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O Território na Intercepção do Global com o Local

"Uma das mais graves crises das metrópoles é a falta da cidadania: Os habitantes destas grandes aglomerações perdem pouco a pouco o sentimento dos seus interesses colectivos e a capacidade de se unir e de se mobilizar à volta de projectos comuns (...) Esta situação necessita de toda uma profunda renovação das formas e das modalidades da democracia local (...) O futuro dos aglomerados urbanos depende muito mais da possibilidade de suscitar uma verdadeira governação urbana, quer dizer um sistema de governo que articule e associe as instituições políticas, os actores sociais e as organizações privadas, em processos de elaboração e de concretização de escolhas colectivas, capazes de provocar uma adesão activa dos cidadãos" ASCHER, Christiane (1996) Problématique des villes-centres. Montréal: Université de Montréal.
Este ponto de vista de Ascher tem alertado para a necessidade de uma profunda reestruturação sócio-espacial nas sociedades capitalistas avançadas, tendo em conta o quadro de globalização da economia e das sociedades hoje existente. Por um lado, assistimos a uma divisão internacional do trabalho e da produção, a uma redistribuição dos espaços económicos entre os grandes capitais, à abertura das fronteiras, à mundialização das trocas, ao agravamento dos problemas ambientais, ao descomprometimento dos Estados providência, à perda de força dos Estados nações e das suas economias, ao reforço da empresa privada como motor da economia e à acentuação das desigualdades. Por outro lado, observamos o aumento dos micropoderes e dos movimentos sociais alternativos que se duplicam e multiplicam em grupos de pressão que agem em diversas escalas espaciais - bairro, localidade, cidade, região, nação, mundo - colocando a questão da emergência dum novo (outro) paradigma de desenvolvimento.
É no contexto de toda esta movimentação ? que toca as esferas social, política e cultural ? que a noção de espaço (associada à qualidade de vida) é de fundamental importância para as populações, tornando-se por isso objecto de veementes reivindicações. Um pouco por todo o lado surgem grupos de pressão e as associações afirmam-se. A sua finalidade é defender os princípios de participação e controlo dos territórios urbanos, dos modos e qualidade de vida neles existente ou do desenvolvimento sustentado do seu quadro espacial. Este movimento social alargado, cada vez mais visível e palpável, que faz do território e das condições de vida um lugar central de negociação, parece querer reestruturar as relações, à muito abandonadas, entre as esferas do sócio-cultural e da ecónomia, redefinindo, em linguagem actual, a desejável articulação entre o local e o global. Em suma, duas tendências contraditórias, à primeira vista, marcam a evolução dos aglomerados urbanos: a da desterritorialização suportada pela vertente económica e as mais valias a ela adjacentes, e a da territorialização propriamente dita, que ordenando o território com a participação dos habitantes, cria condições de vida e de cidadania mais próximo do cultural, ou seja, um melhor quadro para um bom relacionamento entre as pessoas e os grupos e entre estes e a natureza.
Com a mundialização, a compreensão das funções internacionais das cidades está a fazer evoluir na opinião pública a conciência de que os territórios urbanos são cada vez mais as vitrinas das sociedades e dos países.
A questão que fica em aberto é como é que estas novas participações sociais se vão continuar a desenvolver à volta dos assuntos dos territórios, se elas mesmas vão manter ou mesmo aumentar o seu nível de representatividade e autonomia e, desta forma, poder chegar haver a possibilidade de existir legitimamente uma outra governação para o urbano, tal como prevê Ascher.

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal
António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal

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