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A futebolização de todos nós

Parece que a mídia e seus produtos, sendo o futebol um deles, circulam livremente pelo mundo, compondo e recompondo as identidades de todos nós e de cada um em particular.

Afirmar que o futebol é hoje o esporte mais popular do mundo e o fenômeno cultural mais difundido do planeta já se tornou algo comum e de certa forma óbvio. Mais propício é apontar alguns aspectos que constituem a futebolização (termo derivado da equação dos conceitos de hibridação, globalização e espetáculo somados ao futebol e gerando uma nova linguagem) da cultura. Há países extremamente futebolizados, dentre os quais posso apontar o Brasil, a Inglaterra, a Argentina, a Itália, a Alemanha, assim como Portugal e Espanha, além de outros, principalmente da Ásia, que estão também passando por este processo identificado como pós-moderno por autores como Pablo Alabarces, Sérgio Fiengo e Franklin Foer, dentre outros.
Os ingleses – “criadores” da modalidade, ou pelo menos sendo aqueles que normatizaram o futebol em nível mundial – há muito tempo não conseguem vencer uma competição com o seu selecionado, apesar do forte investimento financeiro estrangeiro nos clubes britânicos. A abertura do mercado inglês do futebol provocou mudanças comportamentais tanto para os que estavam dentro (jogadores, comissões técnicas e dirigentes) como para os que estavam fora (torcedores) dos clubes.
O dinheiro de magnatas do leste europeu e do mundo árabe ajudou a reerguer várias instituições esportivas inglesas, com conquistas de títulos nacionais e internacionais, mas também exportou o conhecimento futebolístico para fora do país. Caíram as fronteiras e as barreiras culturais e econômicas, não só com o acesso e divulgação das imagens para todos os cantos do planeta e a venda de produtos para estes novos “clientes”, mas também com a entrada e saída de jogadores e técnicos de inúmeras nacionalidades.

O fenômeno mais recente da futebolização é o jogador ítalo-ganês Mario Balotelli, destaque da Eurocopa 2012. Filho de imigrantes ganeses, ele nasceu em Palermo e foi abandonado pelos pais em um hospital de Brescia, onde viveu sob cuidados médicos até os dois anos de idade, sendo entregue para a adoção. A nova família, de origem judaica, batizou o menino com o sobrenome Balotelli, mas sua nova nacionalidade só foi concedida quando completou 18 anos de idade. Antes, o jovem Mario era considerado um cidadão do mundo. Defendendo atualmente o Manchester City, clube revigorado pelos investimentos do petróleo árabe, Balotelli se tornou ícone da luta contra o racismo no futebol. Ganês de origem, italiano por adoção, com marcas culturais judaicas, e momentaneamente inglês por força do mercado futebolístico, o jogador – com boa qualidade técnica – constantemente é alvo de críticas e polêmicas em virtude de seus atos e declarações extra-campo. Balotelli converteu-se apenas em mais uma mercadoria.
Não é italiano, judeu, ou inglês, e penso que também não se sente ganês, ainda que seja bastante controverso tentarmos defender a pureza de qualquer nacionalidade em tempos líquidos.
Diante da conturbada vida que teve até agora, tais circunstâncias não surpreendem.

Esses apontamentos e situações também podem ser aplicados às crianças e jovens produzidos pela futebolização da cultura e que espetacularizam seus corpos em busca de identidades vinculadas às celebridades. Crianças e jovens observam que uma identidade coesa, firmemente fixada e solidamente construída seria um fardo, uma coerção, uma limitação de liberdade de escolha na contemporaneidade.
O futebol pós-moderno, extremamente midiatizado e espetacularizado, buscando a cada dia novos mercados e clientes, produz novos comportamentos em empresários, dirigentes, atletas, torcedores e admiradores, sejam estes adultos constituídos e estabelecidos economicamente ou recém-nascidos que ainda trilharão seus caminhos identitários e profissionais.
As culturas não são eternas e imutáveis. Quando elas recebem incentivo para mudar – como a perspectiva de vencer mais partidas de futebol, ou talvez a perspectiva de enriquecer –, elas podem mudar. Não há como não admitir este processo de futebolização, principalmente na maioria dos países que carregam fortes marcas desta modalidade esportiva. Parece que a mídia e seus produtos, sendo o futebol um deles, circulam livremente pelo mundo, compondo e recompondo as identidades de todos nós e de cada um em particular.

Rodrigo Koch
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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