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MI[ni]STÉRIO da Igualdade

«Há erosão nas palavras. [?]
Há erosão acreditem
mesmo que na máscara
o não pareça.»
Nome Para Uma Casa, Fernando Namora.

1. Igualdade de quem?

A criação do Ministério da Igualdade ? anunciada como a inovação do 14º governo constitucional 1 ? gerou um inusitado consenso entre analistas, comentadores, jornalistas e políticos da oposição (de direita, pois a de esquerda ficou "entalada" com a designação atribuída ao dito 2). O governo, à falta de novidades substantivas, nas políticas e nos agentes responsáveis pelas diferentes pastas, viu-se atacado mais na forma que no conteúdo: todos zurziram na sua estrutura interna (assumidamente piramidal, pois isso do "par inter pares" foi chão que já deu uvas), com ministros coordenadores em super-ministérios a gerirem colegas, de outra divisão, os simplesmente ministros em mini-stérios sem direito sequer a secretário de estado; nesta categoria se inclui o novel Ministério da Igualdade e sua ministra 3, os bombos da festa desta rentrée governativa. Qual o conteúdo dum ministério com esta designação? De que se irá ocupar? Pretende-se a igualdade de quem? As dúvidas e interrogações eram tantas e os esclarecimentos tão escassos que logo foi apodado de "Mistério da Igualdade". Só com a divulgação do Programa e da Lei Orgânica do Governo, o mistério se começou a desvendar: no primeiro diz-se que esta medida é «decorrente da vontade e compromisso de valorizar a política de igualdade entre homens e mulheres [ah! cá está! 4], a qual se define como política transversal no programa do Governo [entenda-se, querendo estar em todo lado, não está em lado nenhum]» e no segundo pode ler-se que «o Ministro da Igualdade exerce os poderes que lhe forem delegados pela Presidência do Conselho de Ministros ou pelo 1º Ministro». Ou seja, ainda não se sabe quais são, logo se verá, no decorrer do processo de "diálogo e concertação"; para já sabe-se o que não fará: Mª de Belém não estará presente no conselho de coordenação das políticas sociais (!), lugar reservado apenas aos Ministérios do Trabalho e Solidariedade Social, da Educação e da Saúde.
A designação deste ministério seria adequada se fosse uma espécie de guarda-chuva institucional onde se acolheriam uns tantos "quintais" pro-igualitários como o Alto Comissário para Imigração e Minorias, o Entreculturas, o Secretariado Nacional de Reabilitação, a Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM) e a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), alguns deles a funcionarem já na Presidência do Conselho de Ministros. Mas não foi uma visão ampla da igualdade que prevaleceu, o que implicaria a inclusão das problemáticas relativas às minorias étnico-culturais, aos deficientes, à pobreza e à exclusão social. Nada disso, optou-se pela posição minimalista e circunscreveu-se a igualdade às questões do género.

2. "Chá e sorrisos" para "doentes" sociais

Mas o problema não está só no âmbito do Ministério mas principalmente na escolha da Ministra que o irá tutelar. Figura gasta e desacreditada no pelouro da Saúde do anterior Executivo. Na primeira fase do seu mandato, com sorrisos e simpatia, ainda conseguiu ser a ministra mais popular do governo, mas quando começaram a vir à tona de água os problemas ? listas de espera, greves de médicos e enfermeiros, e em especial, o avolumar do déficit (que obrigou agora a entrada duma ex-secretária de estado do Orçamento para tratar não da saúde mas das contas) ? foi um trambolhão no barómetro? E quando se esperava a sua saída pela esquerda baixa, ei-la numa área onde a questão do dinheiro não se põe, mas onde Mª de Belém não tem história, pensamento ou acção que se lhe conheça. Depois de ter andado a distribuir "chá e sorrisos" pelos hospitais, vem agora ensaiar a mesma receita noutros "doentes", os sociais: negros, ciganos e mulheres maltratadas. E assim estamos confrontados com uma ideia (aparentemente) fresca e inovadora servida por uma figura requentada.
Se fosse Helena Roseta, Joana de Barros (ex-Alta Comissária para as questões da promoção da Igualdade e da Família, em tirocínio, frustrado, para ministra, durante os últimos quatro anos) ou Pedro Bacelar de Vasconcelos (caso o ministério fosse de tipo abrangente, preocupado com todos os grupos sociais carenciados desse direito fundamental que é a igualdade) o designado para o pelouro da Igualdade não seriam outras as reacções dos líderes de opinião e da população 5 ? Estamos em crer que sim.
No entanto, há que dar o benefício da dúvida. À Ministra da Igualdade cabe demonstrar-nos que não sucederá ao seu ministério o mesmo que se passou com o da Qualidade de Vida de Francisco de Sousa Tavares, onde nem a estatura do ministro chegou para frutificar a ideia, que ali nasceu e ali morreu. Se quer mostrar que não é "a cereja do bolo", tem de convencer os portugueses da sua utilidade político-social e ganhar credibilidade nesta pasta. Para isso, sugere-se que Mª de Belém apresente, de imediato, uma recomendação dirigida ao interior do seu próprio governo: o Ministério da Igualdade, face à manifesta assimetria na composição do governo socialista 6, em termos de género ? onde há apenas três ministras (Manuela Arcanjo, Elisa Ferreira e Mª de Belém) e três secretárias de estado (Ana Benavente, na Educação 7, Leonor Coutinho, na Habitação, e Catarina Vaz Pinto, na Cultura) em 59 membros ? recomenda a dissolução imediata do Executivo.

Luís Souta
CIOE/ESE de Setúbal

Notas

1 Finalmente, a trilogia emancipadora, decorrente da revolução francesa ? liberdade, igualdade, fraternidade ?, tem, em Portugal, a sua tradução em ministérios governamentais. É possível inferir que, se Guterres fosse primeiro-ministro no PREC pós-25 de Abril, teríamos, com certeza, um Ministério da Liberdade.
2 Sendo a igualdade a sua bandeira histórica (que ainda reivindica), e um dos poucos traços distintivos no leque partidário do "grande centro" deste fim de século, a esquerda (PC, BE e afins) não podia, em princípio, objectar (e só não aplaudiu porque a sua cultura de oposição tal não lhe recomenda).
3 Como ela própria o reconheceu, numa polémica confissão à RR, o seu ministério «não é propriamente um ministério». Estamos de acordo, quanto muito podemos dizer que se trata de um ministério meia-leca.
4 Então seria mais adequado chamar-lhe Ministério das Mulheres.
5 Num inquérito promovido pelo Público on-line em que responderam, até ao momento, 3138 leitores, 77,3 % não concorda com a criação deste ministério.
6 Mais grave ainda, tratando-se dos mesmos que quiseram fazer aprovar a lei das "quotas".
7 Uma Secretaria de Estado que perdeu a "Inovação": ter-se-á esgotado o gás inovador no anterior mandato?


  
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Edição:

N.º 86
Ano 8, Dezembro 1999

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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