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Alguns cortes (in)visíveis na Escola Pública

Em Portugal não há educação a mais. Há, sim, desenvolvimento a menos. A procura do equilíbrio desejável entre estas variáveis exigiria a continuação e o aprofundamento do percurso já feito pela Escola Pública. Mas, ao contrário, os factos indiciam a possibilidade de recuos significativos nesse caminho.

Entre as funções essenciais do Estado, a Educação é, provavelmente, a mais desvirtuada e mais sujeita a reformas, ‘refundações’, manipulações e cortes quando isso interessa às ideologias no poder. O longo tempo para o retorno do investimento em Educação fragiliza a sua condição de função social do Estado. Os efeitos das boas ou más políticas educativas, quando comparados com os das políticas noutros setores (saúde, economia, finanças, etc.), são, em geral, mais lentos – ocorrem ao fim de décadas, e mesmo de gerações. Esta décalage descansa os políticos e corresponde aos tempos que correm, de abandono e emagrecimento precipitado de setores essenciais do Estado, em favor da sua privatização, bem ao jeito da ideologia ‘Goldman and Sachs e FMI’ que agora nos governa.
Sobre a seriedade, fundamentação e oportunidade (oportunismo) do relatório encomendado pelo Governo ao FMI, para justificar esses cortes, já tudo foi dito. As suas conclusões e recomendações não constituem bases sérias para racionalizar a organização e as funções que o Estado deve perseguir. Ignoram avanços já realizados ao longo de anos nos diversos setores dessas funções e as competências e dedicação de muitos que para isso têm contribuído.
A generalidade dos dados revelam que a Escola Pública apresenta, nos últimos anos, os resultados de um longo percurso de mudanças e qualidade que agora estão cada vez mais à vista. A precipitada ‘refundação’ da educação pública não pode ignorar os grandes avanços na realização dos princípios de igualdade e universalidade das respostas inclusivas que só ela – e não os privados – pode assegurar, face à enorme diversidade dos alunos que a frequentam; nem os avanços ocorridos nos últimos anos na qualidade das aprendizagens, que colocam Portugal em lugares dignos de estudos internacionais nos domínios da leitura, da matemática e das ciências; nem o facto de a Escola Pública preparar melhor os alunos para terem sucesso no Ensino Superior, como concluiu um estudo recente da Universidade do Porto, facto que os rankings, mal explicados e fundamentados, ocultam.
Seria, portanto, expectável que a pretendida racionalidade da função educativa do Estado integrasse os percursos e as conquistas realizadas e lhes assegurasse continuidade. Mas a evidência parece contrariar tal expectativa.
Está, também, longe de toda a lógica dirigida a essa racionalidade, a dispensa de dezenas de milhares – e não uns milhares! – de professores, sem que tal não produza uma queda abrupta da qualidade da educação pública.
A esta perda social acrescem as perdas pessoais. À tradicional volatilidade do emprego docente, que ano após ano já se vinha agravando, juntam-se agora os efeitos demolidores de uma ideologia ultraliberal que aposta no Estado Social mínimo, com educação mínima, de custo mínimo, geradora de mão de obra disponível (desemprego) máxima, com salários mínimos.
Entre os profissionais com formações superiores especializadas, os professores são os mais expostos ao desemprego ou subemprego. Nas atuais circunstâncias, um professor que por vocação pessoal, formação, expectativas, dedicação e esforço, investiu na missão de educar e, depois de anos de serviço, é afastado, mais dificilmente do que muitos outros profissionais, com níveis semelhantes de formação, reencontra o seu lugar.
Mesmo a emigração, que o primeiro-ministro aponta como via para os desempregados, lhes abre menos oportunidades. A formação e o desempenho em algumas áreas da docência são, em geral, mais contextualizados numa cultura e num determinado sistema educativo, e para um leque específico de competências, condicionando, em certa medida, a sua aplicação noutros contextos nacionais e culturais. Este clima deixa a Escola Pública numa rota de perda da qualidade já adquirida, deixa a frustração nos que são afastados ou não entram na profissão, mas também nos que ficam.

Carlos Cardoso


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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