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A Escola não é um dogma

 Um dia destes, encontrava-me a almoçar com três colegas da escola onde trabalho, quando um puxou para assunto de conversa um programa de que tinha tido oportunidade de ver num canal temático, especializado em assuntos relacionados com ciências em geral (canal 'Odisseia'). Segundo o meu colega, também professor do grupo de Biologia e Geologia, apresentava lá uma tese que retorna à ideia de um Planeta Terra plano e não esférico, tal como é aceite por toda a comunidade científica e segundo o qual todo o conhecimento é actualmente interpretado. Estivera Galileu vivo e os hereges seriam os defensores de tal tese.
Ficamos profundamente indignados e começamos por argumentar, considerando tal tese como uma brincadeira de mau gosto, onde alguém que não tem nada para fazer decidiu arranjar algum pretexto para ganhar notoriedade em tal espaço televisivo.
O meu colega concordou com a nossa primeira impressão, tinha-se passado o mesmo com ele ao visionar o programa. No entanto, segundo ele, eram vários e de reputação impune os cientistas que argumentavam tal tese.
Começamos então a questionar o meu colega sobre tais argumentos. Pelos vistos, as nossas interrogações eram precisamente as mesmas que foram feitas aos tais cientistas. Estes por sua vez não se intimidaram minimamente pois todos os pressupostos em que este modelo assenta, estavam perfeitamente justificados. Para tal, esses cientistas, recorreram a dados da física, nomeadamente a conceitos relacionados com o comportamento da luz, do movimento dos corpos e da teoria da relatividade.
Não estavam a brincar estes cientistas, quando muito, estariam a fazer exercícios de física teórica. A este respeito, todo nós, formamos a nossa forma de interpretar o universo aceitando como dogma o facto da Terra ser redonda, e de girar em torno do Sol, etc.. Mas, sempre foi assim? Basta lembrar-nos do que a inquisição fez a Galileu.
A ciência, tem que ser paradigmática, caso contrário deixa de evoluir. é claro que uma tese destas, a ser aceite, constituirá uma enorme revolução ao nível de todas as concepções e interpretações do conhecimento científico sobre o universo em que vivemos.
Nesta altura do ano lectivo, grande parte das nossas conversas centram-se sempre nos resultados que cada um teve com os alunos. 'As notas da C são péssimas....' ~'(...) esse também andou aqui o ano todo sem fazer nada (...)'. No decorrer desta conversa, falavamos precisamente do facto de uma turma onde o rendimento às disciplinas de línguas estrangeiras ser bastante fraco. Um dos colegas comentou então:
- As notas são fracas, os professores queixam-se de que não têm bases, mas perdido e achado, encontro-os a contactar em Inglês através da Internet.
Os restantes concordaram com a observação do meu colega. A internet vicia, ao ponto de termos de colocar restrições ao tempo dos alunos.
Nesta altura enquanto se aterra desta intensa viagem que é o ano lectivo é o momento ideal para que reflicta antes de voltarmos a partir. Muitos dos nossos passageiros não chegaram a levantar voo. Fisicamente estavam lá, mas a sua viagem decorreu numa dimensão totalmente diversa da nossa. A avaliação a que foram sujeitos nada teve a ver com a forma como integraram realmente a realidade em que decorreu a sua viagem.
Será que os alunos por nós considerados como maus passaram um ano sem realmente aprenderem nada?
A escola com que recebemos os alunos, as aulas que procuramos construir, os programas que leccionamos, serão realmente os mais lógicos e motivadores?
Talvez seja a altura adequada, ao entrar em funcionamento o novo modelo de gestão escolar de se conceber uma nova escola, assim como se consegue, no final do século XX, construir argumentos, cientificamente aceitáveis sobre uma forma de interpretar o universo que se considerava plenamente caduca, também a escola poderá, no século XXI ser algo de completamente diferente do que é hoje. Para tal, é primeiro necessário que essa revolução comece por nós professores, pois tal como aqueles cientistas, fomos formados segundo um determinado modelo e do qual só com grande esforço nos libertaremos da resistência a qualquer mutação.
Neste ponto dou como exemplo a minha pessoa. Neste momento, apenas admito a possibilidade de mudar, mas ainda não consigo tecer qualquer modelo totalmente diferente de escola. Talvez o mais racional seja uma mudança gradual, mas que mesmo assim tarda. Este será o paradigma que nós professores temos, o mais urgente possível de colocar na linha de partida. Daqueles alunos, muitos vão ter negativa a Inglês. No entanto, conseguem comunicar com colegas de outros países nessa mesma língua.

Arlindo Antunes de Sousa


  
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Edição:

N.º 70
Ano 7, Julho 1998

Autoria:

Arlindo Antunes de Sousa

Arlindo Antunes de Sousa

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