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O Professor, o Aluno e o Saber

Não é esta a primeira vez que assoma a este canto de A Página a trialéctica das relações suposta na dinâmica que anima o movimento das figuras acima invocadas. A propósito de temas como a disciplina., a autonomia ou o projecto, frequentemente se tem aqui chamado a atenção para o facto de os problemas da escola não poderem ser pensados, hoje, segundo a lógica tradicional que assenta no princípio da identidade. Nos termos dum tal princípio, a realidade é essencialmente homogénea e as formas da sua evolução são pensadas como expressão de potencialidades já pré-contidas na sua forma actual. O heterogéneo é, assim, entendido como negação das potencialidades (ele é a negação daquilo que é a boa forma, o bom aluno, por exemplo), mas, quando as suas formas de existência assumem o estatuto de contraditório, é reduzido à condição de terceiro excluído. Isto significa que, segundo o princípio da identidade, o heterogéneo admite duas modalidades de ser pensado face ao homogéneo: a de polaridade complementar e a de incompatibilidade. No primeiro caso, o heterogéneo implica uma diferença de posição, de grau ( o mau aluno faz falta à definição do bom); no segundo caso, há uma diferença de natureza ? já não se pode reconhecer o "aluno"; ele é um "isso", um ente inominado que habita um mundo que não é o seu e tem de ser excluído.
Durante muito tempo a escola funcionou segundo esta lógica com o saber a desempenhar o princípio da identidade. o professor a exercer a função de actualização do saber (o exercício do saber em acto ou a identidade realizada) e o aluno como processo potencial de identificação.
Com a massificação da escola, o princípio de identidade que era o saber tornou-se paradoxal: ele é simultaneamente princípio de identidade e 3º excluído: na verdade, para ser princípio de identidade numa escola de massas, ele precisa de se reconhecer na heterogeneidade e, portanto, adaptar-se à diversidade dos públicos e das situações, o que lhe altera a identidade, sendo isso o que está pressuposto na flexibilidade curricular e, mais expressivamente ainda, nos currículos alternativos. Mas isso é justamente o que o remete para a condição de 3º excluído entre o professor e os alunos. É a posição do lugar do morto, como alguém lhe chamou.
A falta de identidade do saber escolar está, assim, ligada à lógica da oportunidade do saber, ao saber como acontecimento significativo, condição que o remete para o domínio das subjectividades, cujo controlo só é possível mediante o contrato didáctico ou, como se vem insistindo ultimamente, para o projecto. A passagem duma dimensão de exterioridade e de intemporalidade do saber para uma dimensão de interioridade e de acontecimento, cuja medida é em grande parte função do significado que lhe seja atribuído pelo aluno, expõe o acto de ensinar a uma precariedade permanente e a consequência mais imediata é a de que a identidade profissional se passará a definir mais em termos de relação e comunicação que em termos de conteúdos específicos e de enunciados estruturados. Trata-se, todavia, de uma forma de identidade difícil de assumir, porque releva apenas do jeito ou duma certa forma de "lidar com eles"...E este é outro paradoxo não menos intrigante.


Manuel Matos
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação / Porto


  
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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