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Escritas Minimalistas

Uma das vantagens que encontrei na utilização do correio electrónico é a troca de mensagens informais em língua inglesa, por me estar a permitir verificar que algumas das suas palavras estão a ser transformadas. Já me tinha apercebido, pelas ruas das cidades inglesas, que algumas palavras, escritas em muros, começam a ter uma nova grafia. Nada de novo até ao ponto em que muitos de nós, quando queremos tirar apontamentos rápidos, também criamos uma espécie de estenografia própria de cada um. Eu tenho a minha, baseada em ideias que fui recolhendo em apontamentos de outras pessoas que fui vendo, desde os tempos do ensino secundário, e acrescida de outros códigos criados por mim que às vezes só eu é que entendo. As palavras mais usadas são abreviadas, às vezes, até ao mínimo dos mínimos.
Não sei bem porquê, mas verificar este tipo de fenómeno noutra língua tem vindo a suscitar uma curiosidade especial em mim. Cada vez que recebo uma mensagem, fico à espera de ver que novas palavras vou encontrar. Ou melhor, que nova forma de escrita vou encontrar em certas palavras. Há pessoas que recorrem a estas técnicas muito mais do que outras. A coisa mais engraçada que vi é a forma como uma amiga minha costuma iniciar as suas mensagens: "How r u?". Confesso que a primeira vez que li isto fiquei baralhada. Estava ainda pouco habituada a este tipo de escrita minimalista, chamemos-lhe assim.
Mas este "how r u" é tão simplesmente o recurso às letras puras e simples. Sabemos todos que, na língua inglesa, o verbo "are" se pronuncia exactamente da mesma maneira que a letra "r". E sabemos também todos que a palavra "you" se pronuncia exactamente da mesma maneira do que a letra "u". Por que não, então, simplificar? Sobretudo nos dias de hoje, em que muitas vezes o ritmo da vida é mais acelerado do que aquilo que nós imaginaríamos há uns anos atrás. Por outro lado, sempre ouvi dizer que as línguas são vivas, evoluem e se transformam. Não me admiraria nada que, daqui a uns anos ? não consigo avaliar quantos ? este tipo de simplificações viessem a ser adoptadas. Pode até ser que as línguas modernas agora entendidas como tal passem a ser consideradas clássicas... E até pode ser que não e que os linguistas se levantem contra estes "ataques" às línguas! Terei que esperar para ver.
O que eu sei é que estas abreviaturas e até novas criações estão a ser cada vez mais usadas. Ainda no caso da língua inglesa, não me parece que este fenómeno só se verifique em mensagens de correio electrónico entre amigos ou em "gritos" de adolescentes escritos nas ruas. Presenciei um caso que originou duas reacções distintas de uma professora universitária, então directora do departamento onde estudo, em Leicester. Passou-se num seminário de um mestrado, quando um colega meu apresentava um trabalho, recorrendo a acetatos. A certa altura a professora interrompeu para perguntar o que significava um conjunto de letras que faziam parte do que estava a ser projectado e que ela não percebeu. Mas nem era uma questão de caligrafia, porque o documento estava passado a computador. O que estava escrito era "b?cos". Para mim, esta forma de escrever "because", é o expoente máximo da imaginação, no assunto em questão. Não sei se esta expressão escrita está ou não generalizada entre os falantes de Inglês. Mas não me parece, dado o espanto da professora. Só que o espanto durou pouco, uma vez que a docente rapidamente reconheceu a originalidade da ideia. De então para cá, já tenho recebido mensagens de outras pessoas, que também usam o "b?cos".
Podia desenrolar aqui uma série de outras palavras que tenho vindo a encontrar nesta escrita minimalista. A primeira que me lembro de ter visto, e já foi há muitos anos, foi "Xmas". Esta está suficientemente banalizada, mesmo entre os portugueses com poucos conhecimentos de Inglês. E as outras, facilmente se percebem. Só para terem uma ideia de como é que isto resulta, aqui vai uma hipotética mensagem: "Hi! How r u? How was your Xmas? Here, everything is ok. I hv something impt to tell u... I hv a new relnship!"*. Continuando no campo da imaginação, a resposta dada pelo amigo que recebe esta mensagem poderia ter o mesmo significado mas poderia ser escrita de maneira diferente, consoante ele fosse português ou inglês. Se fosse português poderia escrever: "Uau!". Se fosse inglês escreveria: "Wow!". Claro que aqui já foi dado um salto para o campo das onomatopeias, mas também estas diferentes formas de reproduzir sons eu acho interessante...

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester / UK


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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