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Arte cinematográfica e arte poética

Através da imagem poética podemos perceber a diversidade de relações possíveis presentes no inequívoco mundano de maneira inusitada. Como quem ama pela primeira vez e enxerga algo único em sua vida.

A imagem é considerada por alguns teóricos e cineastas como sendo o fundamento elementar da arte cinematográfica e é, também, o elemento primordial da construção de uma narrativa fílmica, cuja especificidade é a representação e recriação de mundos que porventura são vislumbrados por seus criadores. Sempre aliada a elementos sonoros, dramáticos, cenográficos, espaciais e temporais, a imagem constitui um dos componentes de maior profusão de sentidos e simbologias que o sistema cinematográfico dispõe. Assim sendo, a imagem pode ser caracterizada por um objeto ou ação registrada e, pela nossa capacidade de percebê-la, atribuímos-lhe sentidos sob determinadas visões objetivas e subjetivas do mundo que nos cerca. É também um fenômeno de apreensão da imaginação do artista e da expressão de um momento, talvez de um instante, que se fixa no infinito de nossa memória.
O que podemos dizer, de fato, é que no âmbito da poeticidade, a imagem é representada como a entidade de recriação do que há de peculiar e único no mundo, ou seja, é através da imagem poética que podemos perceber a diversidade de relações possíveis presentes no inequívoco mundano de maneira inusitada. Assim como quem ama pela primeira vez e enxerga neste amor algo único em sua vida.

Imagem vs. poesia. A capacidade de percepção do poeta está ligada, de certa forma, a uma maneira de ver o mundo com um olhar contemplador. Quando um poeta se propõe a fazer uma poesia sobre a chuva, verá a chuva como se fosse pela primeira vez.
Nesse sentido, caracteriza-se como poética a obra de arte que fundamenta sua expressividade no olhar peculiar do artista sobre a matéria-prima de sua arte ou objeto de apreensão, atribuindo-lhe um valor único e incomparável, submetendo-o aos domínios da dialética entre particular e coletivo. Assim, o processo de revelação artística será notado por sua forma de apresentação sintética e ambígua.
No âmbito artístico, a imagem poética é também um emaranhado de signos, formas, cores e representações da vida que contêm sentidos e luz. E dizemos luz, pois toda a imagem só nos é apresentada a partir do momento em que é iluminada, no sentido de claridade e no sentido de esclarecimento. No cinema, a imagem busca sempre representar um mundo, o mundo cinematográfico. O cineasta com sua equipe (cenógrafos, figurinistas, fotógrafos, atores, produtores, etc.), assim como o poeta e sua caneta, é um homem que, capaz de perceber os fenômenos de modo sintético e coeso, é também capaz de expressar em imagens organizadas o que a poesia expressa em palavras.

Similaridade e contestação. Nesta relação entre cinema e poesia, vislumbro a imagem como signo de interlocução artística. Tomemos, por exemplo, a relação de similaridade e de contestação que se estabelece entre as linguagens poética e cinematográfica.
De um lado, temos a poesia que se destina a trabalhar com representações sígnicas materializadas através de palavras em versos que aludem às imagens em um poema. Do outro lado, o cinema que busca transpor objetos próprios da realidade em signos icônicos que serão posteriormente materializados na imagem fílmica. A orquestração dos elementos próprios da linguagem cinematográfica – tais como som, luz, cenário, atuação, efeitos, etc. – proporcionará a arquitetura de possíveis formas narrativas e suas correlações com o tema abordado. Em ambos os casos, percebe-se a presença do signo como elemento de profusão entre as duas artes.
A imagem poética no cinema é fruto da valorização do plano fílmico em correlação com a montagem dos componentes sonoros, dramáticos e cenográficos que se relacionam sob os auspícios de determinada narrativa. Daí a importância dos elementos que estarão sendo compostos e conjugados com recursos de linguagem, o cineasta e sua equipe poderão, mediante suas habilidades, expressar, no âmbito da poeticidade, os sentimentos e vivências que representarão os personagens ou a história a ser relatada em seus filmes.

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José Miguel Lopes


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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