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Educação em Meio Prisional - um Direito ou um Privilégio?

A educação tem assumido um papel cada vez mais proeminente nas nossas sociedades. O desenvolvimento do ser humano como pessoa e o desenvolvimento das nações (económico, tecnológico, científico, social e cultural) muito devem à evolução do sistema educativo ao longo dos séculos. Inicialmente a cargo da família, na praça em pequenos grupos conversando (actividade puramente informal); até à actualidade, em edifícios especializados para fins educativos, com recurso a manuais e tecnologia ( sistema educativo formalizado e bastante complexo), muito o conceito de educação tem evoluído. Primazia de algumas classes, tornou-se hoje o passaporte indispensável para a inserção do indivíduo na sociedade. Por isso, creio poder salientar que a educação é, actualmente um assunto de todos. Não interessa apenas aos professores e aos estudantes, aos pais, aos técnicos e aos decisores político. É necessário educar os jovens de hoje para os desafios de amanhã: eliminando a pobreza, garantindo um desenvolvimento sustentável e de paz duradoura. Efectivamente, e de acordo com o dizer da Comissão Internacional para o Séc. XXI "o tempo de aprender é agora a vida inteira", sendo por conseguinte imprescindível considerar a formação do adulto tão prioritária como a do jovem, face à permanente necessidade de actualização, imposta pela evolução da ciência, da técnica e da própria sociedade.
Sendo a nossa sociedade uma "learning society", deve garantir os princípios da máxima inclusão social e da igualdade de oportunidades a todos os indivíduos. A criação de um sistema educativo que inclua todos, sem qualquer tipo de exclusão, deve ser uma prioridade do sistema educativo; ou seja, é indispensável que a política educativa considere em igualdade todas as modalidades de ensino.
Embora privados de liberdade, os reclusos mantêm a titularidade dos demais direitos fundamentais, devendo a execução decorrer de forma a facilitar a sua reintegração na sociedade, preparando a sua reinserção de modo responsável. O direito à educação é fundamental enquanto direito do cidadão, constitucionalmente inserido no universo dos direitos económicos, sociais e culturais. Sendo, por conseguinte, a educação promotora da reinserção das pessoas sujeitas a medidas privativas de liberdade, de acordo com os objectivos fixados na Constituição e na Lei. Em meio prisional estes princípios revelam-se fundamentais: a educação pode ser a "bóia salva-vidas" para um náufrago. Estudos recentes, realizados no estado da Califórnia, têm demonstrado que a inserção em actividades educativas diminui a percentagem de reincidentes. O Federal Bureau of Prisions concluiu que quanto mais activamente os presos participam com sucesso em programas de educação nas prisões, menos provável é a sua reincidência.
É importante compreender que as oportunidades dadas a esta população especifica também contribuem para o desenvolvimento do país, nomeadamente através da melhoria das condições de vida dos reclusos (quando posteriormente em liberdade) e das suas famílias e para a diminuição do número de residentes nas prisões; actualmente tão elevado, o que torna relevante para todos os cidadãos em geral que seja garantida educação de
qualidade em meio prisional.
Através da "educação orientada para o desenvolvimento de valores, atitudes, capacidades e competências que favoreçam a aprendizagem, a adaptabilidade e a relação" [que dotem] "cada pessoa com os instrumentos básicos necessários ao desenvolvimento do seu ser em relação com os outros", os reclusos podem desenvolver atitudes positivas perante a sociedade em que estão inseridos, motivar-se relativamente aos "conhecimentos escolares" e encontrar o seu lugar na sociedade (Desp.Norm. n.º 189/93, de 7 de Agosto).
Embora as vantagens dos programas educativos no contexto prisional estejam comprovadas, o projecto educativo nas prisões tem-se revelado problemático. A tarefa de instruir os reclusos é complexa; em parte devido aos baixos níveis de escolaridade e motivação da população reclusa, em parte devido à falta de condições materiais e de docentes habilitados para a leccionação em meio prisional. O que transforma, em grande medida, a tarefa do educador, pois torna-se necessário adoptar concepções mais dinâmicas e imaginativas que promovam a motivação (diminuindo a percentagem de desistências) e que conduzam os reclusos a ser os agentes do próprio processo educativo, procurando, em simultâneo, colmatar as limitações materiais. Só a partir do interesse e da iniciativa dos potenciais interessados será possível melhorar as condições e a qualidade dos serviços educativos prestados.
Em suma: é crucial o aprofundamento da visão interdisciplinar e interinstitucional de modo a aumentar a interacção do sistema prisional e do sistema escolar, para uma efectiva concretização do direito à educação enquanto dimensão fundamental da liberdade e da cidadania.

Sónia Mairos Nogueira
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação/Coimbra
(discente da Licenciatura em Ciências da Educação)


  
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Edição:

N.º 89
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Sónia Mairos Nogueira
Estudante. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Coimbra
Sónia Mairos Nogueira
Estudante. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Coimbra

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