento é uma revolução. Não se entende a ecologia como apenas mais uma disciplina cientifica. Trata-se de ecologizar o pensamento e ser capaz de imaginar uma sociedade a funcionar fora dos mecanismos da sobrevivência do mais forte. Trata-se de desenvolver através da ecologia, uma "ciência com consciência". Trata-se de valorizar o aspecto de cooperação existente nos ecosistemas vivos. O resíduo ?recurso ou, como se diz na cidade de Curitiba, no Brasil, lixo é riqueza, se formos capazes de criar um desenvolvimento urbano ecologicamente sustentado.
A nossa proposta de ideias para uma ecopolis na cidade do Porto foi alimentada pelo estudo de vários casos que ajudaram à reflexão crítica do modelo urbanístico dominante.
A reflexão alargou-se desde o pensamento utópico até às várias propostas de biosferas. Analisaram-se as propostas do IBA - Exposição Internacional da Construção, para a bacia do Ruhr e para a Exposição de Hannover, na Alemanha Analisaram-se também as propostas para a região biológica do Grande Toronto, no Canadá, a proposta de eco urbanismo para a cidade solar de Linz-Pichling, na Áustria, experiências do movimento de eco-aldeias na Europa e ainda múltiplas experiências sobre a incidência da ecologia e da energia solar na arquitectura e no planeamento urbano tal se puderam estudar nas realizações de Thomas. Herzog. Norman Foster, Jourda e Perraudin. Renzo Piano, Richard Rogers, Lucien Kroll, etc...
Munidos com esses casos exemplares de urbanismo e arquitectura e com a estratégia já referida, propus para o Porto o tratamento ecológico integrado dos espaços públicos, visando uma eco-polis.
Os pontos essenciais eram:

  • um plano verde de arborização que permitisse o contacto permanente, através de "corredores de continuuns verdes", da cidade com a natureza, formando um bio-clima saudável massas verdes de reciclagem de resíduos atmosféricos e lixos orgânicos, criação de uma agricultura urbana capaz de responder, em muitos aspectos, às necessidades alimentares e simultaneamente estéticas;
  • um plano de tratamento da questão hidrológica que permitisse reter águas pluviais e o seu reaproveitamento em gastos domésticos, revitalização dos cursos de água, organização de "estações de tratamento de águas residuais" com meios biológicos, tendo em vista a reciclagem e a reutilização dessas águas;
  • um plano de transportes alternativos não poluentes que dessem resposta às necessidades colectivas e individuais;
  • um plano de energias renováveis que permitissem um maior grau de autonomias;
  • um plano de organização territorial e construtivo que expressasse novas formas de cidadania participada das populações, na gestão dos bens públicos, isto é, um espaço público favorável ao desenvolvimento social, à auto-gestão e à educação ambiental.

Alguns dos projectos apresentados pelos alunos do 5º ano da F.A.U.P. expressam, com maior ou menor coerência, com melhor ou pior capacidade, estes pontos essenciais aqui enunciados, mostrando que existem alternativas para 2001 e que é possível pensar a arquitectura e a cidade como um ecosistema.
Assim, um grupo de alunos estudou o parque de S. Roque, transformando este jardim num lugar agradável e útil, conjugando flores com árvores de fruto, hortas com jardins e fazendo nos cursos de água as bio-e.t.a.r?s capazes de reutilizar águas residuais.
Houve quem pensasse nos sistemas de transporte e propusesse pequenos eléctricos, carros municipais que pudessem ser utilizados pelos cidadãos em trajectos específicos da cidade.
Um grupo articulou várias áreas dilaceradas pelo trânsito de automóveis, num espaço pedonal integrado, na zona da Cordoaria e Praça dos Leões, possibilitando um coração cultural e natural para a cidade.
Outros grupos optaram por revitalizar a zona ribeirinha do rio Douro, regenerando cursos de água, revitalizando percursos humanos, reutilizando edifícios vetustos e propondo uma agricultura urbana que ajudasse a reciclar e a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Outros grupos intervieram dando prioridade aos cidadãos pelo direito à cidade, criando circuitos pedonais por toda a cidade e levando até aos múltiplos centros da polis árvores e jardins, regenerando a atmosfera e formando meios bioclimáticos saudáveis.
Assim, em todas estas propostas se podem ver preocupações sociais e ecológicas na edificação de centros culturais em múltiplos pólos de serviços municipais, funcionando como experiências exemplares dum necessário plano verde para a cidade do Porto, que a transforme não numa eventual capital de lixo cultural mas numa ecopolis, cidade exemplar ecologicamente sustentada.

Jacinto Rodrigues
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

(1) - Bauhaus
Escola de ensino artístico - arquitectura e design, fundada por Gropius em 1919, na
Alemanha. Devido ao seu carácter progressista foi encerrada pelos nazis em 1933.
(2) - Taliesin Fellwship
Escola de arquitectura, design e construção, criada por Frank Loyd Wright, nos anos trinta. Era uma escola de vida, aprendendo a aprender, fazendo um tipo de vida total, com trabalho rural, música, construção, meditação, etc.
(3) - Alanus Schulle
Escola de arte, formada nos anos 80 tendo como base um conceito holístico da vida, baseada nos princípios de Goethe, Rudolf Steiner e Joseph Beuys.
(4) - Criática
Método didáctico para o desenvolvimento da criatividade
Biónica
Investigação experimental sobre plantas e animais, procurando estudar modelos artificiais a partir do funcionamento orgânico dos seres vivos
(5) - Feng-Shui
Doutrina do Tao, sobre a busca de um bom lugar (Chenius locci ) para a vida saudável dos homens.
(6) - Permaculture
Conhecimento intuitivo dos lugares a partir da prática das populações aborígenas da Austrália e recentemente referenciada nos textos de Bill Molisson.


  
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Edição:

N.º 92
Ano 9, Junho 2000

Autoria:

Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto

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