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O quarteto de Viena

Um clássico que se mantém tão jovem como quando foi feito e que mostra o caos das vidas humanas depois de uma guerra.
Para a Fernanda Vasconcelos

“I never knew the old Vienna before the war...”, assim começa The Third Man, considerado, justamente, o melhor filme inglês de sempre. Passado em Viena, logo após o final da II Guerra Mundial, The Third Man conta com um extraordinário quarteto: Graham Greene, Sir Carol Reed, Orson Wells e Alexander Korda. Assenta no estilo único dos filmes ingleses, uma combinação das duas maiores qualidades do seu cinema do tempo da guerra: cenário realista e profundidade das personagens baseados num sentido de documentário e numa vontade de retratar o background social. Carol Reed explicou o sucesso do filme, rodado em 1949, dizendo que foi por ter sido dos primeiros filmes ingleses rodados nos próprios locais. Até então, os filmes eram rodados em estúdio, o que provocava uma certa falsificação, embora ao mesmo tempo lhes conferisse um certo glamour. Neste filme, os húmidos e pesados labirintos da Viena ocupada e em ruínas mostram bem as armadilhas e ambiguidades com que se deparavam os seus habitantes e as escolhas que os sobreviventes da guerra tiveram de fazer.
Harry Lime (Orson Wells), escapando por entre as crateras das bombas, é o pequeno traficante tentando enriquecer à superfície de um deserto urbano, símbolo da futilidade da astúcia em face da devastação. Lime tenta explorar as carências, adultera a penicilina, que salva vidas até levar à morte, sendo apanhado num círculo vicioso e numa cidade fechada. Como diz o polícia britânico Colloway: “Um rato tinha mais hipóteses num quarto fechado sem um buraco e um par de terriers à sua procura”. A guerra e o seu fim entalam todos, por mais espertos que sejam.
Originalmente, Korda mandou Greene a Viena para encontrar uma história contemporânea, facto que Greene aproveitou para usar uma sua ideia antiga do encontro com um morto chamado Henry. O escritor começou por escrever o argumento como um conto. “Não se pode começar por escrever na forma de script,” disse, “tem de se ter mais material do que se precisa para chegar aí”. Depois de ter a história, trabalhou de perto com Reed no argumento, que o modificou durante a rodagem e na montagem. Devido à reputação de Greene e ao interesse de se conhecer o seu processo de criação, o argumento final de The Third Man foi publicado como o original. As notas e suportes mostram as adições e omissões feitas por Reed, e mesmo por Orson Wells, na versão final do filme. O argumento serve como modelo para mostrar que mesmo o melhor trabalho de escrita tem de ser mudado no processo da realização de um filme.
Apesar disso, o filme mostra o apreço do realizador pelo seu argumentista. Carol Reed emprestou mesmo a sua cópia pessoal para publicação, e Greene reviu-a, pois tinha garantido os direitos literários (um raro e normalmente impossível direito).
Em apenas 15 minutos, mas marcando todo o filme, Orson Wells dá-nos em The Third Man talvez a sua melhor interpretação de sempre, a seguir a Citizen Kane.
Falta apenas falar no outsider deste quarteto: o autor da música, Anton Karas, descoberto por Reed em Viena, quando tocava piano numa cervejaria. E o resultado é um filme clássico que se mantém tão jovem como quando foi feito e que mostra o caos das vidas humanas depois de uma guerra.

Paulo Teixeira de Sousa
O autor escreve segundo a anterior norma ortográfica

P.S. Tudo indica que o “ano zero” do cinema português (2013) se vai prolongar pelo menos no próximo ano. A demissão do presidente, entretanto substituído por uma assessora, e da vice-presidente do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), bem como da directora da Cinemateca Portuguesa, Maria João Seixas, diz tudo o que se pode esperar. Faço minhas as palavras de Margarida Gil, presidente da Associação Portuguesa de Realizadores: “Querem ou não cinema? Querem ou não fechar a Cinemateca? Ou querem tornar Portugal numa espécie de Film Comission para virem cá os Woody Allens filmar as nossas paisagens e usufruirem do tempo?”


  
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Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

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