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A escola do aluno caminhador

Ao fincar-se na “meritocracia”, os governos preferem investir em ridículas apostilas com que desejam controlar o que a cada dia e a cada hora docentes e discentes devem fazer para se saírem bem nas provas que os vão avaliar.

A parte do mundo que, por questões de natureza cultural, tornou-se dependente da leitura e da escrita para a consecução de ações que visam à subsistência de vários grupos sociais, depende também da Escola para “ensinanças” e aprendizagens dos mais novos e dos mais velhos que, por uma série de problemas de ordem social, não tiveram oportunidade de freqüentá-la nos primeiros anos de vida. É a Escola a quem, mesmo contra o ceticismo de alguns, confiamos para ajudar na educação de nossos jovens, na condição de mediadora nos processos de tessituras de conhecimentos e significações.
No Brasil, a escola inicial é chamada de fundamental, agora com nove anos de estudos.
Ela é pressionada por seus estudantes e suas famílias que, incessantemente, desejam ocupar seus lugares na aventura do saber e fazer. Na parte de cima, a esperar pelos que conseguiram passar pelo “gargalo”, está a escola de ensino médio. Com pequenas modificações de caráter regional, assim funciona a escola básica brasileira. A próxima etapa, já é uma instituição entendida como “para os mais aptos” e reservada àqueles que desejam e conseguem prosseguir nos estudos de nível superior.
Somente por essas razões, já poderíamos intuir que a escola de ensino fundamental, devido às pressões que sofre das camadas inferiores e superiores, e pela concordância da sociedade de que ela seja obrigatória, deveria ser uma escola de “alunos caminhadores”.
Quero dizer com isso, que o tempo que a criança passa na escola deveria representar os movimentos a que os estudantes têm direito de fazer para caminhar para dias melhores.
Nessa situação, no entanto, encontramos muitos trabalhando na criação de processos curriculares que atuem na direção de experiências interessantes. Apostam que mudanças nas escolas, principalmente a pública, dependem mais de investimentos na melhoria de sua qualidade do que em exaustivas e ineficazes reuniões para decidir se a escola deve reprovar ou não. Várias instituições experimentaram, e ainda o fazem, a proposta de que todos aqueles que optam por submeter-se à obrigatoriedade dos anos regulares do ensino fundamental devam receber o certificado que, longe de ser um espelho de notas ou conceitos, lhe valerá por toda a vida como interessante passaporte para a cidadania plena.
Além do hábito estimulado por nós para que meninos e meninas caminhassem pelos laboratórios, essa é a razão pela qual demos à nossa escola o nome de Escola do Aluno Caminhador. Inexoravelmente caminhadores para um futuro que necessariamente será deles, como entendemos. Essa escola existiu no município de Angra dos Reis, no sul do estado do Rio de Janeiro, por mais de dez anos.
Mas se existem escolas assim, por que as esferas públicas não investem em propostas similares? O problema, a nosso ver, tem dois pontos cruciais: (1) indisposição para investir na melhoria da qualidade da escola pública; (2) incompreensão das esferas governamentais para o fato de que a escola de ensino fundamental, além de sua função de ensinar a ler e escrever, deva ser um espaço promotor da felicidade.
Ao fincar-se na “meritocracia”, os governos preferiram investir na distribuição perversa de livros desnecessários – toneladas são levadas aos incineradores, país afora, todos os anos – e em programas de avaliação externa que escancaram as suas portas para fraudes de todo tipo e para todas as vis necessidades. E, no momento presente, em ridículas apostilas com que desejam controlar o que a cada dia e a cada hora docentes e discentes devem fazer para se saírem bem nas provas que os vão avaliar.
Resta ainda a interrogação que cansamos de ouvir: e se o aluno, em seus anos de escolaridade combinados, também em tese, nada aprender? Para nós, essa questão é tão grave que a negação do certificado de conclusão a um aluno dessa natureza representa o que de mais doloroso um indivíduo poderia ter em vida. Não conceder a ele, numa sociedade cobradora como a nossa, o direito de dizer a todos até onde ele pode caminhar, soa como a negação de algo que lhe mandaram buscar para o enfrentamento das adversidades.
É como se alguém tivesse trabalhado apenas meio expediente e o contratante resolvesse não lhe pagar nada. Isto sem considerar que o “nada aprender” não faz parte da condição humana.
Essas ideias estiveram na criação da proposta da Escola de Alunos Caminhadores. Todos os estudantes que por ela passaram e com os quais convivemos em Angra dos Reis, seguem prestando bons serviços à sociedade. Nenhum chegou às páginas dos jornais que anunciam o fim do túnel com o ingresso na criminalidade. Seja na coleta de lixo domiciliar, seja como professores da rede pública, os agora trabalhadores, que vivenciaram os bons dias de projeto na Escola Municipal Benedito dos Santos Barbosa (primeira escola de alunos caminhadores), são unânimes em dizer que nela passaram os melhores momentos de suas vidas.

António Eugênio do Nascimento
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil (doutorando)


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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