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Um Negócio Chamado Educação

Adesão às estratégias de mercado fazem do ensino uma das mais lucrativas atividades do momento
O mercado educacional brasileiro vem crescendo mais rapidamente que o Produto Interno Bruto (PIB), segundo revelou um levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo, com base em dados do MEC e do IBGE. Enquanto de 91 a 97 o PIB cresceu 22,6%, os serviços educacionais evoluíram 24,5% no ensino médio e 24,2% no superior, já representando 1% do PIB.
A mesma tendência se observa nos Estados Unidos, onde um relatório da Merril Lynch aponta a educação como um dos negócios mais promissores do momento. Só no ano passado, as escolas norte-americanas registraram uma renda de US$ 70 bilhões e devem atingir US$ 100 bilhões até 2001. O aquecimento desse mercado vem atraindo, cada vez mais, as grandes corporações. A Microsoft, por exemplo, já destina ao mercado educacional de 5% a 10% de tudo o que vende. No Brasil, as instituições que oferecem ensino fundamental, médio e cursos específicos de língua movimentam R$ 3,6 bilhões anuais, segundo cálculos da Promofair, empresa organizadora da Educar - feira de produtos e serviços que negociou R$ 120 milhões, de 19 a 22 de Maio último, em São Paulo. Dados da UNESCO revelam que 5,7 milhões de brasileiros trabalham hoje em alguma área ligada à educação.
A pesquisa do Estadão mostra ainda a concentração de um grande número de escolas nas mãos de cinco grandes grupos educacionais: Objetivo, Positivo, Pitágoras, COC e Pueri Domus. Eles concentram 20,4% dos alunos do ensino fundamental e médio da rede privada, o que significa mais de 1 milhão de pessoas.
Só o Objetivo, que começou em 1965 preparando alunos para o vestibular, detém hoje 430 mil alunos, distribuídos por 44 escolas do grupo e mais 368 conveniadas. O Positivo, que também começou como pré-vestibular e o grupo que mais vende material didático no país. Tem 1.534 escolas conveniadas e faturou cerca de R$ 240 milhões no ano passado.

Franquia Educacional

O crescimento desses grupos vem ocorrendo via parcerias com escolas que funcionam como franquias, em que a matriz vende seu sistema de ensino, livros didáticos, sistema de informática e "software". Isso reduz custos para as escolas, já que são os pais dos alunos que adquirem o material didático.
Além disso, quando o colégio passa a integrar uma rede, seu corpo docente ganha treinamento grátis pare usar o material e capacitar-se. O grupo paulista Pueri Domus, que tem 94 escolas conveniadas, ofereceu, nos últimos cinco anos, 399 cursos de capacitação e 28 de formação continuada para seus professores e para os 4,5 mil da rede conveniada.
Para o atendimento das redes de escolas, os grupos têm editora, gráfica e, em alguns casos, até confecções. O Pueri Domus vai além: tem uma agenda de viagens para intercâmbio de adolescentes. O faturamento com essas parcerias, em alguns casos, supera o obtido com os serviços educacionais.
Já o ensino fundamental, de 91 a 97, cresceu apenas 1%, tendência detectada pelo censo escolar do MEC que apontava a migração para a rede pública em razão da crise econômica. Quanto ao ensino médio, as famílias optam pela escola particular, pensando no vestibular

Faltam recursos

Na avaliação do presidente do Sindicato Nacional das Associações de Docentes (Andes), professor Renato de Oliveira, esse cenário "reforça a posição de que é necessário e urgente desenvolver mecanismos de controlo público sobre a rede privada de ensino". O aumento desordenado do ensino privado, aproveitando a falência da política estatal, corre o risco de gerar um fenómeno semelhante ao que ocorreu com a assistência à saúde da população nos anos 70 e 80, quando a área privada de assistência médico hospitalar inviabilizou o desenvolvimento de política públicas pela capacidade de interferência direta nos mecanismos estatais responsáveis pela saúde pública. "O mesmo pode estar acontecendo na área educacional', observa o presidente da Andes.
Já o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), professor Rodolfo Pinto da Luz, lembra que os investimentos públicos são insuficientes pare atender, com qualidade, a grande demanda na área de ensino. "Temos que lutar para que os recursos públicos sejam ampliados". O professor lamenta que grande parte desses recursos se destinem ao pagamento das dívidas interna e externa, enquanto a demanda por educação se torna cada vez mais intensa e menos assistida pelo poder público.
Embora o poder público ainda responda por 85% de todo o ensino ministrado no país, entidades representativas do sector, professores e alunos tem questionado sua qualidade e, principalmente, o pequeno volume de recursos a ele destinado.

Marcha pela educação

Enquanto o ensino privado cresce mais que o PIB, ao ensino público vem sendo destinada uma fatia cada vez menor do Orçamento da União. Diante desse quadro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a maior rede sindical do Brasil, lançou, em maio último, a Marcha Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública.
A iniciativa, que começou com atos na Rampa do Congresso Nacional e no Espaço Cultural da Câmara dos Deputados, em 19 de maio, se estenderá a todos os estados brasileiros culminando com uma grande manifestação no dia 6 de outubro, em Brasília.
As principais reivindicações do movimento são: elevar de 3% para 10% do PIB nacional os recursos destinados à educação em todos os níveis e modalidades, a erradicação do analfabetismo, a garantia de vagas para todos nas escolas públicas, a gestão democrática nas escolas públicas, a realização de novo censo escolar e a garantia de emprego para todos os trabalhadores.
Mais que isso, a marcha surgiu para desnudar ao país a realidade das escolas públicas: a falta de recursos para desenvolver uma educação de qualidade, as condições precárias de trabalho, os baixos salários, o fechamento das escolas técnicas e a crescente privatização da educação no Brasil, entre outros pontos.

A EDUCACAO PÚBLICA É RESPONSÁVEL POR 85,5% DO ENSINO NO BRASIL

Matrículas por nível de ensino no Brasil em 1999

 

Nível de ensinoMat.TotalRede Púb.Rede Púb.%
Pré-escola4.110.4483.121.36875,9%
Classes de Alfabetização807.171550.83768,2%
Ensino Fund. 1° a 4° série21.377.13019.562.11091,5%
Ensino Fund. 5° a 8° série14.461.24212.818.01089,1%
Ensino Médio6.967.9055.740.61182,4%
Educação Especial (1)293153137.20146,8%
Educação de Jovens e Adultos2.881.2312.516.69087,3%
Ensino Superior (2)2.085.120818.60639,3%
Somo de todos os níveis52.983.40045.325.43385,5%

Fonte: Informandes ANDES/SN

Nota 1 - Número de alunos portadores de necessidades especiais que recebem atendimento especializado em escolas exclusivamente especializadas ou em classes especiais de escola regular, não inclui os portadores de necessidades especiais integrados ao ensino regular.

Nota 2 - Dados estimados para a ano de 1998.

jornal Adverso (Porto Alegre/Brasil) / a Página


  
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Edição:

N.º 83
Ano 8, Setembro 1999

Autoria:

Andes-SN

Andes-SN

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