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Portugal na Europa?

Durante os últimos anos habituei-me a acreditar que Portugal, embora pequeno e periférico, começava a ser um país como qualquer outro em questões europeias. Vi o país a evoluir, os níveis de educação a aumentar e a qualidade de vida a subir. Soube que os nossos ministros se iam batendo, lá em Bruxelas, por mais apoios para continuar a "desenvolver" o país. Nunca quis acreditar na visão pessimista de que só éramos - enquanto país- considerados como os coitadinhos lá do fundo que precisam de um dinheirinho para sobreviver com alguma dignidade, sem ficarmos demasiadamente longe das "performances" dos países do Norte. Tinha a noção de que, enquanto país pequeno e periférico, tínhamos o nosso próprio valor.
Durante os últimos meses li vários livros sobre as organizações de comunicação social. Interessa-me particularmente o caso da televisão, sobretudo na Europa. Passaram-me pelas mãos umas três ou quatro dezenas de publicações e eu nem queria acreditar quando tive que concluir que Portugal, só muito recentemente, começou a ter direito a umas pequeníssimas referências e, mesmo assim, em pouquíssimos livros. Mais grave: estas referências, desprovidas de qualque análise ou comentário, pecam não só por serem insuficientes, como também por serem deficientes. Não se percebe de onde vêm aquelas estatísticas. Não se entende como é que referem, por exemplo, determinados jornais, ignorando outros de maior tiragem e projecção nacional. Para ser assim, mais valia, de facto, não haver qualquer referência. Porque, assim, quem não sabe fica mal informado e quem sabe só tem duas alternativas: ou se diverte ou se irrita.
Que fique claro: não me incomoda que os investigadores europeus não analisem o caso português. Cada um está no direito de escolher a sua própria área de trabalho. Mas incomoda-me que organismos que se apresentam como autoridades de investigação dos Media na Europa actuem desta forma. Porque, supostamente, pretendem traçar um panorama geral e só o fazem parcialmente. Bem sei que o país é pequeno e que o fenómeno televisivo se desenvolve com alguns anos de atraso. Mas não é vergonha nenhuma, nem deixa de ter menos interesse por isso. Aliás, a televisão em Portugal tem tanto de interessante como a televisão de outros países.
Como se percebe, tenho orgulho em ser portugesa. Para desanuviar, aqui vão duas "descobertas" que fizeram inchar o meu "bairrismo nacional" em terras inglesas. Uma está numa esquina de Earls Court, no centro de Londres. É o Nando´s. Isso mesmo: o Nando´s! Imagine um restaurante de "fast-food" que, em vez de hamburguers, vende o verdadeiro frango no churrasco. Com batata frita e refrigerante, como convém num "fast-food". Mas também com a possibilidade de optar por uma salada com bom aspecto, por um "papo-seco" branquinho, pela água engarrafada na pátria lusa, pelo saboroso pastel de nata e pelo vinho nacional. É verdade: são produtos portugueses a fazer sucesso em Londres.
A minha segunda "descoberta" foi em Manchester. Imaginem que está a passear num enorme e elaborado centro comercial e que, debruçado sobre um varandim, vê lá ao fundo qualquer coisa de familair. Foi o que me aconteceu quando vi um painel azul e branco no Trafford Centre, em Manchester. Fui a correr para o andar de baixo e era mesmo um painel luso: está lá representada a Torre da Universidade de Coimbra e a assinatura do trabalho é obviamente de uma artista portuguesa. Olhei à minha volta e vi muitos outros painéis, de Aveiro, das vindimas e de tantas outras paisagens e cenas portuguesas.
Mas se o Nando´s se identifca claramente como uma "fast-food" portuguesa - tendo como símbolo o galo de Barcelos -, os painéis de azulejos do Trafford Centre não têm qualquer identificação. E, sendo assim, nem sequer me admirei que a pessoa que estava comigo nao quisesse acreditar no que eu dizia: por que carga de água haveria aquele trabalho de ser português? Mas é! E se, fora de Portugal, ninguém sabe o que se passa com a realidade dos Media portugueses, ao menos o Nando´s vai divulgando um pouco dos nossos produtos alimentares e o Trafford Centre vai mostrando, mesmo que discretamente, exemplares da nossa digna azulejaria… Porque nós temos o nosso próprio valor.

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester (U.K.)


  
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Edição:

N.º 80
Ano 8, Maio 1999

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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