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Saúde e Educação - Um Direito do Cidadão

A saúde, numa sociedade, está relacionada com o seu contexto sócio-económico, político e cultural. Assim, nas sociedades anteriores à Idade Média, encontra-se uma concepção mística de saúde e doença. A presença ou a ausência de saúde dependia mais dos desejos da divindade do que a competência dos curadores de doenças (Rezende, 1989:23-4, 40, 51-2; Rojas, 1974:3; Meira, in: Pareta, 1976:2). Nas sociedades modernas e contemporâneas, o processo saúde-doença é encarado sob uma óptica mais objectiva e científica. Na Idade Moderna, as doenças eram explicadas principalmente pelas condições ambientais (teoria miasmática). Nessa época, a necessidade de mão-de-obra nas indústrias fez com que a saúde passasse a ser enfocada como um factor básico para a produtividade e, por isso, a doença era vista como um transtorno económico (Rezende, idem:69, 144; Rojas,idem:5; Meira, idem:2). Na Idade Contemporânea, particularmente neste século, os fenómenos de saúde e doença são tratados como processos biológicos e sociais. A saúde já não é concebida apenas como um factor de produtividade, mas como um direito do cidadão (Rezende, idem:86-90, 144; Meira, idem: 3-4). Ferrara e alii expressam essa ideia de saúde, conceituando-a como 'um contínuo agir do homem frente ao universo físico, mental e social em que vive, sem regatear um só esforço para modificar, transformar e recriar aquilo que deve ser mudado' (in Rezende, idem:87).

No entanto, a acção de cuidar da saúde em âmbito social só será efectivada se as outras dimensões da sociedade, como a economia, a habitação, o trabalho, a educação, enfim, as políticas sociais se voltam para a questão da saúde. Neste contexto complexo, o processo educativo é fundamental para a conscientização dos cidadãos no sentido de reivindicarem condições de saúde como um direito de todos, que deve ser fiscalizado pela sociedade em prol de melhores condições de vida das populações. Por isso, Werneck focaliza a educação não apenas como uma acção que desencadeia um novo tipo de pensar, mas sobretudo, de agir (in Rezende, idem:153). Por meio da educação, portanto, as pessoas poderão desenvolver maiores possibilidades de participação nos bens sociais, a partir de engajamentos comunitários. Para tanto, torna-se necessário que as instituições responsáveis pela educação, particularmente as escolas e os centros de saúde, despertem nas crianças, nos jovens e adultos de qualquer idade, uma consciência crítica sobre a importância da saúde como condição de bem estar individual e social. Deve-se igualmente destacar a responsabilidade dos meios de comunicação de massa nesse processo de educação social sobre a saúde, por meio de programas informativos e de reflexão e debate.

Nessa perspectiva, como se situa a contribuição propriamente dita das escolas de 1º e 2º Graus na promoção de uma educação para a saúde ?Na realidade, os currículos escolares de 1º e 2º Graus contemplam a questão da saúde como parte do programa de Ciências. Mas, todos os demais problemas relacionados ao cotidiano dos cidadãos, como a poluição, a qualidade da alimentação, as condições de trabalho, de habitação, de saneamento, de segurança e lazer, entre outros, também deveriam ser conteúdos de ensino por parte de diversas áreas curriculares de 1º e 2º graus. A educação para a saúde deveria, de facto, constituir uma dimensão curricular de todos os níveis de ensino, desde a pré-escola até ao nível superior. Mas, sem dúvida, os programas de 1º e 2º graus constituem um momento privilegiado para a conscientização da infância e da juventude no tocante à saúde como bem comum, a ser valorizado no conjunto das possibilidades de desenvolvimento sócio-cultural profissional. Poder-se-ia, então, esperar que uma compreensão partilhada dos problemas de saúde resultassem numa superação do seu entendimento individualista, de modo que as populações jovens do país alcançassem, em perspectiva de um futuro melhor, entender a saúde e exercitar sua prática como um direito de todos (Najar, 1986:30-31).

Por outro lado, os centros de saúde são também de básica importância na educação das populações em questões de saúde, na medida em que devem não apenas tratar as pessoas mas ainda orientá-las para compreenderem as relações entre a saúde e doença, no contexto sócio-político. Deste modo, tais centros estariam conscientizando grandes contingentes populacionais de seus direitos aos serviços básicos de saneamento, como condição inicial de uma prática social de saúde - sob a responsabilidade dos poderes públicos (Najar, idem:31-2). Com a municipalização dos serviços de saúde, prevista na constituição, é reconhecida legalmente a participação popular (representantes de organizações populares e sindicatos) nos órgãos encarregados da gestão e do controle dos serviços de saúde. Para que essas representações participem significativamente desses órgãos (Conselho Interinstitucional de Saúde - CIS; Conselho Regional Interinstitucional de Saúde - CRIS; e Conselho Interinstitucional Municipal de Saúde - CIMS), seria necessário um trabalho conjunto entre os grupos organizados da população e as instituições, os movimentos e os projectos educacionais (Westphal & Pelicione, in: Saúde em Debate; 68-73, Dez.1991).

Em suma, há uma urgente necessidade de um trabalho realmente estratégico, em termos de acções pensadas que visem à melhoria das condições de saúde das populações, como direito que assiste a qualquer cidadão - mas que não se efectivará sem a participação de todos e o que somente é possível por meio de uma prática educativa comunitariamente construída. Por fim, não há como desconhecer que todo e qualquer empenho, público e privado, pela melhoria da qualidade de vida das pessoas, sob a perspectiva do direito conjunto à saúde e à educação, demanda uma mudança na conduta ética da sociedade em seu todo, de uma orientação egotístico-individualista - em âmbito pessoal ou empresarial - para uma orientação humanista, com prioridade da justiça social. Nesse sentido, pela conjugação dos esforços dos governos e dos cidadãos, poderão crescer insuficiência e eficiência os serviços básicos de educação e saúde para todos, neste país.

Sónia Maria Marchiorato Carneiro

Doutorada em Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sector da Educação da UFPR

Referências Bibliográficas

BUARQUE, Cristovam. A Desordem do Progresso: O Fim da Era dos Economistas e a Construção do Futuro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990. 186p.

BURSZTYN, Marcel (org). Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo, Brasiliense, 1993. 161p.

MOSQUERA, Juan & STOBÃUS, Claus. Educação Para a Saúde: Desafio Para as Sociedades em Mudança. Porto Alegre, Ed. Universidade UFRGS, 1983, 110p.

NAJAR, Alberto Lopes et alii. A Saúde em Estado de Choque. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1986. 128p

PARETA, José Maria Marlet et alii. Saúde da Comunidade: Temas da Medicina Preventiva e Social. São Paulo. MacGraw-Hill do Brasil, 1976. 295p.

REZENDE, Ana Lúcia Magela de. Saúde: Dialética do Pensar e do Fazer. São Paulo, Cortez, 1989. 159p.

ROJAS, R. Armijo. Epidemiologia: epidemiologia básica. V.I. Buenos Aires, Intermédica, 1974. 190p.

WESTEPHAL, Maria Faria & PELICIONE, Maria Cecilia Focesi. Contribuição da Educação e Saúde Para a Reforma Sanitária. Saúde em Debate, 33 Dez.1991.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 64
Ano 7, Janeiro 1998

Autoria:

Sónia Maria Marchiorato Carneiro
Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil
Sónia Maria Marchiorato Carneiro
Universidade Federal do Paraná - UFPR, Brasil

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