Sr. Presidente
O Programa de Incentivo à Docência nas Instituições Federais de Ensino Superior, elaborado pelo MEC e recentemente anunciado por Vossa Excelência, é ignóbil, indecente, imoral e maquiavélico. Eis os motivos:
Ignóbil, porque
Não responde à demanda de reajuste salarial isonômico. Ora, como é de seu conhecimento - a menos que prefira a política do avestruz, que esconde a cabeça quando está sob ameaça, deixando todo o corpo exposto - há 1175 dias os Professores Universitários da rede federal não recebem reajuste salarial. Nesse mesmo período, além dos dois aumentos concedidos aos militares e a outras categorias profissionais, tendo inclusive os parlamentares concedido aumentos a si próprios (o que certamente é uma piada... de extremo mau gosto) o custo de vida acumulado subiu, segundo o DIEESE, 48,65%; e houve majoração de tarifas e de impostos.
Fere a autonomia universitária, em franca e galhofeira contradição com o artigo 207 da Constituição que reza o seguinte: ëAs universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensãoí. Logo, o Programa - cujo verdadeiro nome deveria ser ëPrograma de desincentivo, descaso e aniquilação da Docênciaí - desrespeita frontalmente a Carta Magna. Tal autonomia, aliás, já recebeu seu golpe mortal com a medida provisória n° 1.616-15, de 12 de Fevereiro de 1998.
É contrário ao projecto de Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade, e à preservação das práticas democráticas.
O Plano Real é irreal, pois só veio a beneficiar as elites do País, nada fazendo pelos funcionários públicos, pelos trabalhadores e pelos sem-terra. Ao contrário, aprofunda o abismo entre as classes socialmente favorecidas e as despossuídas: além de pauperizar ainda mais a classe média, aumenta o desemprego e joga - na mais profunda miséria - as classes já depauperadas. O que, sem sombra de dúvida, é um descalabro...
Indecente, porque
Não se destina a todos os professores das Universidades Federais, além de excluir os docentes de Escolas Técnicas e de Centros de Ensino Tecnológico Federal, os professores envolvidos em programas e/ou cursos de pós-graduação, aqueles em regime de 20 horas e os aposentados. Em suma, trata-se, indubitavelmente, de uma política de franca e aberrante exclusão da grande maioria dos docentes.
Parte, com um evidente objectivo de manipulação da opinião pública, de três pressupostos absolutamente falsos e tendenciosos, tais como:
1) os professores das IFES não se dedicam ao ensino;
2) somente por meio do mecanismo de manutenção de competição acirrada entre os pares é que vamos obrigá-los a trabalhar mais e melhor (a lei do chicote);
3) o Brasil prescinde de pesquisas e de actividades de extensão.
Por mais que os sucessivos governos tenham tentado subtrair à Universidade seu papel de agente social transformador e produtor de melhorias sociais com vistas a uma sociedade mais equânime e justa, todos os esforços têm sido em vão, pois ela continua disseminando conhecimentos, formando profissionais conscientes e críticos que, ao servirem à sociedade, têm produzido mudanças qualitativas na mesma.
Imoral, porque
destrói direitos conquistados a duras penas, e mediante intransponíveis sacrifícios ao longo das últimas décadas, pelos professores universitários; dissocia o inseparável trinômio ensino, pesquisa e extensão; colocando em risco a tão almejada ëmelhoria da qualidade do ensinoí (Art. 214 da Constituição) no País.
Maquiavélico, porque
se exime da responsabilidade de aplicar os recursos necessários e adequados para o estabelecimento de padrões de qualidade na Universidade; encobre a necessidade de contratação de novos docentes; acirra a disputa interna nas Universidades, jogando docente contra docente.
Para seu conhecimento, cumpre reportar-lhe alguns pontos que talvez sejam do desconhecimento de Vossa Excelência e de muitas pessoas que acreditam que professor universitário é regiamente remunerado, portanto marajá:
1) O salário de um professor universitário com mestrado, em regime de 40 horas de trabalho é de R$589,00, salário inferior ou equivalente ao de categorias da sociedade de nível médio.
2) Pela dedicação exclusiva - que proíbe o professor universitário de exercer qualquer outra actividade profissional, mesmo fora das 40 horas - este mestre recebe mais R$ 943,00, o que perfaz um salário de R$ 1.532,00, salário de bancários e de outras categorias profissionais, sem as exigências de ter um título de mestre e de dedicar-se exclusivamente a suas actividades. (Logo, a dedicação exclusiva com esse patamar é outra piada de excessivo mau gosto). Um juiz - ao ganhar entre 6.000,00 a 10.000,00 - pode dar aulas ou ter um negócio e não se lhe exige dedicação exclusiva. Um parlamentar - que ganha sabe Deus lá quanto de salários directos e indirectos - pode ser empresário, banqueiro ou exercer, simultaneamente, qualquer actividade profissional.
3) Um professor - com dedicação exclusiva - lecciona, em média, em três turmas, o que constitui doze horas-aula semanais (4 horas em cada turma), afora o tempo de leitura, preparação das aulas e correcção dos trabalhos. Além disso, desenvolve pesquisas, orienta monografias e estágios, realiza trabalhos junto à comunidade e exerce funções administrativas e representativas na Universidade.
4) Embora nós tenhamos ganho na Justiça a URP (26,05%) em Dezembro de 1995 (faz, portanto, dois anos), o Governo de Vossa Excelência descumpre e ignora a lei e, o pior, vai ëenrolandoí e obstruindo os processos para não pagar tal direito.
Cabe aqui fazer algumas perguntas a Vossa Excelência:
* Quais critérios deverão vingar para o ëmerecimento da tal bolsaí e quem os estabelecerá sem ferir os princípios fundamentais da Democracia? * Onde estão os recursos destinados à Educação em todos os seus níveis principalmente, os destinados ao Ensino Superior, conforme reza a Constituição? * Onde estão os 28 % concedidos aos militares? E por que somente estes podem gozar das benesses do poder? * Por que, donde e como aparecem recursos para salvar bancos falidos e/ou empresários fraudulentos e caterva, os quais estão levando o País à bancarrota? * Para onde estão indo os bilhões de reais arrecadados com o CPMF?
Diante do exposto, nós, Professores Universitários, vimos publicamente manifestar nosso total e absoluto repúdio ao Programa de Incentivo à Docência nas Instituições Federais de Ensino Superior que desvela sub-repticiamente toda uma pérfida, dolosa e ignominiosa política de implosão, de desmoronamento e de sucateamento da Universidade Pública Brasileira de qualidade, autónoma e gratuita.
Manifestamos igualmente nosso total e absoluto repúdio à política de exclusão, de arrocho salarial e de pauperização imposta à sociedade como um todo e, em especial, a todos os funcionários públicos, principalmente os do Executivo.
Senhor Presidente, ex-colega e ex-companheiro, até quando Vossa Excelência pretende manter o status quo, impondo a cada dia redobrados e pesados sacrifícios - sem retornos - à grande maioria da população?
ADUnB-Seção Sindical dos Docentes da Universidade de Brasília
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