Página  >  Edições  >  N.º 67  >  André Malraux num ensaio de Vergílio Ferreira

André Malraux num ensaio de Vergílio Ferreira

Trinta e cinco anos depois da 1ª.edição, o ensaio de Vergílio Ferreira, Interrogação ao Destino ainda se pode e deve ler como uma primeira abordagem crítica e biográfica de André Malraux, um dos grandes escritores franceses deste século. Não por ser A Condição Humana o maior romance que o comunismo pôde inspirar e aquele em que uma ideologia política alcançou enorme expressão no domínio da sua profundidade humanística, mas sobretudo porque foi única a obra que Malraux produziu em termos literários, que continua a ser lida e o será mesmo daqui a muitos anos como uma das mais representativas do século em que viveu. E se essa obra estiver certa, como proclamava o autor de Para Sempre, 'o erro do nosso juízo será um erro para esse juízo apenas - ou antes, para o modo como o efectivámos e não em referência ao termos valorizado o que valorizámos'. Sim, é verdade, relembra ainda Vergílio Ferreira, 'o primeiro acto de Malraux foi dizer'não' a um destino que proclamou injusto e absurdo. Mas dizendo-o activamente, foi precisamente a acção que lhe determinou toda a aventura. Muito depressa, no entanto, nós esquecemos que essa aventura não foi aventureira. O 'não' não foi absoluto. Malraux não foi um niilista'.

Mas que espécie de 'interrogação' percorre todo este ensaio? A complexidade da obra literária de Malraux e as suas posições políticas tão contraditórias foram realmente os pólos para analisar ou emitir os juízos mais desencontrados sobre a sua personalidade intelectual. Ao longo dos tempos (e mesmo ainda hoje), quando certas barreiras se desmoronaram ou alguns dos valores defendidos pelo autor de A Condição Humana foram já postos em causa. E, desde sempre, Vergílio Ferreira não deixou de proclamar a sua viva e sincera admiração pelo consagrado autor francês e de alguma forma tentou percorrer os mesmos passos na sua aventura literária. Por isso, neste ensaio agora reeditado o que sobressai é a definição de princípios a que todo o artista se obriga, mesmo quando se trata de uma personalidade complexa e polémica como a de André Malraux, fixando-se mais na análise do autor de As Vozes do Silêncio na perspectiva mais literária do que política que, como se sabe, lhe criou alguns amargos de boca até ao fim da vida.
Porém, para lá das limitações que se coloquem à obra malrauxiana, que pagou o tributo de o ser do mesmo homem político de sérias contradições no governo gaullista, Vergílio Ferreira não podia esquecer que essa obra se revela acima de tudo como a interrogação do homem sobre o que ao homem mais interessa, ou seja, à sua condição humana. E daí afirmar sem nenhuma espécie de dúvida que a obra de Malraux é póstuma a si mesma, porque desde sempre ultrapassou as posições públicas que assumiu, na dimensão pessoal de saber que a obra literária que realizou, fruto de directa experiência em várias partes do Mundo, não como 'aventureiro' ou 'sonhador' de outras utopias, mas como forma de interrogar o seu próprio destino e os homens dentro dele, sempre pelos caminhos da política, da arte e da literatura e merecer assim que toda a França e a Europa dos últimos cinquenta anos o tivessem como referência espiritual e intelectual, mesmo nos momentos em que Malraux foi mais admirado e exaltado ou depois insultado e vilipendiado até à hora da sua morte.
Assim, reler este ensaio de Vergílio Ferreira, que foi posto fora de circulação aquando da primeira edição em 1963, é de algum modo retomar esse diálogo inalterável com o autor de Cartas a Sandra, senti-lo ainda a nosso lado e dizer-nos que o exemplo legado por André Malraux representa ainda, sem qualquer disfarce, 'uma vida cheia, vida total, na grandeza e na tragédia, que é grandeza também', e lembrar, na forma de questionar esse pessoalíssimo destino de escritor e político, que 'o percurso de Malraux atravessou praticamente tudo o que nos mora no sonho, na ambição, no que exprime a nossa dignidade de sermos homens'.

Serafim Ferreira

VERGÍLIO FERREIRA
INTERROGAÇÃO AO DESTINO, MALRAUX
Bertrand Editora / Lisboa, 1998


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 67
Ano 7, Abril 1998

Autoria:

Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Serafim Ferreira
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo