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A violência nas Nossas Escolas

A Portugal as coisas chegam sempre tarde, mas chegam.
Já em Fevereiro de 1996, o primeiro-ministro francês Alain Juppé se reuniu com directores de escola, professores, pais e outros responsáveis educativos e da imprensa, para debater o problema da crescente violência nas escolas francesas. Naquele ano, em pouco tempo, houve duas dezenas de actos graves de violência em escolas secundárias e dois em escolas primárias daquele país. Alain Juppé, ladeado por seis dos seus ministros, afirmou querer evitar que a escola francesa resvalasse para o estilo norte-americano de violência nas escolas. Nós alertámos para a importância de analisar este problema em Portugal. Ninguém ouviu.

Nos Estados - Unidos a violência nas escolas é desde há muito pura rotina. É vulgar, em particular nas escolas públicas da periferia, um controlo na entrada dos alunos não menos rigoroso e vigoroso do que o efectuado nalguns aeroportos para voos de grande risco. Não se trata só de controlar a violência quotidiana que os alunos utilizam entre si ou sobre funcionários e professores, o que se trata já, é de evitar a entrada de armas de modo a diminuir as tragédias. É nestas escolas que se formarão os americanos do próximo século. Os americanos que, de acordo com a opinião do Senhor Holbrooke deverão ajudar os europeus a resolver os problemas do século XXI e, se possível, a retirar-nos da nossa sonolência, apatia e rotina.
Durante demasiado tempo a violência nas escolas foi encarada como normal em países onde existiam minorias fortemente oprimidas. Normal na África do Sul do apartheid, na Palestina, no Brasil das favelas, nos Estados Unidos. Foi cómodo considerar que o fenómeno tinha apenas uma raiz. Cómodo pensar que não punha em causa o essencial do modelo económico e político que nos governa.
Hoje, daqui e dali vão chegando notícias de violência em escolas de países da Europa. A par, chegam notícias de manifestações racistas e xenófobas protagonizadas por jovens. A democrática Inglaterra começou por dar o exemplo. Seguiram-se outros países. Nos últimos dias alguns acontecimentos mais graves, como o ocorrido na Escola Básica 2/3 do Cerco do Porto, mostram que também em Portugal se começa a sentir agora o que outros sentem desde há alguns anos.
As notícias de actos de violência e de manifestações racistas praticados por crianças e jovens, correm o risco de se banalizar e de entrar na rotina social. Corremos o risco de não nos escandalizarem! Corremos o risco de os confinar dentro dos muros das escolas.
Corremos o risco de tudo ocorrer, sem nos questionarmos sobre a economia que temos, o sistema judicial que temos, a prática política que temos, o mercado de trabalho que temos, a prática política que temos, a comunicação social que temos, o sistema educativo que temos.
Corremos outro risco, o de ficarmos relativamente tranquilos sempre que um senhor primeiro-ministro, ladeado por outros ministros, se senta perante directores de escola, pais e representantes da imprensa para discutir, à francesa ou à portuguesa, a violência nas escolas. Conversar para que a opinião pública pense que tudo não fica na mesma.
Corremos ainda um outro risco que é o de pensarmos que o problema é conjuntural e localizado, não nos diz respeito e que o sistema educativo que temos nos serve, e que ao fim e ao cabo, só precisa de mais algumas regras, algum bom-senso, professores melhor preparados, pais mais intervenientes e um pequeno reforço da intervenção das misericórdias. Corremos o risco de esquecer o papel das nossas universidades e dos nossos investigadores.
Ao nosso país as coisas chegam muito tarde, mas chegam. Levamos alguns anos de atraso no desenvolvimento do nosso sistema educativo. Temos meios para saber o que aconteceu aos outros que trilharam o caminho que estamos a trilhar. Poderíamos pensar em escolher outros caminhos. Mas se é este que temos de percorrer, temos pelo menos a obrigação de saber de onde vêm os problemas. Contudo preferimos fingir que não sabemos e, calmamente, vamos copiando os outros, os erros dos outros, esperando que a nossa paróquia tenha um comportamento desviante.
Em pouco mais de vinte anos passámos da escola de elites à escola de massas. Esta mudança não foi ainda gerida nem entendida, pelo contrário, quando mais precisávamos de gente que entendesse os novos problemas e equacionasse as novas soluções, responderam-nos com anos de desgoverno da educação. Ao contrário da aparência, na realidade têm faltado em Portugal Ministros da Educação, Secretários de Estado, Directores Regionais à altura das necessidades do sistema. O que temos tido são burocratas linguarudos, gestores da rotina, copiadores das asneiras dos outros. Falta desesperadamente a capacidade de pensar a nossa realidade e de a entender. Falta parar de copiar modelos já caídos em desuso e que se sabe serem fonte de problemas.
Em matéria de educação, porque as crianças nascem e crescem todos os dias, não nos podemos, por enquanto, dar ao luxo da cópia ou da sesta.
Portugal é pequeno. O nosso desenvolvimento leva alguns anos de atraso. Os problemas chegam cá tarde. Mas chegam sempre.

José Paulo Serralheiro


Nota da Redacção: Este texto assinado pelo director de "a Página" foi já publicado na edição de 04 de Março (p.23) do jornal Público. A sua inclusão nesta edição de a Página é determinada por critérios de oportunidade jornalística óbvios - não poderiamos ignorar o fenómeno que gerou os actos de violência ocorridos na Escola Básica 2/3 do Cerco do Porto.


  
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Edição:

N.º 89
Ano 9, Março 2000

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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