Página  >  Edições  >  Edição N.º 202, série II  >  Teatro Experimental do Porto na vanguarda do teatro português

Teatro Experimental do Porto na vanguarda do teatro português

A casa não encheu à primeira. “Era um grupo novo. Ninguém sabia o que era e as forças conservadoras e mais endinheiradas não mostraram grande interesse. De certa forma, foram pessoas dos meios oposicionistas e algumas mais evoluídas dentro do conservadorismo que assistiram ao espetáculo”, explicou à PÁGINA o presidente do Círculo de Cultura Teatral/Teatro Experimental do Porto, Júlio Gago. O impacto causado foi forte, o espetáculo foi um êxito e um mês depois, após cinco representações fora do Porto, voltou ao Sá da Bandeira, já com lotação esgotada. Estava dado o primeiro passo. E outros lhe sucederam...
Tudo tinha começado com uma reunião, três anos antes, em novembro.
O encontro foi convocado por Manuel Breda Simões, professor da Escola Comercial Oliveira Martins, teve lugar no Instituto Francês, na Rua Cândido dos Reis, e contou com a presença de vários amigos, a maioria também professores.
Nesse dia, decidiram criar o Círculo de Cultura Teatral e, nesse âmbito, um grupo de teatro experimental. João Arnaldo Maia, jornalista de O Comércio do Porto, foi fazer a reportagem da reunião e acabou por ter um “papel preponderante”, desbloqueando praticamente tudo o que se relacionava com estatutos e legalizações. A companhia, que se tornaria profissional em 1957, ficou legalizada em outubro de 1952.
Desse grupo faziam parte “miúdos que andavam por aí a brincar aos teatros”, e alguns deles acabaram por ser nomes de referência, como Egito Gonçalves, João Apolinário ou António Ramos de Almeida. E por lá passaram grandes nomes das artes, como o poeta Eugénio de Andrade, que foi o responsável pelo convite a António Pedro para deixar Moledo do Minho e conduzir o TEP no que havia de ser a mudança do teatro em Portugal. Corria o ano de 1953 e antes da chegada de António Pedro ninguém sabia como operar um teatro experimental. “A verdade é que não saíam da cepa torta. Todos falavam de teatro, falava-se nos teatros experimentais (na Europa começavam a aparecer inúmeros grupos desta natureza), mas a verdade é que ninguém percebia nada disto. E portanto, liam peças, traduziam peças, traduziam textos teóricos de teatro, mas nada saía porque nenhum deles tinha experiência”, relata Júlio Gago.

A importância de António Pedro. O presidente do CCT/TEP descreve António Pedro como uma “personalidade extremamente interessante e multifacetada”. Nascido em 1909, já tinha um percurso extenso e curioso. “Era um poeta com vários livros publicados e foi autor de narrativas.
Escreveu um livro que de certa forma fez uma rutura na história da literatura em Portugal, que é o «Apenas uma narrativa», primeira sequela surrealista adaptada ao português e aos escritores portugueses. Foi um homem que entre 1934 e 1936 viveu em Paris, onde integrou e assinou o manifesto do movimento Dimensionista, paralelo ao surrealismo. Fez uma verdadeira revolução nas artes gráficas em Portugal, com a capa para uma revista que dirigiu no início dos anos 40 (Variante).
Escreveu a primeira história sobre estética da Arte Moderna em Portugal, a «Introdução a uma História de Arte», e um belíssimo poema, que é o assumir total do surrealismo – Protopoema da Serra d’Arga. Foi jornalista, diretor de jornais, chefe de redação do Diário Popular, uma grande memória do jornalismo em Portugal. Durante a II Guerra Mundial, e até um pouco para além disso, esteve na BBC em Londres; foi a voz democrática que nos trouxe os avanços dos Aliados e depois os ventos da vitória. Foi viajante, e aproveitou todas as viagens para se interessar cada vez mais pela arte que achava que era a síntese de todas: o Teatro.”
Mas falar de António Pedro é falar, também, de um homem com convicções e com bastante intervenção política. Depois de, no final dos anos 40, ter feito experiências teatrais em Lisboa, zangou-se com a capital, “por questões ligadas à censura e motivado pelos 12 artigos que publicou no Diário de Lisboa sobre a situação do teatro em Portugal, em que punha em causa tudo o que se fazia cá, o academismo, o bacoquismo nacional que imperava, desde o vedetismo até tudo o que se possa perceber que fosse tradição não compaginável com qualquer processo inovador que estava a ocorrer na Europa”.
“De certa forma começa a delinear aí o que seria um plano pedagógico para a introdução da encenação moderna, o sentido da unidade do espetáculo no nosso país”, adianta Júlio Gago.

A vanguarda do ‘novo teatro português’. Na primeira aula, António Pedro estava relutante, mas, ao ver o entusiasmo de todos os “candidatos a atores e técnicos”, e de outros que apenas estavam interessados em aprofundar o seu conhecimento, ficou “empolgado” e passou rapidamente a dar aulas duas vezes por semana.
Entre as peças aprovadas pela censura, começou a delinear o primeiro espetáculo e adaptou a A Gota de Mel, de Léon Chancerel.
“Essa peça foi estreada pelo TEP e foi, de certa forma, um emblema. Foi apresentada até 1959, altura em que foi proibida, na sequência das primeiras ameaças de invasão dos chamado Estado Português da Índia pela União Indiana, agravadas pelo início da Guerra Colonial. Cantos e libelos pela paz eram algo que o regime não poderia aceitar. Esteve proibida até ao 25 de Abril.” O primeiro espetáculo incluiu a Nau Catrineta, do cancioneiro tradicional, adaptada por Egito Gonçalves, e Um Pedido de Casamento (Anton Tchekov), traduzida por Correia Alves, que a interpretou com Dalila Rocha e João Guedes.
Entretanto, as mudanças que António Pedro introduz começam a tornar-se visíveis. “Além de todos os problemas laterais (a luta contra o ator vedeta, contra o teatro comercial, contra o academismo, etc.), ele dá uma outra importância à utilização da voz e do movimento, tornando-os indispensáveis para a afirmação do ator em cena. Ou seja, lutando contra os tiques tradicionais do teatro, torna-o mais simples, mais próximo, com segurança absoluta no domínio da voz e do movimento pelo ator”, esclarece Júlio Gago.
As mudanças operam-se também na cenografia, que geralmente resultava de engradados feitos por carpinteiros ou maquinistas de cena. “Embora já tivessem aparecido no teatro português alguns exemplos de telões criados por artistas, nomeadamente Almada Negreiros, Mário Eloy e Stuart Carvalhais, a verdade é que muitas vezes esses telões acabavam por não funcionar em cena, na medida em que muitas vezes não tinham nada a ver com o desenvolvimento do texto. Não havia essa unidade”. Tal como os figurinos ou a própria linguagem.
Aproveitando a sua experiência da BBC, António Pedro introduziu também mudanças ao nível do som e da luz. Os ruídos, como trovoadas, vento ou passos, deixaram de ser produzidos nos bastidores pelo contrarregra para passarem a ser gravados em bobines. Tal como as músicas. Relativamente à luz, “não havia no teatro português a experiência de se fazer um pontual, uma luz que só incide sobre um ator, sobre um objeto, sobre algo que está em foco durante determinada cena. É o António Pedro, sobretudo, quem vai desenvolver isso. Aliás, ele próprio desenhou, e estudou com o Flávio Sá, que era o engenheiro ligado a estas questões, a construção do primeiro órgão de luzes do TEP.”

O sonho de um espaço próprio. As consequências de todas estas mudanças foram as melhores, designadamente na captação de públicos. Nos primeiros anos, o TEP alcançou cerca de cinco por cento da população do Grande Porto. “Algo extraordinário, na medida em que hoje ninguém consegue ter cinco por cento da população de uma cidade a assistir a espetáculos teatrais.
Foi realmente notável”, frisa Júlio Gago, acrescentando que, em 1958, o Círculo de Cultura Teatral/Teatro Experimental do Porto ultrapassava os cinco mil sócios. “Nessa altura, o Futebol Clube do Porto tinha seis mil…”
Perante o êxito dos espetáculos, nasceu a vontade de um espaço próprio. Sonho que passou a realidade num armazém da atual Rua do Ateneu Comercial do Porto, onde o arquiteto Luís Praça implantou o primeiro “Teatro de Algibeira” da Península Ibérica.
Era um teatro pequeno, com 134 lugares, que foi inaugurado a 8 de maio de 1956, com Macbeth, de Shakespeare. Quatro anos depois, os sócios mudaram-lhe o nome para Teatro de Bolso.
“Numa assembleia geral, os sócios mais tradicionalistas resolveram berrar: no Porto diz-se bolso, algibeira é em Lisboa”, revela Júlio Gago.
Entretanto, após a morte de António Pedro (1966), a companhia decidiu homenagear o primeiro diretor artístico, atribuindo o seu nome ao teatro. Mas 14 anos depois, o espaço foi alienado – a direção, presidida por Manuel Alves Rigor, entregou-o à União de Bancos Portugueses, “a troco de onze mil contos”.
“O teatro era histórico, foi o primeiro Teatro de Bolso a ser construído na Península Ibérica, e foi destruído. Em 1980, ainda havia legislação do tempo do Marcelo Caetano, que neste caso poderia ter sido lembrada e impedia a destruição de qualquer teatro... Importa dizer que esse decreto, de 1973, só foi alterado no consulado de Manuel Maria Carrilho, muitos anos depois.
A verdade é que não houve sequer uma assembleia geral para os sócios decidirem a alienação ou não do espaço, e o Teatro António Pedro foi destruído em 1980”, recorda Júlio Gago.
O TEP passou então a ocupar a Sala Estúdio, que ficou destruída após um incêndio, em 19 de abril de1994. Depois seguiu para a Casa da Artes, de onde saiu dois anos mais tarde...

A passagem da ponte. Outras ideias e projetos surgiram, em vários espaços da cidade, mas nenhum vingou. “Em 1997, ainda tentámos reativar o Teatro Sá da Bandeira. Cheguei a desencadear uma operação para angariação de fundos, até com contactos internacionais, mas aqueles que seriam os principais apoiantes da compra – Ministério da Cultura e Câmara do Porto – retiraram-se... Na altura, era preciso um milhão e cem mil contos para comprar o Sá da Bandeira e, portanto, o projeto foi inviabilizado.”
Entretanto, no final de 1998, na gestão de Fernando Gomes, houve um conflito com a Câmara Municipal do Porto, que deixou o TEP com uma de duas opções: fechar ou sair da cidade. Vila Nova de Gaia foi o destino, e é onde o TEP “mora” desde então. Com sede própria, forrada a memórias, livros e fotografias de cena de, entre outros, Fernando Aroso, e com palco no Auditório Municipal de Gaia. “Confesso que, por um lado, a saída do Porto foi extremamente negativa. Mas, por outro lado, o TEP veio encontrar um apoio indispensável e determinante para continuar e para hoje poder novamente falar de alto. Foi o apoio de Luís Filipe Menezes, que considero o maior apoiante do TEP em todo o seu historial. Realmente, as condições que a Câmara de Gaia concedeu ao TEP são o maior apoio da instituição. O Porto nunca deu ao TEP o apoio que Gaia deu, não só financeiro, como material. E também um apoio psicológico fortíssimo, que não pode ser menosprezado, porque nos permitiu ganhar forças para seguir em frente”, conclui Júlio Gago.


Diretor artístico do TEP entre 1953-1961, António Pedro tornou-se um “pedagogo da atividade teatral em Portugal” e, já depois de ter deixado a companhia, as suas ideias foram reunidas em livro: «Pequeno Tratado de Encenação»

Uma casa de Cultura

O Teatro Experimental do Porto é uma companhia histórica, cheia de estórias, peripécias, lutas, lembranças. Com altos e baixos, mas com um percurso invejável. Por lá passaram grandes atores e encenadores, como João Guedes, Dalila Rocha, Alda Rodrigues, Jacinto Ramos, Paulo Renato, Rogério Paulo, Fernando Gusmão, Ruy de Carvalho, Carlos Avilez, Ernesto de Sousa, Mário Viegas, Júlio Castronuovo ou Ruggero Jacobbi, entre muitos outros. Com Jacobbi, “uma das mais importantes figuras do teatro mundial do século XX”, aconteceu até uma história que ilustra bem algumas das dificuldades que se viviam no Estado Novo. Em três semanas, o encenador italiano já tinha marcado os dois primeiros atos de A Estalajadeira, de Carlo Goldoni, mas teve de abandonar o país por ter sido expulso pela PIDE. “Mesmo assim, ainda se levou a cena o espetáculo encenado por ele”, frisa Júlio Gago. Jacobbi regressaria a Portugal após o 25 de Abril, mas já muito doente. “Na altura, veio para uma atividade que o TEP e a Seiva Trupe criaram – o FITEI.”
Mas por esta casa de Cultura passaram outros nomes das artes: Ângelo de Sousa, Armando Alves, José Rodrigues, Jorge Pinheiro, Júlio Resende, Jaime Isidoro, Artur Bual, Eduardo Luiz e Augusto Gomes, por exemplo, foram cenógrafos do TEP. “Parte dos nossos grandes pintores e escultores passaram por cá. E no campo da música, tivemos diversas colaborações, como Jorge Peixinho, um dos mais importantes compositores dos últimos 50 anos, ou o Conjunto António Mafra, que começou no TEP.”

Um presente com futuro. Gonçalo Amorim é o atual diretor artístico, com quem o TEP tem vindo a fazer uma renovação. “Penso que o Gonçalo Amorim é o futuro neste momento. É a aposta principal do TEP, um dos grandes encenadores já afirmados”, considera Júlio Gago. Amorim fez a sua estreia como encenador no TEP com A Morte de um Caixeiro-Viajante, de Arthur Miller, uma peça cara à companhia. Para Júlio Gago, é mesmo o espetáculo “mais importante de toda a história do TEP”, na encenação de António Pedro, em 1954 e em 1958. Mas há outras peças fundamentais, entre as quais A Promessa, de Bernardo Santareno, que foi o primeiro espetáculo como companhia profissional e causou polémica no Porto. Presentemente, e depois de As Relações de Clara, de Dea Loher, o TEP prepara-se para apresentar outros projetos em 2014. “Vamos repor dois espetáculos para escolas. São eles : Os Maias, com encenação de Gonçalo Amorim e interpretação de dois atores e três professores não colocados, e Felizmente Há Luar!, de Sttau Monteiro, na encenação de António Júlio, que se transformou já num espetáculo emblemático do programa do TEP.
Estamos a preparar uma coprodução com o Teatro Regional da Serra de Montemuro, que vai estrear em fevereiro no Auditório Municipal de Gaia e que depois vai percorrer o país.”
Muitas ideias e projetos para outros 60 anos, no mínimo. “Assim não nos faltem os apoios...”

 

Ora diga lá, Júlio Gago...

Estamos cada vez mais um povo triste

Conhece a história do TEP de trás para a frente e como mudou a forma de fazer teatro em Portugal. Por questões familiares, começou muito cedo a frequentar o teatro – era um dos “miúdos do TEP”.
De criança, ainda se recorda de quando a companhia apresentou A Morte de um Caixeiro-Viajante e de achar que lhe tinham mentido ao dizer que João Guedes era ator e não caixeiro-viajante. Após saídas e regressos, em fevereiro de 1991 foi eleito presidente do Círculo de Cultura Teatral/Teatro Experimental do Porto, cargo que mantém.

Há 60 anos, o TEP marcou uma viragem na forma de fazer teatro em Portugal. Como é que agora consegue marcar a diferença?

Penso que estamos num bom momento. No 25 de Abril, o TEP tinha ainda uma posição cimeira, tinha já apresentado 100 espetáculos em 21 anos. Era uma verdadeira loucura, tendo em conta o regime ditatorial em que vivíamos. Mas não se conseguiu atualizar. Sobretudo após o 25 de Abril, assumo que o TEP não soube reafirmar a sua importância. Foi superado por novas companhias, e não só de Lisboa ou Porto. Portanto, houve aqui um apagamento da posição charneira que havia tido nos tempos imediatamente anteriores. Por vezes, um ou outro espetáculo marcava uma posição fortíssima, mas de repente havia uma quebra acentuada. E a mais violenta de todas, na sequência do incêndio que destruiu a Sala Estúdio, em 1994. Mas com o atual diretor artístico, o Gonçalo Amorim, pretendemos fazer uma renovação total, e felizmente estamos a ter apoios nesse sentido.

Na sua opinião, qual é o estado da Cultura em Portugal?

Neste momento, é calamitoso, porque acho que nunca nenhum Governo foi tão contra a Cultura como o atual. Embora, em relação ao TEP, até nem nos possamos queixar. Tenho de dizer que a renovação que estamos a operar também acontece por causa do apoio que recebemos para os próximos quatro anos, da Direção-Geral das Artes/secretário de Estado da Cultura – e isto nunca tinha acontecido ao TEP em toda a sua história. O montante é curto e se, por exemplo, ficássemos sem o apoio da Câmara Municipal de Gaia iríamos reduzir drasticamente tudo o que significa a intervenção do TEP, porque não é suficiente. Mas a verdade é que podemos dizer que temos isto.
Como a nossa posição de intervenção na sociedade nos obriga a estar atentos ao que se passa no país, notamos que o panorama teatral português está a ser drasticamente reduzido. É certo que também há que atualizar e renovar as estruturas culturais, nomeadamente teatrais, mas a verdade é que as penalizações são extremamente fortes. Nós somos herdeiros de um razoável apoio, até financeiro, do município de Gaia – o protocolo está em vigor até junho de 2014 – e esperamos continuar a tê-lo.

Além dos apoios institucionais, a companhia também vive da bilheteira. Há muito público a ir ao teatro?

No teatro português, todos se queixam de ter menos público. Estamos a tentar reagir em relação a isso, mas os meios de difusão são cada vez menores. Não acredito na difusão através da internet, que dá mais “likes” do que propriamente público. Há cerca de dois anos reduzimos o preço dos bilhetes e não sei se seremos obrigados a fazer maiores reduções. Obviamente, as pessoas não têm dinheiro e quando ele começa a escassear, há prioridades: primeiro é a comida, depois a vestimenta e depois então é que se pensa na ida ao teatro ou na compra de um livro. Mas há outro problema: é que além de estarmos mal financeiramente, psicologicamente as pessoas estão extremamente afetadas. Estamos cada vez mais um povo triste, um povo que, mesmo que uma atividade seja praticamente de borla, não vai ver, habitua-se às pantufas e a ficar em casa. Os jovens são os únicos a “inundar” as noites do Porto, mais no sentido de espairecer, de lazer, do que propriamente em busca da Cultura. As pessoas estão de tal maneira massacradas e tristes que buscam mais a fuga do que propriamente aquilo que as pode despertar culturalmente.

O TEP viveu em tempos de ditadura e de censura. Apesar disso, e tendo em conta que a oferta cultural era menor e as pessoas procuravam divertir-se de alguma forma, nesses tempos era mais “fácil” fazer teatro?

Antes do 25 de Abril éramos um povo triste. A sociedade impunha-nos regras violentíssimas de contenção. O nosso escape podia ser ir ao teatro, ao cinema, ver cultura. Hoje, a sociedade implica normas diferentes, fronteiras diferentes nos nossos pensamentos, e uma nova tristeza como a do 24 de Abril de 1974 está instalada. As teses neoliberais têm cada vez mais uma incidência: os mercados são mais importantes do que o Homem. E esta posição, mesmo que disfarçadamente, vai sendo transmitida pelos poderes às populações. A verdade é que tem sido difícil a aproximação das pessoas aos interesses culturais. E nós, no teatro, no cinema, nas artes plásticas, se calhar não estamos a conseguir furar bem essas barreiras.

Perante a oferta atualmente disponível, o teatro tem de ter uma posição forte para marcar a diferença.

O teatro já teve períodos históricos, como na Idade Média, em que estava proibido. E quando foi permitido foi enquadrado pela Igreja. O teatro já teve momentos extremamente graves e nunca terminou, porque é a obra da arte viva, não é o enquadramento num vídeo, num filme, numa imagem na internet. Ali há gente presente, em movimento, criando arte e ligando a expressão da palavra a um conjunto de outras artes que fazem o espetáculo teatral. E nunca há um espetáculo exatamente igual a outro; e por mais que se pegue num espetáculo não há uma representação igual a outra.
O teatro não tem crises, crises tem a sociedade, e isso reflete-se no teatro. Não somos heróis, mas podemos ter um papel vanguardista em relação à sociedade. Precisamos de repensar o que é a nossa intervenção, e é o que estamos a fazer aqui. Ao longo deste ano apresentámos espetáculos que esperamos possam estar na memória das pessoas daqui a 20 anos, pelo menos… Penso que, de certa forma, os espetáculos que temos vindo a apresentar este ano têm feito essa marca.
Continuamos a apostar no desenvolvimento de projetos próximos das escolas e em textos fundamentais da literatura contemporânea, ou mais antiga, mas de uma forma interventiva.

E o futuro perspetiva-se cheio de atividades…

Cheio! Estamos com programação completa para os próximos quatro anos. Assim não nos faltem os apoios, porque sem apoios financeiros não vamos lá das pernas. Temos um projeto totalmente elaborado, com espetáculos, atividades, etc. E esperamos concretizá-lo.

Maria João Leite


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 202, série II
Inverno 2013

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo