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Carta de um índio escrita em MARÇO - um mês de confusas e intensas ternuras (ainda a propósito do Dia Internacional da Mulher)

A Eugenia, Alice, Yaili e Nadili:
porto seguro nas tempestades da vida !

Contaram-me os poetas e as anciãs de minha tribo seres que falam com a lua, com a floresta, com o rio e com os animais que um belo dia o deus da floresta e dos mares ( um deus hermafrodita bissexual) criou primeiro a mulher..... este deus, o meu deus, foi sempre um pouco radical, alegre e erótico. A mulher era a dona e senhora do universo...... mas sentia falta de companhia e por isso o deus bissexual, sentindo pena dela criou o homem para acompanhar e amar aquela que era a dona dos mares, dos animais, da floresta e da vida. E assim cresci amando e respeitando esta fonte da vida, a origem do verbo, da poesia...

Um dia apareceram seres diferentes, com discursos esquisitos: falavam de um só deus verdadeiro e universal, castigador, não brincalhão....os sacerdotes, os padres e pastores cristãos, uma escola moderna e civilizada diziam que éramos pagãos e selvagens, que este verdadeiro deus criou primeiro o homem o Adão e da costela dele criou a Eva perigosa e radical. Tentei agarrar-me ao meu deus primitivo, porque não entendia como podia um homem macho aparecer primeiro.....

( o deus dos cristãos não faz amor... Tenho pena DELE, porque deve ser o único deus que nunca fez amor com ninguém...)

A minha gente também me ensinou aquela historia dos eclipses... Dizem nossos poetas e profetas que quando o Sol desaparece (eclipse do sol), não se esconde ! está a fazer amor com a lua . Ela é tão forte que o apaga no momento do orgasmo: a terra começa a ficar limpa das maldades, a dor e as misérias desaparecerão e temos logo que tomar banho. No dia seguinte ninguém vai à floresta, não podemos invadir o bosque, nem as profundezas do mar porque todos os animais da terra entrarão no grande jogo do amor..... e se forem interrompidos, ou perturbados podem provocar danos, tristezas e dores aos habitantes da terra, é o orgasmo universal que limpa e purifica a terra. E assim aprendi que o respeito e a tolerância são valores que devemos compartilhar com animais e humanos.

Estes são alguns dos pensamentos que me habitam e queria simplesmente compartilhar convosco mulheres, amigas e amigos que acreditam numa educação e numa sociedade não sexista e não violenta. Que este 8 de Março continue a ser um dia de ternuras até ao próximo eclipse..... e oxalá fechemos estes ciclos de violências e comecemos um novo -mais limpo, mais doce e mais puro - como o orgasmo da fecunda terra-mãe, o fecundo pai sol e a bela lua !

com amor e respeito, vosso amigo
Cebaldo Inawinapi
(da tribo dos índios kuna - Panamá)


  
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Edição:

N.º 67
Ano 7, Abril 1998

Autoria:

Cebaldo Inawinapi
Antropólogo, São João da Madeira
Cebaldo Inawinapi
Antropólogo, São João da Madeira

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