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Um Mestre pelo Exemplo
Presciente, armando castro, o mestre, apercebeu-se daquela mensagem do episódio de "Mac Gyver" (será assim que se escreve?) em que o herói procura o tesouro da Atlântida e, depois de muitas peripécias, acaba a descobrir um baú repleto de velhos alfarrábios, concluindo que o conhecimento é o maior dos tesouros e, sou eu agora que o digo, armando castro assim atingiu a transcendência que faz dele, mais do que um cidadão do mundo, um ser planetário do cosmos pelo qual ele tanto se interessou.
Mestre, armando castro fez todo o seu percurso de vida e vai continuar a fazê-lo de outra forma a partir de agora espalhando à sua volta o conhecimento que estudava, transmitindo-o e procurando motivar tudo e todos para essa encantatória característica humana que é o pensamento.
Aliando uma imensa sabedoria e inteligência a um pensamento profundamente rigoroso e dialéctico, armando castro pagou caro até ao 25 de Abril a sua postura de íntegra verticalidade, foi reconhecido e amado durante o processo revolucionário, mas com uma postura de sempre de total identificação com esse luminoso 25 de Abril e os seus ideais, sofreu o apagamento a que foram votados esses ideais durante o neo-liberalismo que, no nosso país se identifica com o consulado cavaquista.
A mim, que me orgulho de ser sua sobrinha e filha ideológica, quantas vezes, já debilitado, me falou do absurdo e dramático silenciamento e tentativa de apagamento do pensamento marxista nas universidades.
O meu contacto muito estreito com este ser até à altura em que me apercebi de que já não estaria nas minhas mãos fazer mais por ele, permitiu-me aperceber-me da sua inquietação, face à implosão do socialismo real, na procura de novos caminhos para a felicidade humana. Uma das características políticas que armando castro achava determinante era a do aprofundamento da democracia, de forma a não permitir anquiloses no poder. Outra vertente que ele não pôde aprofundar mas que admitia ser uma vertente essencial no presente e no futuro era a ecologia como uma necessidade tão forte que obstaculizasse a recuperação do capitalismo.
A mim concedeu as suas duas últimas entrevistas e fui intermediária nas suas duas últimas publicações. Essas entrevistas foram publicadas em "a página" (na sequência desta também o 'Correio Pedagógico' lhe telefonou e publicou algumas respostas suas) e no número zero dos "cadernos do caos" de que, aliás, armando castro é sócio fundador.
Para a Seara Nova enviei, a seu pedido, um texto intitulado "o que é ser de esquerda hoje" numa altura em que se pretendia que não haveria esquerda nem direita. A pedido do escultor Carlos Dias estabeleci o contacto com armando castro que levou à publicação
do opúsculo "o pensamento económico de José Acúrsio das Neves".
Vários familiares mais jovens de armando castro, apesar de não serem formalmente seus alunos se motivaram para trabalhos académicos em função das conversas daquele que, em família, chamavamos de "sábio" .
Da fotografia ao cinema, da astronomia à biologia, da pedagogia à epistemologia, por tudo se interessou armando castro. Mas não se pense que se trata de um ser bisonho enfiado em alfarrábios. Se os estudava, aos livros, exaustivamente, era também um indivíduo alegre e bem disposto, com um enorme sentido de humor ( a este propósito recorde-se que compareceu no lançamento de um livro que em certa altura resolvi fazer numa festa de carnaval, com um enorme nariz vermelho de palhaço, fotografia de que me olha enquanto escrevo este texto). Muito amigo dos animais para além das pessoas, armando castro era uma pessoa muito organizada e didacticamente empresta
va-nos, a nós, crianças e jovens, todos os seus materiais com a condição de lhos devolvernos em boas condições. E de tal forma nos respeitava que lhe retribuiamos cumprindo as suas regras que não eram impostas, antes explicadas.
Sempre aberto ao novo e atento à História, profundamente optimista, armando castro continua conosco. No dia 18 de Julho completam-se 81 anos sobre o nascimento de Nelson Mandela e Armando Castro. Importa ainda acrescentar que foi o seu exemplo que me ajudou a suportar o desemprego como jornalista sem fazer quaisquer cedências aquando do encerramento de "o diário" na sequência do vendaval ideológico anticomunista.

Maria Eduarda Castro
Porto,26 de Junho de 1999


  
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Edição:

N.º 82
Ano 8, Julho 1999

Autoria:

Maria Eduarda Castro
Jornalista
Maria Eduarda Castro
Jornalista

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