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Para onde vai a formação de professores?

Dois projectos que introduzem novas regras no sub-sistema de formação de professores irão, em breve, a Conselho de Ministros. O caos herdado de longas décadas de adiamento é bem visível, mas, num país onde se espera pelo último dia do prazo para entregar a declaração do IRS, não se poderá dizer que esta iniciativa peca por tardia. Já só falta um dia para amanhã...

Algo mudou?
Inquiridos sobre o que pensam da sua formação inicial, a grande maioria dos professores do primeiro ciclo considera-a 'desajustada da realidade'. A formação na minha Escola do Magistério era dominada pelas correntes mais conservadoras. Os contributos da Escola Nova ou da Psicologia Genética eram totalmente ignorados. Por seu turno, as actuais escolas de formação de professores actualizaram os currículos, mas mantêm-se as características de uma formação didáctica e pedagógica mais ou menos académica, centrada na transmissão de conteúdos. Não são devidamente abordados, quer o domínio sócio-cultural, quer o institucional, talvez porque a distância dos formadores relativamente a esses domínios concretos os impeça sequer de imaginar tais realidades.
É grande o risco de conservadorismo das formações que se processam fora do quadro institucional onde decorrem práticas inovadoras. A formação 'desenvolve impossibilidades, cria dependências e bloqueios de vária ordem. Mais importante que os conteúdos da formação são os modos, os modelos, as relações sociais, culturais e pessoais que esses modelos veiculam e concretizam (...) Poder-se-á aprender a praticar a pedagogia activa ouvindo aulas expositivas?'.
Os investigadores de Palo Alto alertaram-nos para o facto de a formação se poder alhear das questões fundamentais que se colocam ao professor e ao colectivo de professores no âmbito da sala-de-aula e da instituição. Revela-se, pois, inútil a pretensão de mudança das práticas escolares se não se trabalhar sobre as práticas sociais.

'Quem não sabe... ensina'
Alteraram-se conteúdos teóricos, mas creio não haver articulação entre componentes teóricos e práticos da formação. E talvez essa situação justifique a surpresa de Naysmith: 'a formação de professores em Portugal é demasiado teórica e com pouca ligação às escolas (...) Para minha surpresa, um número significativo de professores da ESE ou nunca tinha leccionado em escolas, embora estivesse a preparar futuros professores, ou nunca tinha leccionado ao nível para o qual estava a preparar os alunos'.
São os próprios docentes das instituições de formação inicial que reconhecem existir 'uma lacuna gravosa na formação de professores ministrada pelas instâncias instituídas, que se torna urgente colmatar'. As escolas de formação inicial transmitem aos alunos modelos alternativos de pedagogia, descrevem correntes e escolas, mas não colocam os futuros professores na presença de 'práticas profissionais assumidamente integradas em pedagogias alternativas'.
Esta afirmação permite subentender a incoerência entre o conteúdo do discurso de transmissão e a prática que o contextualiza. Conclui-se que também 'no âmbito da prática pedagógica ou estágios não é permitida aos futuros professores ou facultada a experimentação de práticas profissionais coerentes com as propostas educativas'.

Soluções instrumentais
A emanação do saber a partir do mundo académico coloca-a ao abrigo da depreciação. Porém, se a Universidade quiser cumprir a sua vocação para a formação de professores, terá de questionar a infalibilidade das suas propostas. A actuação das instituições de ensino superior 'tende a pautar-se, em larga medida, por critérios de defesa de interesses corporativos. Este pendor corporativo contribui para empobrecer, quer em termos estratégicos, quer metodológicos, o debate sobre a formação de professores'. Um conjunto de circunstâncias difícil de discernir tem conduzido ao ensimesmar dos universitários. O universo académico abre-se à novidade, mas está ainda por surgir um Freinet universitário que derrube estrados e solenidades vazias. Se aspirarmos a que a situação se altere, permitamos que, como dizia Veiga Simão, 'as críticas justas se manifestem no seio da Universidade'.
As instituições de formação inicial são o lugar por excelência da racionalização de saberes sobre os quais a profissão de professor assenta a competência, a autonomia e o seu estatuto social. Mas torna-se imperioso não exorbitar os pergaminhos, sob o risco de os saberes que guardam se tornarem inúteis. A Universidade poderá desempenhar um papel de legitimação de saberes práticos, numa atitude em que não persista a influência de um modelo tradicional de formação, segundo o qual, 'a universidade proporciona teorias, métodos e habilidades', dado que os problemas da prática social não podem ser reduzidos a soluções meramente instrumentais.

José Pacheco


1 Gonçalves, J. in Nóvoa, A. (1992). Vidas de Professores, Porto, Porto Editora, p. 161
2 Benavente, A.(1990).Escolas, Professoras e Processos de Mudança,Lisboa,Livros Horizonte,p.107-108
3Watzlawick, P. et al. (1975). Changements, Paradoxes et psichothérapie, Paris, Seuil
4 Naysmith, J. (1995). Reflexões sobre o Ensino Superior, Revista Rumos, nº 3, p. 11
5 Ribeiro, J. et al. (1990). A Influência da Colegialidade no Profissionalismo, Inovação, vol.3,nº1-2,p.121
6 Idem
7 Idem
8 Canário, R. (1991). Formação: Transformar as dificuldades de aprendizagem em dificuldades de ensino. Aprender, nº 13, p. 64-69
8 Britzman, D.(1986) Myths in the marking of teacher biography and social struture in Teacher Education, Harvard Educational of Review, 56 (4), p. 442


  
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Edição:

N.º 67
Ano 7, Abril 1998

Autoria:

José Pacheco
Escola da Ponte, Vila das Aves
José Pacheco
Escola da Ponte, Vila das Aves

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