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O que se ensina quando se avalia?

Criação de exames suplementares pode significar, implicitamente, o reforço e a valorização de uma pedagogia que não parte do aluno nem tem, muitas vezes, a intenção de a ele chegar.

O processo de avaliação em Educação é um dos dossiês mais controversos e difíceis. Há muitos anos que numerosos professores dizem que é a parte mais desagradável e difícil do seu trabalho: “gosto de ensinar, mas não gosto de avaliar”. Desagradável, sim, mas necessária. Seria absurdo que tivéssemos de repousar exclusivamente em opiniões, fossem elas dos professores, dos alunos, da gestão das escolas, dos pais, etc., para aquilatar da qualidade do ensino e da Educação. A necessidade de avaliar os processos educativos é inquestionável e nunca os profissionais e os estudiosos de Educação a puseram em causa. A questão não é tanto se é precisa a avaliação, mas que avaliação pode ser útil para o progresso do sistema educativo. Certamente que uma das componentes mais significativas da dificuldade que os professores sentem em avaliar os alunos se deve a uma separação entre o que o professor ensina e o que o aluno aprende. Raramente a avaliação consegue, se for exclusivamente centrada no ensino, captar toda a extensão do processo de aprendizagem. E por isso os professores ficam frequentemente desiludidos, e mesmo com algum sentimento de injustiça, ao aplicar as regras que lhes são indicadas ou que eles mesmo se impõem.
Uma avaliação que só avalie o que foi ensinado corre o risco de não avaliar o que foi aprendido e, sobretudo, como foi aprendido. Assim, precisamos de processos de avaliação que incidam sobre as oportunidades de aprendizagem que foram proporcionadas aos alunos, e para isso é necessário que o processo seja holístico – queremos dizer, que permita identificar objetivamente todas as aquisições que o aluno fez no contexto da escola, e isso inclui não só os conteúdos que foram aprendidos, mas também as competências, as estratégias de abordagem aos problemas e as capacidades de cooperação.
É evidente que a avaliação faz parte do processo educativo. Seria um erro grave separar um do outro: o que se avalia e a forma como se avalia está intimamente ligado ao que se ensina e como se ensina. É, pois, legítimo, considerando esta continuidade de objetivos e processos entre ensino e avaliação, perguntar o que é que se ensina quando se avalia. Imaginemos que o processo de avaliação incide sobre situações e competências estranhas àquilo que foi aprendido. Por exemplo, foi ensinado aos alunos que pode haver diferentes possibilidades de solução para um projeto. Posto isto, a avaliação incide sobre a aplicação de uma solução padronizada e única.
Então, o que se ensina quando se faz esta avaliação? Ensina-se que a única coisa que interessa é reproduzir o que esperam de nós e que o resto são fantasias inúteis e até prejudiciais. Avaliar significa “atribuir valor”. A avaliação significa que se vai dar valor àquilo que o estudante aprendeu e, por isso, é antes de mais um processo de reflexão sobre o caminho, sobre os resultados, sobre os sucessos e os insucessos do processo de ensinar e de aprender. Também sobre o empenhamento e a forma como se rentabilizaram as capacidades e as motivações dos estudantes e as estratégias de ensino. Numa altura em que tanto se valorizam as avaliações, com a criação de exames suplementares na carreira do aluno, cabe perguntar se estas avaliações não têm uma mensagem implícita, que pode significar o reforço e a valorização de uma pedagogia que não parte do aluno nem tem, muitas vezes, a sincera e comprometida intenção de a ele chegar.
É inevitável estabelecer uma relação destas reflexões com as medidas que o Júri Nacional de Exames instituiu – não permitindo qualquer adaptação de exames nas escolas – e reinstituiu em 17 de fevereiro de 2003 ao voltar a permitir estas adaptações.
As perguntas sobre este vai-e-vem de procedimentos são várias e gostaríamos de aqui as deixar: Será que o JNE entendeu que a não existência de adaptações no processo de avaliação é uma injustiça? Será que entendeu que não avaliar alunos com necessidades educativas especiais é um desrespeito para com o seu processo educativo? E ainda: estas medidas são estruturais ou foi a pressão da sociedade civil e das associações – entre as quais a Pró-Inclusão – que motivou esta mudança de procedimentos?

David Rodrigues


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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