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O meu fascínio pelo território educativo

Confesso que sinto um certo fascínio pelo tema "território educativo".
Como em todo o bom fascínio, não é fácil justificar as razões. Talvez a estranheza, a falta de propósito, a provocação semântica, a inocência reinventada…Uma certa mistura de todos estes ingredientes, dificilmente harmonizáveis entre si, podem contribuir para esse estado de espírito.
Porque em toda a sua já longa vida, a Escola nunca rimou com território. De quando em quando, uma voz no deserto, uma pedrada no charco (um Kershensteiner, um Dewey, um Freinet, um Paulo Freire) batiam com mais ou menos fragor no solo do território. Nenhum eco, porém, produziam…O território acabava logo ali, no limite das suas vozes, no desenho dos seus pés. E onde não há território, com mais ou menos variações e acidentes, não há eco. Imperava, pois, a pura extensão platiforrme e indistinguível…
Agora, não é assim. Agora, o território educativo tornou-se dominador, omnipresente, indispensável à identidade da Escola. O eco reboa e multiplica-se: chega a toda a parte. A ponto de a ninguém ser consentido ser cego à sua própria cegueira. Agora, tornámo-nos irremediavelmente lúcidos: reconhecemos o óbvio à custa de o ter negado.por ser demasiado óbvio. Durante longo tempo, a escola desconfiou do óbvio, como se receasse ser vítima de uma ilusão, a de que a educação pudesse ser feita a partir do território. A escola não era deste mundo, muito menos deste território...era, quando muito, duma pátria.
Agora, que se esfumam as fronteiras da pátria e muitas das referências da ciência normativa, cai-nos na mesa de trabalho esta evidência aterradora: ou o território ou o caos.
O território tornou-se, então, uma coisa preciosa para a escola, a sua última justificação e a sua bandeira de identidade. Porque o território oferece tudo aquilo de que a escola precisa para se reabilitar de séculos de inércia e de indiferença: a diversidade geo-cultural, a iniciativa local, a flexibilidade das soluções, o partenariado, o mecenato, em suma, o lugar para a imaginação, para o protagonismo e para a acção. Que falta agora para que a escola se cumpra integralmente?
Talvez se possa dizer que falta ainda definir o essencial, o que seja isso de território educativo, não propriamente o âmbito territorial coberto pela rede escolar local, mas o território como referência simbólica da acção, o espaço propriamente dito de intervenção pedagógica, esse espaço sem fronteiras que agora temos pela frente a partir do momento em que o espaço escolar é substituído pelo educativo. Esta substituição do escolar pelo educativo parece uma coisa de somenos importância e, todavia, reside aí o principal quebra-cabeças do território educativo. Porque, a menos que o legislador do território educativo estivesse distraído, esta substituição não é inocente. Ela visa, claramente, ampliar a acção da escola para limites que já não são escolares, isto é, para domínios onde a acção já não é controlável por referências a comportamentos tipificados como pertinentemente escolares. E se assim é, a institucionalização do território educativo, em vez de tornar a acção pedagógica mais directa e mais centrada sobre a realidade imediata, faz da realidade imediata uma realidade bem mais complexa e difusa que aquela que se identificava com a realidade escolar nacional, definida por planos de estudo, programas, sistema de classificações e regulamentos disciplinares centralizados.
Esta deslocação de fronteiras do domínio escolar para o domínio educativo afecta, obviamente, a definição do que é escolar e não-escolar, sem que, entretanto, esclareça muito o que é o domínio do educativo e o do não-educativo. A partir daqui, a conflitualidade é insanável e a solução está em fazer parte do problema.
Se calhar, a escola teria alguma razão para contrariar o óbvio…

Manuel Matos
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
Universidade do Porto


  
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Edição:

N.º 75
Ano 7, Dezembro 1998

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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