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Que Instrumento é Este?

Durante o mês de Agosto e com um intervalo de pouco mais de uma semana fui solicitado a integrar o júri de dois concursos de "bandas". Destinavam-se esses concursos a apurar uma "banda" de entre as concorrentes para representarem o respectivo distrito numa muito conhecida festa nacional que se vai realizar nos inícios de Setembro.
Bem, que vou eu escrever a seguir? Pus-me a pensar e eis o resultado dos meus pensamentos: será moralismo o que eu vou dizer? Será misantropia? Ideologia? Talvez teoria a mais... Mas, olhe, aí vai disto.
O que eu vi e ouvi foram onze grupos de jovens (alguns mesmo muito jovens) em palco a tocarem géneros musicais a que dão nomes como "Black Metal" "Heavy Metal" "Hard-rock", etc. Dos onze grupos (era doze mas um não compareceu) nove tinham reportório em inglês e apenas dois cantaram em português; tecnicamente eram muito fracos (apenas o guitarrista de um dos grupos mostrou uma técnica a raiar a virtuosidade - há coisas assim!); o vocalista de um dos grupos, pelo menos apresentando-se como tal, não chegou propriamente a cantar em nenhuma das três composições apresentadas; o vocalista de um dos grupos apurados por vezes cantava frases inteiras fora do tom; quanto ao som, quer pela opção do género musical, por exemplo Heavy Metal, quer pelas opções do técnico da mesa, confundia-se várias vezes com barulho.
Bem, mas esta descrição não é sequer para mim o essencial. O essencial é a aceitação tácita do muito público jovem presente. Falando com alguns deles, pude concluir que estamos perante um fenómeno generalizado. Quer dizer, em vez de estar ali 11 grupos podiam estar 110 e todos à volta do mesmo género musical.
Será verdade? Estamos perante um fenómeno, isto é, haverá por esse país fora centenas de grupos como estes? Já ouvi falar de "bandas de garagem". Será isto?
Volto às minhas interrogações de há pouco: afinal, que interessa? Deixá-los andar que não fazem mal a ninguém. Para que estou eu aqui a teorizar?
Não sei. Pensava eu há muitos anos atrás que no que respeita à música (nesta matéria, como se diz agora) existe no nosso país uma situação equívoca, um mal entendido de base. E continuo a pensar. E a questão é que ao fazer parte daquele júri, ao assistir àqueles espectáculos, não deixei de pensar. Que equívoco é este? São situações difíceis de exprimir. É sempre difícil fazer o figurino de um mal entendido. Mas eis algumas dessas situações:
- há alguns anos, uma conhecida locutora de televisão, recentemente caída em desgraça, anunciava no Telejornal o início dos "concertos de Beirute" (quase ao mesmo tempo, uma outra locutora, a tal de boca grande e alma pequena anunciava com o sorriso mais escancarado do mundo uma tragédia de várias centenas de mortos - mas considere esta uma bola fora);
- muito recentemente, ainda há menos de um ano a agenda musical de um prestigiado jornal (que faz questão de dizer que é prestigiado) anunciava um concerto de flauta de Bizet!
- num número anterior de A Página dei conta de outros exemplos que não vale a pena aqui descrever.
E para finalizar, vou contar-lhe, caro leitor, uma história que nunca contei: há muitos muitos anos, era eu um candidato a instrumentista de Jazz; um belo dia estava no ensaio a estrebuchar com um clarinete e eis senão quando entra na sala de ensaios o nosso pai espiritual, universitário, crítico de Jazz e que tinha já escrito um livro em que analisava todas as correntes do Jazz bem com os músicos com os quais de correspondia. Foi então, que no meio daquele infernal ensaio (estávamos a tocar free-jazz, imagine, free-jazz!) o nosso pai espiritual de dedo em riste se dirigiu a mim (que fiquei em pânico - sempre tinha 21 aninhos) e me perguntou: - que instrumento é este?
Lembra-se, caro leitor, daquele conhecido político que há poucos anos se referia a certos concertos de violino...?
Fico-me por aqui. Mas, caro leitor, faça como eu: ponha-se a pensar que não faz nada mal à cabeça...

Guilhermino Monteiro
Escola Secundária José Macedo Fragateiro - Ovar


  
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Edição:

N.º 83
Ano 8, Setembro 1999

Autoria:

Guilhermino Monteiro
Escola Secundária do Castêlo da Maia
Guilhermino Monteiro
Escola Secundária do Castêlo da Maia

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