Página  >  Edições  >  Edição N.º 200, série II  >  COOPERATIVA ÁRVORE um espaço de liberdade

COOPERATIVA ÁRVORE um espaço de liberdade

São 50 anos de histórias, de obras, de lutas. 50 anos a manter na cidade do Porto um espaço de liberdade, de partilha de ideias e de conhecimentos, e a levar essa criatividade ao resto do país e ao mundo. Em abril de 1963, um grupo de cidadãos que atuavam em várias vertentes da sociedade – artistas plásticos, escultores, advogados, arquitetos, engenheiros, entre outros – decidiu criar um ponto de encontro onde todos se pudessem expressar de várias formas e em liberdade. Assim nasceu esta Árvore, de raízes bem presas e com troncos tão frondosos que parece que nunca vão deixar de crescer...

“Há 50 anos, Portugal era um país muito cinzento. Ter opinião própria era proibido, e até se podia ser preso por isso. Um conjunto de várias personalidades resolveu criar um espaço de liberdade, onde se pudesse discutir, onde houvesse um encontro de opiniões livremente. Hoje em dia, sobretudo para os jovens, isto parece uma coisa perfeitamente surrealista, mas na altura não era” – Amândio Secca, sócio número 17 da Cooperativa Árvore e atual presidente da instituição, em conversa com a PÁGINA. Eram tempos difíceis para a expressão livre. Para fazer frente a essa adversidade, José Pulido Valente, Manuel Pinto, Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro, Armando Alves, José Rodrigues, Manuela Delgado e muitas outras personalidades ligadas à cultura e à cidade avançaram para a criação da Cooperativa Árvore, uma árvore sempre de pé, com convicção e com ramos que se desenvolveram e fortificaram.
Por lá passaram diversas personalidades, de convicções políticas distintas, com diferentes perceções do que é a Arte, mas todos com a certeza de que se poderiam expressar livremente.
À exceção dos primeiros anos, ainda no Estado Novo, quando certas visões ainda eram proibidas. “Nos primeiros anos fizemos aqui encontros com personalidades muito interessantes. Por exemplo, tivemos aqui o Fernando Távora, que era um homem conservador e que veio cá falar sobre Arquitetura Moderna. Foi proibido a meio da sessão, porque o ‘moderno’ era uma coisa que não estava no âmbito daquela gente que dominava o país. Outro exemplo: o Paulo Autran, declamador, grande artista, um senhor da cultura brasileira, veio cá falar sobre Teatro Moderno e não acabou a conferência, porque a PIDE resolveu não só suspender como saber o nome das pessoas que estavam presentes e o número dos carros”, explica Amândio Secca. A ideia era, portanto, fazer nascer um espaço de criação artística e de promoção das artes, onde as pessoas pudessem expor as suas opiniões e as suas obras – naquele tempo, havia apenas uma galeria comercial na cidade, que pertencia a Jaime Isidoro. “Hoje em dia há uma colmeia de galerias, mas na altura não havia. Portanto, o que fizemos na altura foi divulgar a cultura, os nossos criadores, enfim, todos os aspetos culturais do povo português, não só através das artes plásticas, mas também da palavra.”
Ciclos de conferências, edição de livros e organização de eventos culturais foram algumas das atividades promovidas. Atividades que, ainda hoje, continuam a marcar a vida cultural e artística da cidade e não só. “A Árvore não é uma galeria. A Árvore é uma instituição cultural”, frisa Amândio Secca. 

A pensar no futuro

Um setor importante da cooperativa é a produção artística, com oficinas de cerâmica, serigrafia, gravura e litografia, entre outras, que permitem dar azo à criatividade e à formação de novos artistas. A Árvore organiza também exposições, na instituição e fora dela, “embaixadas culturais do país”. De Macau ao Brasil, a instituição já promoveu várias intervenções, levando longe o nome de Portugal e a sua arte. “Os nossos momentos altos são todos os dias, todos os meses em que divulgamos os nossos valores culturais e os nossos criadores.” Para encarar o futuro, está em prática o projeto Árvore XXI - Espaço de Convergência Criativa, que resulta de uma candidatura apresentada ao Programa ON2, Sistema de Apoio ao Cluster de Indústrias Criativas – Infraestruturas Físicas. Com este projeto, a cooperativa pretende reforçar a produção criativa, a programação cultural e o consumo cultural, mantendo as suas três linhas de ação: pedagogia e formação, exposição e divulgação e produção/edição de objetos artísticos. Um investimento de cerca de um milhão e meio de euros. Todo o espaço da Árvore foi remodelado, o equipamento modernizado e as condições tornaram-se melhores para formar mais artistas e criadores e atrair também mais público. Integrada neste projeto está a criação de um bar-restaurante e de novas salas expositivas, espaços para acolher artistas e públicos em encontros multidisciplinares. Para além, da vista sobre o rio Douro...
Está integrada também uma oficina web e multimédia, com novos meios tecnológicos e com recurso à internet, nas áreas da fotografia, vídeo e multimédia. Esta estrutura, que vai ser um espaço aberto a todos os criadores da região, vai ser dinamizada em cooperação com o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto e com a Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo. Após meio século a servir a cultura, num percurso com normais altos e baixos, mas sempre com passos convictos, os apoios não são muitos – a cooperativa não conta com subsídios regulares do Estado – e tudo o que acontece é resultado de muito trabalho e de alguns ‘milagres’. “Nós vivemos daquilo que fazemos, da nossa imaginação e daquilo que produzimos”, refere Amândio Secca, explicando que vão tendo encomendas, trabalhos adjudicados e parcerias com os próprios artistas, que vão permitindo levar o barco a bom porto. Tudo isto, juntamente com o projeto Árvore XXI, que dá novas ‘ferramentas’ à instituição, permite-lhe ter “quase a certeza de que 2013 vai ser um ano bom para a Árvore, ao arrepio daquilo que está a acontecer no país”. O ano não está “obtido”, mas “encaminhado”.

Cultura é a memória de um povo e um investimento no futuro

À cultura faltam apoios. “A cultura é uma espécie de filho bastardo do Orçamento Geral do Estado. É incrível. É a cultura, o ensino, a investigação, etc. Tudo aquilo que é imaterial, mas que tem reflexos fantásticos no desenvolvimento de um povo, os sucessivos governos acham que é um custo. E, de uma forma geral, quando é preciso cortar num Orçamento de Estado, onde é que se corta? Exatamente na cultura” – “a cultura é a memória de um povo, e é na verdade um investimento no futuro”, sublinha Amândio Secca, notando que, “de uma forma geral, as autarquias têm apostado bastante na cultura.” O lançamento de jovens artistas nas mais variadas disciplinas tem sido uma aposta forte ao longo dos tempos. O retorno do investimento é parco: ver os artistas que começaram na instituição a dar cartas no setor cultural é a grande recompensa da Cooperativa Árvore. “O lançamento de jovens é que devia ser subsidiado, patrocinado, porque é o futuro. Mas, infelizmente, na maior parte dos casos, não é.” A Cooperativa Árvore é uma entidade de referência, que contribui para o desenvolvimento cultural da cidade e do país. Muitas são as personalidades que por lá passaram e que continuam a fazer parte da instituição. Por isso, nas comemorações do cinquentenário (ver página seguinte) vão ser feitas homenagens a alguns dos fundadores e artistas que foram importantes na criação e no desenvolvimento da cooperativa – uma Árvore que está firme!

ÁRVORE : cinquentenário com muitos ramos

Exposições, homenagens, conferências, simpósios, edições... Estas são algumas das atividades com que a Cooperativa Árvore vai assinalar os seus 50 anos de existência. 2013 é um ano de celebração e de renovação, estando a decorrer o projeto “Árvore XXI – Espaço de Convergência Criativa”, que vai permitir dinamizar novos programas formativos, culturais e comerciais, já que, além das novas ferramentas de comunicação, o projeto contempla a abertura de um bar/tertúlia/restaurante.
A celebração do cinquentenário baseia-se em três objetivos, que passam pela projeção e sedimentação da imagem e atividade da cooperativa à escala nacional, pela participação e inclusão da Árvore em iniciativas e redes internacionais, projetando-a e aos artistas, e pela captação de novos públicos. A Cooperativa Árvore vai homenagear, com exposições, alguns elementos importantes na história da instituição: Ângelo de Sousa, sócio número um da cooperativa; Henrique Silva, um dos grandes impulsionadores das oficinas, e Jaime Isidoro, artista e fundador da mais antiga galeria de arte portuguesa e da Bienal de Vila Nova de Cerveira. José Rodrigues, outro dos fundadores, vai ser homenageado através da criação do Prémio de Escultura José Rodrigues e de uma exposição de maquetes dos cenários que criou para teatro. Também homenageado vai ser Egito Gonçalves, homem das letras, poeta, tradutor e editor, desde sempre ligado à instituição. No Passeio das Virtudes, ou no jardim da instituição, vai ser colocado um bronze da autoria do escultor José Rodrigues, com uma sessão de leitura de poemas de sua autoria, depoimentos de amigos, uma exposição bibliográfica e a edição de desdobrável. Numa outra vertente comemorativa, estão previstas as exposições “50 Anos em Registo Fotográfico”, “XXVII Exposição Coletiva dos Sócios da Árvore”, “Obra Gráfica em Portugal no final do Século XX”, “História, Arte e Design”, além de uma mostra do agraciado com o Prémio de Artes Casino da Póvoa 2013.
A Cooperativa Árvore pretende realizar, ainda, dois ciclos de conferências e editar os livros “Esta Árvore é tua irmã”, “Os 50 anos da Árvore” e “Coleção de Fotografias”. Além disso, vai marcar presença em duas feiras de arte internacionais dedicadas à obra em papel (The London Original Print Fair, em Londres, e Estampa, em Madrid), dinamizar o 1º Fórum Internacional de Arte Pública e promover um Festival de Bandas Filarmónicas, um ciclo de exposições de jovens artistas e jovens comissários, o programa “O Olhar e a Boca” (que pretende cruzar pintura e gastronomia) e o simpósio “As pedras e as madeiras da Árvore” (envolvendo cinco escultores convidados), entre outras ações.
As comemorações contam com o alto patrocínio do Presidente da República e a Cooperativa Árvore pretende mostrar modernidade, mantendo o seu contributo para a divulgação do trabalho artístico e para a promoção de atividades culturais na cidade, no país e no mundo.

Maria João Leite

 


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo