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ESCOLA entre as altas expectativas e os frustrantes desempenhos

As esperanças na educação como fonte transformadora do homem e da sociedade é uma ideia de força, quase consensual. É verdade que muitos já não lhe atribuem o carácter 'civilizador' que os republicanos de princípio de século lhe davam, numa época em que se afirmava que 'abrir uma escola era fechar uma cadeia' 1. Somos hoje mais cautelosos no poder do ensino e, principalmente, mais cépticos em relação à capacidade da escola para a superação das desigualdades e resolução dos 'males' que afligem a sociedade 2.

Novas exigências e males crónicos

Todavia, persiste-se em dar à escola novos objectivos, exigir dos professores novas funções, atulhar o currículo com novos conteúdos. A escola é hoje, na nossa sociedade, o 'muro das lamentações' sociais. A cada novo problema que surge espera-se que ela lhe dê a resposta adequada ñ da toxicodependência à sida, do tabagismo à poluição, dos acidentes de viação ao racismo. Esta situação acaba por evidenciar duas debilidades adicionais da escola. A primeira, é a incapacidade para antecipar cenários; a escola não 'marca a agenda' e anda sistematicamente a reboque dos acontecimentos, das políticas conjunturais e das modas. A segunda, prende-se com a nossa tradicional rigidez curricular que faz com que os problemas de hoje sejam incorporados na reforma da próxima década. Entre nós, as revisões curriculares funcionam em ciclos longos, o que é incompatível com os acelerados processos de mudança científico-tecnológicos da modernidade. E quando se reestrutura é sempre em simultâneo; ora os conteúdos disciplinares não se desactualizam ao mesmo ritmo: a Biologia e a Informática exigem actualizações menos espaçadas que a dos programas de Português e Desenho, por exemplo. O caso mais paradigmático desta dificuldade em inovar no tempo certo é nos dada pela disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social: dez anos depois de criada, e tais foram os acidentes de percurso que ainda agora se está a recolher pareceres institucionais sobre o seu programa.
Mais interessante ainda é o facto de se manter a confiança na escola mesmo perante os frustrantes desempenhos da sua acção. Na semana da educação o Presidente da República confrontou-nos com os números que nos colocam na cauda da Europa: o atraso estrutural do nosso sistema educativo mantém-se e as questões essenciais do ensino estão ainda por resolver ñ o analfabetismo continua em alta, as taxas de escolarização em baixa, o abandono escolar não estanca e o insucesso não desce. Mas a escola não consegue, por si só, resolver estes problemas. Neste domínio, estamos em crer que só a pressão dos factores externos (leia-se da UE) poderá alterar a situação; isto é, devia-se seguir na esfera da educação um processo semelhante ao dos 'critérios de convergência' para a adesão à moeda única. Só isso nos obrigará a encarar com seriedade e empenhamento as gravíssimas fragilidades do sistema educativo e a ultrapassar de vez este fosso que nos separa dos países mais desenvolvidos (e mais instruídos). Aqui, mais do que na área da economia, só temos a ganhar em ser 'bons alunos'.

Escola virtual

Como explicar então este desencontro entre as altas expectativas sociais e os frustrantes desempenhos da instituição escola?
Em primeiro lugar, a generalidade da população desconhece em concreto a realidade dos estabelecimentos escolares: num estudo do IIE 3, 46,5% dos inquiridos afirma ter 'muito pouca informação sobre o funcionamento das escolas oficiais da localidade onde vive'. Esse desconhecimento é ainda mais acentuado nas minorias étnico-culturais e naqueles pais que não frequentaram sequer a escola. Não admira pois que os locais onde estudam os seus filhos lhes sejam estranhos; que pouco ou nada saibam dos regulamentos e directivas 4; para já não falar nos programas que lhes passam literalmente à margem.
Em segundo lugar, e como afirmava com certa graça e muita lucidez Rómulo de Carvalho 5 a propósito da República que 'patenteava a sua musculatura nas páginas do Diário do Governo', os decisores da política educativa parecem mais interessados em perpetuar a sua memória nas páginas da 'folha oficial', com uma legislação excessiva de grandes projectos e brilhantes reformas, do que em transformar de facto a realidade educativa. E assim se alimenta a ideia de uma escola&ldots; virtual.
Em terceiro lugar, é a própria escola que denota alguma dificuldade em contestar os seus objectivos, os seus programas e as suas práticas. Quando a organização curricular é posta em causa, os agentes educativos colocam-se na defensiva, têm relutância em assumir as debilidades da instituição e em questionar as suas acções. Por isso, aceitam mal as críticas e muito em particular quando vêm do exterior; veja-se o exemplo das repercussões dos artigos de Filomena Mónica no semanário Independente 6 . Pena é que críticas deste tipo a algumas questões estruturais do sistema, tal como as que foram avançadas no jornal Público por Victor Lobo 7, procurem (implicitamente) o retorno a velhos métodos e práticas.
Hoje, bem pelo contrário, o tempo é para implementar novos processos, desbravar caminhos inovadores e não recear as rupturas desde que elas conduzam à qualidade e à eficácia do sistema educativo.

Luís Souta

CIOE/ESE de Setubal


Notas

(1) Hoje estamos certos da ingenuidade e até do exagero de tal slogan; abrir uma escola não é a tal varinha de condão que tudo transforma. Quando na escola se 'circula' em sentido contrário, ou seja, quando se entra no caminho do absentismo, do abandono e do insucesso, estão-se a dar, em muitos casos, os primeiros passos para a marginalidade.

(2) No mesmo sentido se posiciona José Paulo Serralheiro no editorial de a Página de Dezembro de 1997, p. 2.

(3) Natércio G. Afonso (1995) A Imagem Pública da Escola. Lisboa: IIE/Colecção Políticas de Educação, nº 2.

(4) Ficariam naturalmente espantados ao verificar que o próprio ME, no documento sobre o regime disciplinar, ao enumerar os treze 'deveres dos alunos', omite o principal, o dever do aluno estudar, trabalhar e aprender.

(5) Rómulo Carvalho (1986) História do Ensino em Portugal. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

(6) Mª Filomena Mónica reuniu esses três artigos, publicados no Independente/revista Vida, ao qual juntou uma longa introdução de resposta aos ataques de que foi alvo, num livro intitulado 'Os Filhos de Rosseau', editado pela Relógio de Água em Novembro de 1997.

(7) Artigos de Victor M. M. Lobo divulgados no Público de 19/7 e 30/8 de 1997.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 65
Ano 7, Fevereiro 1998

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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