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Irmãos hà 500 anos

Numa comparação um tanto ousada a língua oficial de um país poderia ser considerada um símbolo pátrio, ao lado da bandeira, do brasão e do hino. Ela é o código social aceito e usado pelos habitantes de uma mesma terra para expressão de seus pensamentos e comunicação com seus compatriotas. É um sinal de coesão social e um elemento de identificação entre os indivíduos que a usam.
Dos portugueses, que ao lado de seus símbolos nacionais possuem a mesma língua oficial, nós, os brasileiros, apesar de sermos um povo de várias raças, sentimo-nos como irmãos, visto termos a nos unir um elo tão poderoso. A identificação linguística com esse povo fica ainda mais evidente quando um professor da língua ministra suas aulas a alunos que são seus usuários, mas devem saber mais sobre ela e amá-la a ponto de desejarem se aperfeiçoar no seu manejo e fazer dela o instrumento de suas criações artísticas ou científicas, ou, ainda, apaixonarem-se tanto que queiram fazer dela sua motivação profissional, isto é, queiram ensiná-la também.
O professor tem diante de si o compromisso de, além de despertar nos discípulos o amor e o respeito pelo idioma nacional, insistir para que ele não seja vilipendiado pelos maus falantes e maus redatores, mas que tenha preservadas sua correção e sua beleza. Amar a língua materna fica mais fácil quando ela é conhecida em sua história, seu domínio, suas características, suas possibilidades e até, por que não, seus entraves. A escola é o lugar ideal para o desenvolvimento desse processo todo, fornecendo ao aluno a possibilidade de um enriquecimento linguístico por meio de aulas bem ministradas e indicação de boas leituras.
No Brasil, à custa de reformas educacionais, o ensino tem passado por crises e, com elas, veio a deterioração linguística de nossos estudantes. Além das transformações normais por que passa uma língua, principalmente a falada, em seu constante processo de evolução, o português começou a apresentar sinais de não estar sendo bem conhecido em suas normas, e bem empregado por seus usuários. Em provas de Vestibular de nossas Universidades e Faculdades, os corretores muitas vezes se deparam com absurdos na grafia, no léxico e na sintaxe dos textos escritos. Esse descaso com a língua chegou a tal ponto que em alguns municípios, a Prefeitura Municipal decretou lei multando cidadãos que escreverem incorretamente em placas, faixas publicitárias e outros. Foram editados, por jornais de grande circulação, guias de redação para seus assinantes e o público em geral.
Arnaldo Niskier, membro do Conselho Federal de Educação, nosso atual presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras), que colaborou na redação da nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases) do sistema educacional brasileiro estará lançando no ano 2.000, o projeto cujo lema é 'Salve a Língua Portuguesa / 500 anos de Brasil', procurando despertar no povo a consciência de que seu idioma nacional vem sofrendo agressões as mais diversas, e alguma atitude deve ser tomada. Sentimos que está ocorrendo uma reação saudável dos responsáveis pela cultura brasileira quando sabemos que a língua pátria é um elemento de que um povo deve se orgulhar, e de que o amor a ela é uma arma de defesa, visto que ao tentar dominar um país, o conquistador procura, em primeiro lugar, implantar a sua, como língua comum.
Ao comemorarmos nossos quinhentos anos estaremos relembrando as nossas origens e nossa irmandade linguística com o povo de além-mar, patrícios de Camões e Saramago, cuja mesma língua inspirou e ainda inspira os pensamentos de nosso povo e nossos gênios literários, motivo de orgulho brasileiro.
Que nossa via de comunicação, apesar das pequenas diferenças fonéticas e lexicais, permaneça se enriquecendo em sua correção e beleza com o esforço de nossos professores e do amor de todos os que dela fazem uso na interpretação e na fruição do mundo em que vivem, na obtenção e comunicação de conhecimentos, e na criação de belezas artísticas que têm como instrumento a palavra.

Jéssia Picichelli de Arruda Sampaio
Professora do Ensino Superior (Itu/SP)


  
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Edição:

N.º 69
Ano 7, Junho 1998

Autoria:

Jéssia Picichelli de Arruda Sampaio
Professora do Ensino Superior (Itu/SP), Brasil
Jéssia Picichelli de Arruda Sampaio
Professora do Ensino Superior (Itu/SP), Brasil

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