Página  >  Edições  >  N.º 75  >  Luís Soares em entrevista a "a Página"

Luís Soares em entrevista a "a Página"
Ensino Superior Politécnico é diferente mas não inferior
Em Portugal, como na Europa ou noutras paragens (...) a massificação do Superior levanta muitos problemas (...)
Luís Soares, "reitor" dos Politécnicos, a "a Página" (...) as instituições são conservadoras por natureza (...)
 
Luís Soares é engenheiro químico. Licenciado pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, doutorou-se em Inglaterra. Leva cerca de 33 anos no Ensino Superior, tendo começado como assistente extraordinário no departamento de Química da Faculdade de Ciências. Na Universidade de Luanda, teve a seu cargo o lançamento dos cursos de Engenharia Química. Com o 25 de Abril de 1974 regressou a Portugal e integrou a comissão instaladora da Universidade do Minho (a cujo quadro ainda pertence). Posteriormente, presidiu à comissão instaladora da Escola Superior de Educação de Faro e regressou ao Porto, ocupando a presidência do Instituto Politécnico a partir de 1985. Desde há dois anos, preside, também, ao Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos.

P- Como é que surgiu e que papel desempenha o Ensino Superior Politécnico no sistema educativo português?

R - O Ensino Politécnico é relativamente recente em termos de Ensino Superior, tendo sido criado por decisão governamental com base em estudos conduzidos por especialistas do Banco Mundial, no âmbito de um programa para a educação desenvolvido por volta de 1977. Começou por ter um cariz de ensino superior de curta duração, mas, ainda o sistema não estava a funcionar, houve uma alteração na sua lógica, mudando a designação para Ensino Superior Politécnico.
Aí, a questão da curta duração deixou de se colocar, embora, numa primeira fase, os cursos fossem de três anos (bacharelato). Com a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo [LBSE], os politécnicos passaram a poder oferecer cursos de estudos superiores especializados [CESE], equivalentes à licenciatura, e, mais recentemente, a última alteração à LBSE acabou com os CESE e permite que o Ensino Superior Politécnico ofereça cursos de bacharelato e licenciatura.

P- Isso representa uma profunda alteração da sua filosofia.

R - É uma alteração ao nível da filosofia, mas não ao nível da prática.
A perspectiva actual é diferente, na medida em que se pretendem duas vias distintas, mas não limitadas, embora continuem a existir limitações - o Politécnico só confere bacharelatos e licenciaturas, enquanto a Universidade pode conferir mestrados e doutoramentos.
A lógica que, neste momento, subjaz ao Ensino Superior Politécnico aponta para uma via diferente de formação, que não um caminho mais curto ou sem saída, como aconteceu numa determinada fase, dando do Ensino Politécnico uma certa imagem de segunda categoria, que, efectivamente, em muitas áreas, já não corresponde à realidade.
Ora bem, neste momento, a lógica do Ensino Politécnico é a de um ensino organizado para permitir uma inserção mais rápida no mercado de trabalho.

P - O que reflecte uma orientação mais profissionalizante...

R - Obviamente, todo o ensino superior tem que ter, também, aquilo a que chamamos uma formação fundamentante, mas o peso relativo das formações profissionalizante e fundamentante é diferente nos ensinos politécnico e universitário. Portanto, a lógica é diferenciar pelos modelos de formação e não pela duração dos cursos.
Por outro lado, o ensino politécnico surgiu na altura em que se começou a colocar o problema da massificação/diversificação e numa base de regionalização do Ensino Superior. É evidente que o ensino superior forma para todo o país, mas o politécnico tem uma vertente que o distingue das universidades - talvez não das universidades novas, porque essas, no fundo, têm algumas características do ensino superior politécnico -, que é a sua inserção nas regiões onde está instalado.
Essa inserção tem muito a ver com os cursos que organiza e com as respostas de que a sociedade envolvente necessita em termos das áreas prioritárias para essas regiões. Daí que a nossa preocupação não seja apenas o perfil da formação que fazemos, mas também a capacidade de actuar em termos do desenvolvimento regional. E isso passa por detectar carências existentes nas regiões, fazer formação em áreas úteis para essa região e funcionar como pólo de fixação de quadros nas próprias regiões.

P - Ao fim de todos estes anos de Ensino Superior Politécnico, que balanço se pode fazer? Quais são os marcos mais significativos? E, naturalmente, também haverá alguns desaires...

R - [Risos] Ora bem, neste aspecto, talvez seja melhor referir concretamente o caso do Porto. O Politécnico do Porto começou com duas escolas e cerca de 600 alunos. Neste momento, tem 13 mil alunos, mas, com a previsível integração das escolas de enfermagem e de tecnologia de saúde, de acordo com a última resolução do Conselho de Ministros, e com a criação de uma escola de tecnologia e gestão no Vale do Sousa, vai atingir muito rapidamente os 17-19 mil alunos. Isto mostra que em 10 anos se verificou um crescimento extraordinariamente acelerado, o que levanta alguns problemas, nomeadamente quanto à formação de pessoal docente, que é demorada.
Mas a grande dificuldade do Ensino Politécnico continua a ser uma questão de imagem. Embora os pressupostos com que foi lançado sejam completamente diferentes dos actuais, continua a ser necessário um grande esforço para mostrar que, sendo diferente, o ensino politécnico não é inferior ao que se faz nas universidades. Neste aspecto, a última alteração da LBSE é vantajosa, porque, simbolicamente, pode ajudar à construção de uma imagem diferente; porque a questão é menos uma questão prática e mais uma questão simbólica - agora, as pessoas sabem que podem tirar a licenciatura aqui ou ali, optando em função do tipo de cursos, do plano de estudos, etc.
Por outro lado, e embora lá fora se diga que o que se pretende são competências, o que se passa na indústria é decalcado do que acontece na Função Pública, onde quem tiver um bacharelato tem limitações e quem tiver licenciatura não as tem. Isto continua a acontecer, muito embora, em algumas escolas, o nosso problema seja a empregabilidade dos bacharéis, que, depois, vêm completar a licenciatura como trabalhadores. Isto é bom, porque mostra que os bacharéis têm mercado de emprego, mas levanta-nos muitas dificuldades na organização dos anos terminais. No entanto, ao nível das empresas, continuam a existir diferenças salariais entre bacharéis e licenciados, o que não acontece em países como, por exemplo, a Alemanha ou a Holanda, onde as pessoas são pagas pela função e não pelo diploma de que são portadoras.
Finalmente, e apesar da alteração da LBSE, ainda nos confrontamos com diferenças significativas ao nível do grau de autonomia dos politécnicos e das universidades. Nós temos consciência de que este é um processo gradual, mas tem reflexos no financiamento das instituições em termos de orçamento de funcionamento - se fizermos uma análise comparativa, verificamos que o custo médio por aluno do politécnico é mais baixo do que o das universidades.

P - Voltando um pouco atrás - o crescimento acelerado dos politécnicos não tem tido impactos negativos, nomeadamente quanto à qualidade do ensino?

R - O crescimento tem levantado, de facto, algumas dificuldades na gestão de pessoal, mas este é um problema genérico que resulta da massificação do Ensino Superior. É um problema que se coloca em todo o mundo, nomeadamente na Europa, porque uma massificação do Ensino Superior implica um crescimento muito rápido em termos orçamentais, e os Estados têm as suas limitações em termos do financiamento que podem fazer às instituições.
Por outro lado, os modelos de ensino têm que ser alterados, porque uma coisa é trabalhar com turmas de 15 alunos e outra é trabalhar com 80 ou 90. Portanto, a massificação veio levantar, também, a questão - ainda em aberto por essa Europa fora - de avaliar quais as mudanças necessárias a nível dos métodos de ensino.
Até porque este fenómeno acabou por desencadear um outro problema. É que, enquanto não houve esta massificação, a coorte de alunos que o Ensino Superior recebia era uma coorte de padrões elevados, ao passo que, actualmente, todas as instituições de Ensino Superior, politécnicas ou universitárias, estão sujeitas a receber alunos de uma gama muito mais alargada em termos de conhecimentos e capacidades. E isso levanta problemas de adequação, nomeadamente àqueles que estão nas gamas média ou baixa.

P - E como é que o mercado de trabalho tem reagido à formação ministrada pelos politécnicos?

R - Neste momento não há dados fidedignos. A informação de que dispomos - no Porto, concretamente - resulta de um inquérito lançado aos diplomados, seis meses após a conclusão da formação, mas temos algumas dúvidas sobre a sua fiabilidade.
O inquérito foi enviado com resposta paga, mas o número de respostas foi relativamente pequeno. Depois, fizemos uma sondagem aos que não responderam e a grande maioria disse que não o fez porque já estavam empregados e achavam que não tinha interesse, enquanto outros tinham mudado de residência.
Entre os que responderam, a taxa de empregabilidade é muito elevada, nomeadamente na área das engenharias. Inversamente, nos cursos da área da gestão começa a haver dificuldades, com taxas de desemprego relativamente elevadas.
A nível das associações empresariais, a reacção que temos tido é positiva, quer quanto aos bacharelatos, quer quanto aos bacharelatos mais CESE, ou seja, licenciatura.

P - Há algum relação protocolar entre os politécnicos e as empresas para a realização de estágios?

R - Varia de curso para curso. Um dos problemas da massificação reflecte-se nos estágios, porque, quando o número de alunos num curso é reduzido, é fácil ter estágios integrados no plano curricular. Nos cursos de maior dimensão, o estágio é optativo e os alunos podem candidatar-se a uma bolsa de estágios.
A procura costuma ser grande, mas a dificuldade que encontramos é que, muitas vezes, por o estágio ser optativo, o aluno arranja emprego e não o termina. O que, por um lado, é positivo, porque significa que há procura, mas, por outro, é negativo, porque dificulta a organização dos estágios e da empresa que os oferece.

P - Terminados os estágios, as empresas que os oferecem integram os estagiários nos seus quadros?

R - Normalmente, isso acontece. Mas depende. As empresas de pequena dimensão admitem um número pequeno de estagiários, com vista a integra-los se eles satisfizerem; as de maior dimensão recebem um leque muito grande de estagiários para, posteriormente, seleccionarem os melhores - para as grandes empresas é, obviamente, uma saudável política de selecção de pessoal; para os estudantes, nem tanto.

P - Falando, agora, especificamente das escolas superiores de educação [ESE], a alteração da LBSE, consagrando a licenciatura como grau académico de habilitação profissional para a docência, trouxe alguma mudança significativa ou...

R - Ora bem, o processo de adaptação da formação de professores tem de ser conduzido com alguma cautela. Ela afecta não só as escolas de educação, como as universidades e o ensino superior privado, porque as regras de formação têm de ser as mesmas para todos os sectores.
Para já, foi criado o Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores [INAFOP]. Penso que é a alteração mais significativa, na medida em que as instituições podem oferecer os cursos que quiserem, embora haja aqui uma diferença entre universidades e politécnicos. Nós temos de ter uma aprovação prévia do Ministério da Educação, enquanto as universidades criam os cursos e o ministério pode recusar, ou não, o seu registo - se os regista, financia; se não, não financia. No caso do Politécnico, não podemos criar os cursos; é o ministério que os cria por portaria. De qualquer maneira, para serem considerados cursos de habilitação profissional, todos eles terão de ser acreditados pelo INAFOP, que ainda não está em funcionamento.

Entretanto, já está em discussão um segundo diploma que definirá as regras para a acreditação, quais os procedimentos e que decisões podem ser tomadas e a que nível; sabe-se que as acreditações serão renovadas periodicamente, dependendo da avaliação do pessoal docente, do currículo, dos conteúdos e da adequação dos cursos às necessidades do sistema educativo. Existe uma outra proposta que ainda não está em discussão, mas que define um conjunto de regras para as instituições, em termos de organização; claro que não vai dizer qual é o currículo, mas, em termos dos grandes parâmetros, vai definir os valores máximos e mínimos das várias componentes de formação que os cursos devem ter para os diferentes níveis de ensino.
Portanto, só depois de toda esta estrutura estar definida é que as escolas poderão fazer alterações, porque não faz sentido estar a alterar hoje e amanhã vir o INAFOP dizer que os cursos devem obedecer a outros determinados parâmetros. Ou seja, estamos numa fase de construir a estrutura organizativa que permitirá pôr em prática o sistema de acreditação e introduzir os parâmetros a que os cursos devem obedecer.

P - E nesta fase intermédia, como é que as coisas se processam?

R - Mantêm-se em vigor os cursos que já eram de licenciatura e, para o 1º Ciclo e educadores de infância, fez-se uma reconversão dos cursos que eram de bacharelato - neste caso, era necessário fazê-lo por força da própria LBSE.

P - A nível curricular, quais são as alterações mais profundas?

R - Há algumas alterações, mas... Há algum aprofundamento de matérias em certas áreas, mas depende, até porque, a nível da formação de professores do 1º Ciclo e dos educadores de infância, não houve grandes evoluções científicas em termos da pedagogia e das competências básicas: leitura, escrita, matemática. No que diz respeito aos outros cursos, aguarda-se o seu enquadramento legal para, depois, se proceder à reformulação dos planos curriculares.

P - Quanto à possibilidade de as ESE fazerem formação de professores para o 3º Ciclo...

R - Veja: nós somos um país um bocado estranho, porque temos uma LBSE genericamente bem construída, que aponta para uma escolaridade básica de nove anos, mas nunca fomos capazes de a cumprir, por força do corporativismo do sistema. Porque, no 2º e 3º ciclos, temos pessoas formadas basicamente com o perfil do Ensino Secundário e continuamos a não pensar a filosofia do Ensino Básico.
Por exemplo, a LBSE aponta para que os alunos não transitem da monodocência para um regime de professor por disciplina, mas, a nível do 2º Ciclo, nunca se conseguiu deixar de fazer um ensino por disciplina. E isto acontece porque os professores sempre tiveram formação disciplinar; em consequência, quando se fala em áreas de conhecimento e em integração de conhecimentos, logo se levantam dificuldades.
Fala-se muito, e desde há muito tempo, na necessidade de interdisciplinaridade e pluridisciplinaridade, mas isso são chavões da pedagogia. Na prática, nada acontece, porque as pessoas têm um quadro mental disciplinar; os professores que, ao longo dos anos, foram sendo formados e integrados no sistema são professores de disciplina.

P - Mas a própria organização das escolas...

R - O problema da organização das escolas tem que ver, fundamentalmente, com...
Eu não acredito em reformas do sistema que não comecem pelos professores. E aquilo que se tem verificado na maior parte das reformas que temos sofrido, é que os professores, porque têm um determinado tipo de formação - e isto não é uma acusação aos professores -, fazem uma leitura da reforma condicionada pelo quadro disciplinar em que foram formados. Portanto, rapidamente a adaptam à estrutura disciplinar, o que no, fundo, subverte a reforma que se pretende. Isto continua a manter-se, e eu vejo muita dificuldade em ultrapassar esta barreira, que outros países há muito ultrapassaram.
O problema é que uma reforma só é possível se houver acções de formação para esses professores que estão no sistema. Isto é, um professor formado em Biologia terá bases de Física e Química, mas há áreas em que não tem formação; portanto, haveria que dar-lhe essa formação, no sentido de alargar o espectro da sua actividade. No fundo, o que era preciso era transformar os professores de disciplina em professores de área e, obviamente, fazer com que os novos fossem já professores de área.
Mas o que se verifica é que essas acções não foram feitas e, por outro lado, a formação de professores para o 2º Ciclo - uma das reivindicações das universidades conseguida em termos da LBSE - continua a ser feita à margem do espírito da LBSE. Ou seja, continuaram a fazer-se cursos disciplinares para o 2º Ciclo e, por isso, não só não reconvertemos os professores que estão no sistema, como continuamos a lançar pessoas com outra filosofia.
A continuarmos assim, como é possível introduzir uma filosofia de ensino por áreas disciplinares?

P - Está a sugerir que também é preciso reformar as universidades?

R - Que as universidades - e os politécnicos - possam fazer os cursos que entendam, se têm alunos e se os alunos têm mercado, é uma questão. Outra questão é que, no ensino, o Estado tem o duplo estatuto de formador e empregador. E raramente assume o papel de empregador; só nos aspectos administrativos.
Isto é, o Estado deveria ter dito que agora só entram no sistema pessoas com este perfil de formação. Se o tivesse feito, as universidades tinham-se adaptado, porque são capazes de o fazer; não há aqui um problema de capacidade, mas de conservadorismo dos modelos de formação.
Ninguém duvida que as universidades podem, perfeitamente, fazer um tipo de formação para áreas disciplinares, mas o que acontece é que se continua a receber pessoas com formação disciplinar. E se isto se mantém, as universidades não precisam de mudar.
Esta questão continua por resolver e, em relação ao 2º Ciclo, eu temo que, porque não se mexeu e não se mudou quando se podia ter mudado, se caia numa re-consagração do regime disciplinar, que a Comissão de Reforma e a LBSE pretenderam inverter.

P - Mas não seria desejável que a Universidade, ela própria, funcionasse como agente de mudança? Como vanguarda? O que parece é que tudo continua a ser muito conservador, muito feito com as sebentas de há não sei quantos anos...

R - As instituições, sejam elas quais forem, são conservadoras por natureza. Mas têm capacidade de mudança, umas mais do que outras...

P - Permita que o interrompa, só para concluir o ponto de vista, porque tenho a sensação de que, apesar de tudo, o Politécnico tem outra dinâmica.

R- Uma das vantagens de os politécnicos não terem, ainda, uma grande estabilização e, portanto, estar tudo muito em ebulição, é as pessoas poderem procurar um melhor caminho. De facto, a maior parte das pessoas vieram das universidades para um ambiente diferente, em que era necessário questionarem-se a elas próprias e à instalação. E isso foi positivo, porque levou a que pusessem em causa determinadas ideias ou valores que traziam.
Mas, de alguma forma, também terá contribuído para uma imagem negativa do Politécnico, na medida em que não souberam - e esse foi o erro - fazer com que essa inquietação se mantivesse internamente. Por vezes, deixaram transparecer para a opinião pública o que não passava de quezílias pessoais, e muitas dessas questões acabaram por ser empoladas.
Estas questões também existem nas universidades. Só que as universidades, porque são corpos muito mais sedentários, já aprenderam a digeri-las internamente. Veja-se o caso da Universidade Técnica de Lisboa, onde duas candidaturas a reitor se bateram duramente, mas sem que alguma coisa transparecesse para o exterior - se fosse num politécnico, de certeza absoluta que vinha tudo cá para fora.
Este é, aliás, um dos aspectos do Ensino Politécnico para que mais tenho chamado a atenção - não se deve cercear a discussão de pontos de vista; deve-se animar a discussão das questões, mas que essa discussão se faça apenas no interior das instituições, porque, caso contrário, corre-se o risco de dar uma imagem negativa dos institutos. E eu acho que isso se deve evitar, até porque a maior parte dos problemas que têm aparecido na Imprensa são questões de lana caprina, que existem em todas as instituições.

P - Retomando a questão da formação, uma das preocupações que vem sendo mais afirmada pelos professores prende-se com os complementos de formação. Como é que a questão é vista do lado dos politécnicos?

R - A situação é esta: já há legislação e já saíram os próprios critérios de seriação; quanto aos cursos, ainda não estão aprovados, mas penso que o ministério está neste momento a trabalhar neles.
Quanto a mim, o problema deste processo - e é evidente que os sindicatos não gostarão do que digo -, foi a demasiada interferência sindical, transformando-o, exclusivamente, numa situação de progressão na carreira e descurando os aspectos pedagógicos e científicos, que, na nossa perspectiva, são prioritários. E assim, num determinado momento, tendeu-se para fazer como na tropa, dando acesso aos mais antigos.
Obviamente que devemos ponderar e creditar a experiência que as pessoas já têm, desde que ela seja positiva. Mas a experiência não tem que ver apenas com o tempo de serviço, porque há pessoas que estão há muitos anos na carreira e terão aprendido muito pouco em relação ao que lá estão a fazer, enquanto outras, que também lá estão há muitos anos e são pessoas de muito nível, têm uma "deficiência" em termos de diploma académico.
Penso que tudo isto teria de ser bem ponderado, mas, neste aspecto, o ministério deixou-se envolver muito mais com os sindicatos do que com as próprias instituições de Ensino Superior. E isso é negativo para a imagem dos próprios complementos de formação.

P - Por falar em Ministério da Educação, e para terminar, que apreciação faz à performance do gabinete de Marçal Grilo?

R - Considero que a actuação do Ministério da Educação tem sido globalmente positiva, com intervenções aos diferentes níveis de ensino, em áreas carecendo de alterações significativas: Educação Pré-Escolar, autonomia das escolas do ensino não superior, avaliação, reformulação dos currículos do ensino não superior, ...
Actuando numa óptica gradualista, procurou não afrontar directamente os interesses corporativos instalados. Resta-me, porém, a dúvida se, da manutenção de uma certa paz social, efectivamente conseguida, não resulta um ritmo de reforma insuficiente para as necessárias alterações qualitativas e quantitativas do sistema, numa sociedade em rápida evolução, tendo por consequência um crescimento da "inércia educativa".
Tenho consciência de que, numa sociedade jornalisticamente reivindicativa, pouco habituada a ultrapassar a discussão pessoalizada e paroquial, em que os interesses de curto prazo e as corporações se sobrepõem ao interesse colectivo, em que, demagogicamente, tudo serve aos políticos como arma de arremesso partidário, se torna difícil, em matéria tão sensível como é a da educação, consensualizar as reformas necessárias, e pô-las em prática contra os interesses estabelecidos, excepto quando a desadequação é tão evidente que o sistema ameaça ruptura.
Apesar disso, entendo que, em nome dos interesses do país e das gerações futuras, há que ser mais exigente e acelerar os processos de reforma, pagando o ónus de perturbar grupos profissionais, interesses pessoais ou jogos partidários.

entrevista conduzida por
António Baldaia


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 75
Ano 7, Dezembro 1998

Autoria:

Luís Soares
Presidente do Instituto Politécnico do Porto
Luís Soares
Presidente do Instituto Politécnico do Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo