A utopia é algo que colocamos no horizonte – nós damos dois passos e a utopia dá dez, damos outros dois passos e ela dá outros dez, foge… A utopia serve para isso, para nos fazer caminhar.
[Fátima Vieira, 2013]
Acredito que há um risco, que é o de que as pessoas se indignem, protestem e depois tudo continue na mesma. É preciso que a indignação dê lugar a um comprometimento conjunto.
[Stéphane Hessel, 2011]
Esta é a edição número 200 da PÁGINA, uma edição de primavera produzida sob o signo da utopia e numa altura em que a vida nacional é atravessada por sucessivas marés de indignação. Ora, conforme lembrava Stéphane Hessel, o autor de “Indignai-vos!”, recentemente falecido, não existe indignação consistente sem trabalho de idealização antropológica e sem disponibilidade de compromisso. Mais do que a referência a narrativas sobre outros mundos possíveis, o que nos interessa aqui sublinhar é justamente o papel da “função utópica” enquanto procura perseverante das razões que nos fazem caminhar, mas caminhar sabendo para onde desejamos ir. O discurso utópico distingue-se de outras formas de discurso sociopolítico precisamente pela forma como alimenta as dinâmicas de reflexividade cívica, reenviando-as, em permanência, para um horizonte fundamental de sentido. Existe, na verdade, uma relação estreita entre utopia e humanismo, e de tal modo que podemos afirmar, sem qualquer hesitação, que um governo que deliberadamente promove a narcotização das vontades, que interdita e dificulta a prática de exercício utópico, é um poder perverso e desumano. Funcionando em circuito fechado, como se o seu centro de gravidade estivesse no interior de si mesma, a racionalidade política atualmente dominante inscreve-se nesta lógica de desumanização e de degradação dos poderes públicos. É preciso reconhecer, nem sempre o poder de que dispomos reflete o ideal de dignidade humana que preconizamos, como notou Adalberto Dias de Carvalho, outro dos nossos pensadores da utopia e um dos mais antigos colaboradores da PÁGINA. Precisamos, por isso, de ser capazes de manter uma atitude de vigilância crítica em relação aos governos, mas também em relação a nós mesmos, afirmando, sem descanso, a urgência de novas utopias. É necessário que nos indignemos e que combatamos com determinação os ataques dirigidos à democracia, mas essa indignação e esse combate só serão consequentes se o fizermos com consciência do caminho que desejamos seguir e, sobretudo, com sentido de compromisso. Nesta edição fala-se, pois, de utopia, fala-se de futuro, de resistência, de combate cívico e de rotas de mudança, lembrando sempre que os lugares de educação – as escolas, os centros de formação e todos os outros espaços de intervenção sociopedagógica – são lugares privilegiados de utopia, onde, de forma muito especial, aprendemos a ser praticantes da humanidade, com tudo o que tal implica de alegria, de esforço e de esperança. Lembramos aqui, neste sentido, uma das nossas datas históricas mais significativas – 8 de março, dia em que celebramos a condição feminina enquanto parte integrante da utopia consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e que, para todos os efeitos, deve continuar a funcionar como o referencial ético e político das sociedades democráticas. Declaradamente ao serviço da função utópica, a PÁGINA resiste, teimando em assegurar presença pública como um testemunho vivo e vibrante, tal como pretendemos ilustrar com a imagem que faz a capa desta edição. Contudo, a PÁGINA não é imune às dificuldades económicas e financeiras que explicam atualmente o sofrimento e o descontentamento dos portugueses. Na verdade, é em resultado de um grande esforço e graças, mais uma vez, à aposta política do Sindicato dos Professores do Norte que podemos garantir as quatro edições deste ano, sendo que uma delas, a de verão, será publicada online, evitando os pesados custos de impressão e distribuição. A energia utópica que sustenta este projeto editorial único reside, com efeito, numa comunidade de solidariedade e amizade exemplar. Uma comunidade permanentemente construída por educadores e investigadores, por colaboradores e leitores. Terminamos, assim, com uma mensagem em forma de apelo: assine, ofereça uma assinatura, escreva, leia, divulgue, distribua, partilhe, discuta a nossa revista. Esta é a sua Página da Educação, um lugar de expressão livre e de utopia, um lugar onde todos são chamados a apresentar-se na sublime condição de igualdade humana que brilha em cada rosto. Em cada rosto igualdade
Isabel Baptista
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