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Mulheres "Desalinhadas" mas Felizes

Acabei de fazer trinta anos. Não. Não estou psicologicamente afectada. Mas gostava de escrever umas coisas que a este propósito me têm vindo à cabeça, por muito pessoal que isto pareça. A primeira coisa de que me lembro para puxar pela "conversa" é um anúncio publicitário. Aquele que refere uma senhora que diz qualquer coisa como isto: "Já fui pobre e já fui rica. Prefiro ser rica". Nunca fui rica mas também nunca fui pobre. Tive momentos de muita felicidade e outros vividos lá por baixo. Já vivi sozinha e já vivi acompanhada. Mas não acho que esteja em fase de fazer balanços, só porque estou numa fase da minha vida que muitos consideram como uma viragem. Não sinto nada de especial. Mas tenho dado comigo a pensar num certo tipo de mulheres entre as quais me incluo: mulheres que se desviaram do percurso que lhes foi apresentado como normal.

Cresci numa sociedade e numa época em que me confundiram com dois tipos de mensagens. Mensagem número um: tens que apostar numa carreira. Mensagem número dois: convém que cases, de preferência jovem, e que constituas família. Tudo parecia normal e até possível. Há dez anos atrás começava a minha carreira profissional e tinha um namorado para casar. Dez anos é muito tempo e tudo o que parecia ser para sempre, deixou de ser. Porque a cabeça não deixou de pensar, nem o coração deixou de sentir.

O que parece ser comum ao grupo de mulheres em que me incluo é o facto de, numa determinada altura do processo, terem questionado aquilo para que estavam a ser encaminhadas. Não quero, de maneira nenhuma, dizer que as mulheres que têm a sua actividade profissional e uma vida familiar ditas "normais" não tenham questionado o percurso que fizeram. A diferença é que decidiram manter as opções feitas durante a juventude. O que estou a dizer é que muitas de nós questionámos e decidimos seguir outro caminho. Com a experiência do casamento/vida em comum ou sem ela, o certo é que muitas mulheres da minha idade vivem sozinhas e não têm filhos. E sinto que cada vez mais este fenómeno é respeitado pela maior parte do resto da sociedade.

Há também quem goste de ver neste tipo de vida independente alguma frustração. Aos meus olhos, ser "solteirona" ou jovem divorciada, nos dias de hoje, é antes uma alternativa ao convencional. E esta alternativa tem outro tipo de compensações. A principal é a liberdade. Podem-me gritar aos ouvidos que há relações que dão o espaço e o tempo que cada um dos parceiros precisa. Eu ponho aqui muitas reticências. Acredito que há pessoas dispostas a abdicar dessas "regalias" por outros "consolos". As mulheres livres e independentes por opção, o tal grupo em que eu me incluo, preferem uma coisa à outra. É a velha história do "não se pode ter tudo". É uma história simples e fácil de entender.

Só à custa de muitas mulheres e de alguns acontecimentos é que eu posso ter a vida que tenho: morar onde me apetece, estar com quem eu quero, determinar a minha carreira profissional, viajar o mais possível, adiar a maternidade. Sinto-me uma privilegiada por ter nascido na altura em que nasci. E sinto-me feliz pelo facto de as raparigas de hoje poderem ter várias opções de vida à vista desarmada. E até podem optar por não ter uma carreira profissional e se dedicarem exclusivamente a uma família que queiram constituir. Por que não? É preciso é que o leque de opções esteja visível na sociedade e que umas não sejam apresentadas como melhores do que as outras. E é também preciso que saibam que muitas das vezes, ao longo do percurso, é possível trocar uma opção pela outra. Fazer opções erradas também faz parte da vida. A habilidade está em saber assumi-las. Já lá vai o tempo do sacrificio em nome de vidas de fachada. Espero eu...

Quando penso nestas coisas, tenho sempre como exemplo a vida das minhas avós, que saíram da linha mas que pagaram por isso, porque as épocas eram outras. A minha avó paterna foi mãe solteira na década de vinte e só casou, com o meu avô, vinte anos depois de ter o primeiro filho. A minha avó materna, na década de quarenta, foi deixada pelo primeiro marido porque recebeu um amigo dele quando estava sozinha em casa. O pai dela fechou-a num quarto durante um ano, por causa da vergonha pública. O único marido que arranjou foi o meu avô, que era viúvo e tinha uma filha. Para além de terem sido mulheres de coragem, tiveram a sorte de encontrar dois homens que, tendo em conta a pouca educação formal que tinham, perante a época e os sítios onde viviam, foram homens com outra visão. Tenho que dizer que também os há, nos dias de hoje! E alguns deles, também preferem ser independentes e viver sozinhos...

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester / UK


  
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Edição:

N.º 91
Ano 9, Maio 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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