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Sobre a Disciplina de Ciências Naturais

No Passado mês de Março a Escola E B 2 e 3 de Caldas das Taipas organizou um 'Fórum' onde se discutiram aspectos relacionados com os currícula das disciplinas do Ensino Básico. Como tenho a]alguma experiência na docência da disciplina de Ciências Naturais, e por sugestão de alguns colegas, decidi apresentar uma pequena comunicação sobre a minha experiência.
Nesta, e dado que se pretendia discutir novas abordagens sobre os currícula, apresentei uma sugestão de reforma do programa da disciplina de Ciências Naturais.

Passo a transcrever a minha comunicação.

' Antes de mais, quero deixar aqui expresso os meus parabéns quanto à natureza desta iniciativa, bem como aos autores desta. É a nós, profissionais deste processo que é o 'Ensino/Aprendizagem' que deve recair a responsabilidade e a iniciativa de reflectir sobre o mesmo. Nada melhor do que utilizar as ilações tiradas de um quotidiano passado na sala de aula como molde para toda e qualquer mudança a efectuar no sentido de se melhorar, ou tentar alcançar uma prática pedagógica, se não plena de sucesso, pelo menos, dotada de frutos no âmbito da formação daqueles que são os principais sujeitos da mesma, os alunos.
Como professor, iniciei a minha carreira em 1992/93 (ano do estágio integrado na licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia da Universidade do Minho). Lecciono a disciplina de Ciências Naturais desde o ano lectivo de 1993/94, trabalhei com alunos do 7º Ano, da mesma disciplina nos anos lectivos de 1992/93; 93/94 e 94/95.
Esta comunicação vai constar de uma pequena reflexão sobre as experienciações por mim vividas, no âmbito da leccionação da disciplina de ciências naturais dos sétimos e oitavos anos.
Em termos de prática pedagógica, saliento desde o facto de desconhecer praticamente outra realidade que não, este modelo. No que diz respeito aos ditos programas antigos, apenas leccionei uma turma de biologia do nono ano.
A nível curricular, e sem mais demoras, o programa da disciplina (Ciências Naturais - 3º Ciclo), apresenta-se lógico e academicamente completo, levantando-se no entanto alguns problemas, dos quais passo a citar:
- O tempo lectivo, destinado a esta disciplina é extremamente limitado, já que nos impossibilita a nós professores a realização de um trabalho adequado às características dos alunos (nível etário...).
- A biologia humana, versa um conjunto de conceitos demasiado complexos, que exigem um nível de abstracção inadequado à idade, além de exigir conceitos da área da química que os alunos do oitavo ano não possuem.
A aprendizagem dos conceitos relacionados com a Geociência só é conseguida de forma verdadeiramente significativa, com a opção de procedimentos práticos onde se verifique contacto com as realidades versadas.
A dinâmica dos ecossistemas só é compreendida quando se consegue que os alunos obtenham uma visão geral e integradora de todos os conceitos constantes no currículo da disciplina. Caso contrário é impossível que qualquer aluno termine a sua formação básica dotado de toda e qualquer formação sobre o que se pretende ser uma verdadeira consciência ecológica. Isto, só se consegue com um trabalho que versa uma aprendizagem de casos práticos, caso contrário corremos o risco de os nossos alunos se tornarem amanhã, adultos sem capacidade de analisar tudo o que possa afastar o meio onde os mesmos estão inseridos já que ninguém os preparou para tal.
Ora tanto num ponto como noutro, o objectivo só será atingido com tempo, já que as estratégias que versam a abordagem de qualquer destes, implicam, tempos lectivos de que nós professores, não dispomos.
Mas esse tempo existe, nunca entendi muito bem a razão de uma disciplina que se quer importantíssima na formação de qualquer pessoa, seja interrompida e comprimida nos dois primeiros anos do terceiro ciclo da sua formação básica.
É claro, aumentaram-se com a reforma do ensino, a carga horária das disciplinas ligadas à literatura, havia necessidade de pôr os nossos estudantes a escrever melhor. As PGAís reflectiam grande ignorância na arte de escrever. Mas em Ciência também se escreve, o domínio da língua materna também é exigido, e eu não vejo os alunos que me chegam às mãos no 10º ano a escrever muito melhor que os do 8ºAno. Onde está o problema? Talvez em nós professores, admitamo-lo pois é urgente que tal se resolva. Neste âmbito, urge também resolver um outro problema, que é a falta quer de interesse quer de motivação com tudo o que se relaciona com a escola por parte dos alunos. Por aqui contraponho desde já, e com algum garbo da minha parte, que se há disciplina que podem contribuir para a debilitação deste eterno problema são as ciências naturais.
Desde já deixo bem vincada a opinião de que as ciências deveriam constituir uma disciplina que decorre-se os três anos que constituem o ciclo em questão. Muitos alunos perdem a sensibilidade que manifestam, pela mesma, nos dois primeiros anos do ciclo, não a procurando na hora de optar por uma área que os pode condicionar em termos de formação profissional, no momento de se matricularem no ensino secundário. Além de que uma vez no décimo ano e, talvez pelo marasmo de um ano, que no seu curto tempo de vida é muito, revelam uma grande incapacidade de resolver problemas de ordem científica que lhes são propostos a um nível para os quais já não estão preparados se é que, pelos problemas expressos em cima, alguma vez estiveram.
Nesta reflexão, não posso deixar de salientar ainda o problema dos conteúdos programados para o oitavo ano. Acontece que neste nível, são necessários conceitos que ainda não fazem parte da formação do aluno. Nestes, salientam o conceito de átomo e molécula, que o professor de ciências tem que abordar. Só que, nunca trabalha este conceito da forma devida, pois o tempo disponível para leccionar a unidade onde tais conceitos são requeridos, não o prevê.
Mediante estes factos, discute-se hoje, a possibilidade de criar uma disciplina geral de ciências onde se abordem de forma integrada, durante os três anos do ciclo, os assuntos da disciplina de Ciências Naturais e da disciplina de Ciências físico-químicas.
Para nós professores, é uma solução bastante polémica, pois mesmo com uma inevitável grande carga horária, no somatório total, vão sobrar professores. Além de que em determinados assuntos, a formação dos professores poderá não ser considerada a mais adequada.
Quanto a este aspecto, o problema é facilmente resolvido com uma reformulação da formação quer inicial quer contínua dos professores.
Na minha opinião, o maior reparo da minha parte, vai no entanto para os conteúdos programáticos a incluir numa disciplina desta natureza. Tenho alguma experiência com a disciplina de Ciências do Ambiente do ensino recorrente, e deixo o seguinte alerta: construir um currículo nunca poderá ser uma tarefa de corte e cose, em que se pega num vestido já existente (neste caso dois), se cose e, a partir dos bocados de pano que constituíam as peças iniciais, se costura uma peça nova. Não neste caso a peça a construir terá que ser uma obra prima. É claro que o pano, ou seja a matéria prima terá que ser igual (conceitos científicos versados nas disciplinas), mas deverão, sempre, ser cortado à medida e unidos de forma a constituir um todo uno, lógico e onde a ciência seja apreendida de forma integrada e significativa pelos alunos'.

Nunca será de mais salientar que iniciativas como esta são sempre de louvar. Pena é que no entanto todos tenhamos saído deste fórum com um sentimento que de que tudo o que ali se debateu muita coisa caiu em saco roto. Pelo menos foi essa a minha impressão, dada a inflexibilidade do discurso dos representantes da CAE de Braga ao longo de todo o encontro. À partida já tinham uma ideia pré-definida e mantiveram-na praticamente indiferentes às ideias propostas.

Arlindo Antunes de Sousa


  
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Edição:

N.º 69
Ano 7, Junho 1998

Autoria:

Arlindo Antunes de Sousa

Arlindo Antunes de Sousa

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