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Os professores no centro das reformas educativas

Governos nacionais, organizações internacionais e até organizações não governamentais internacionais assumem que a qualidade e desempenho dos sistemas educativos dependem cada vez mais daquilo que os professores sabem e fazem na sala de aula.

Ainda que esta hipótese pareça ser muito simples, deve assinalar-se que a política educativa nem sempre se centrou nos professores como fator chave da aprendizagem, ou como atores fundamentais da mudança educativa. Por exemplo, até há algumas décadas, as reformas educativas para assegurar a aprendizagem enfatizavam a produção de teacher proof materials.
Assim, um desenho adequado do curriculum devia atuar como um antídoto para a suposta baixa qualidade do ensino e como um mecanismo para garantir o chamado back to basics, isto é, o regresso ao ensino do conhecimento tradicional essencial. A melhor reforma educativa era, pois, aquela que podia neutralizar a má qualidade e, sobretudo, a ideologia de esquerda de alguns professores. A Nova Direita, por exemplo, liderada por Margaret Thatcher em Inglaterra, foi particularmente ativa no impulso a reformas educativas que pressupunham uma clara erosão do prestígio dos professores e punham em questão a sua profissionalidade.
Nos países em desenvolvimento, os programas de ajustamento estrutural empreendidos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional na década de 1980, repercutiram-se num tipo de reformas educativas dirigidas ao corte na despesa pública em educação através da redução dos salários professores e, por vezes, pela substituição de professores por outros profissionais sem credenciais. Os resultados dessas políticas são conhecidos: em muitos países em desenvolvimento, tiveram efeitos devastadores na qualidade educativa da escola pública e na alta taxa de abandono do sistema de professores qualificados.
Hoje em dia, o cenário parece ser diferente. A aprendizagem é o novo mantra das reformas educativas, palavra-chave da última estratégia educativa do Banco Mundial para o ano 2020. Paradoxalmente, os professores parecem ser o único input educativo que continua a ser relevante para compreender a aprendizagem.
A alta correlação entre a qualidade docente e o desempenho dos alunos no PISA [Programme for International Student Assessment] é uma das características mais visíveis do sistema de educativo finlandês, modelo admirado pelos países mais desenvolvidos.
A nova ênfase na qualidade dos professores como fator de melhoria do rendimento académico é evidenciada no trabalho de autores como Eric Hanushek, que chegou a propor uma política educacional de des-seleção de professores. De acordo com Hanushek, a expulsão do sistema de professores menos eficazes, produziria, sem dúvida, um efeito positivo nos resultados escolares.
Portanto, não é por acaso que um dos novos métodos “científicos” que o Banco Mundial e muitos governos nacionais estão a utilizar para analisar o rendimento escolar consiste em calcular o valor acrescentado que os recursos humanos supõem na comparação dos resultados educativos. A questão a ser respondida é então a seguinte: que parte do desempenho educativo é explicável pela qualidade dos professores, mantendo constantes outras variáveis, como a origem social dos alunos ou o contexto social da escola?
A consequência, em termos de responsabilidades em política educativa, é evidente: se algumas escolas de zonas desfavorecidas e com estudantes carenciados conseguem obter bons resultados educativos, então todos os professores que trabalham no mesmo tipo de escola também o podem fazer. Os professores são considerados, portanto, os protagonistas do processo de ensino-aprendizagem.
Mas este protagonismo também os coloca no lugar de potenciais vitimas, quando se trata de encontrar os culpados do fracasso escolar ou do baixo rendimento global do sistema.
Paradoxalmente, depois de décadas de investigação educacional sobre a eficácia da escola, sobre o efeito da introdução das TIC na sala de aula, ou mesmo sobre os efeitos de certos métodos de ensino no desenvolvimento neuronal das crianças (como no caso do denominado “Baby Einstein”), ou seja, depois de décadas a ignorar o fator humano na mudança educativa, os professores parecem estar de volta como agentes cruciais do processo de aprendizagem. No entanto, fica a dúvida se esta nova centralidade discursiva do papel do professor se traduz eficazmente em condições de confiança no trabalho de ensino e na sua autonomia para levar a cabo a mudança educativa.
As reformas educativas baseadas nos professores situam-se no contexto das tendências globais das reformas da gestão e prestação de contas no setor público. Os novos métodos de avaliação de professores, o novo desenvolvimento do currículo baseado em competências, os novos processos de descentralização e autonomia da escola, mais do que gerar confiança no labor dos professores, parecem colocar mais pressão sobre seu trabalho e desempenho diários e transferir a responsabilidade do desempenho dos alunos para os próprios professores.
A grande maioria destas políticas ignora o contexto social em que se desenvolve o trabalho dos professores e as condições estruturais do processo de aprendizagem. Além disso, os mecanismos baseados em incentivos raramente estão relacionados com o trabalho e desempenho nas escolas em zonas desfavorecidas. Isto tende a exagerar o efeito perverso de enviar os melhores professores para as melhores escolas e deixar os profissionais menos brilhantes – possivelmente aqueles que Hanushek quer eliminar do sistema – nos centros escolares mais pobres.
Felizmente, os professores não assumem acriticamente esta nova vaga de reformas educativas. Algumas respostas são de acomodação e de adaptação, mas outras são de aplicação seletiva das reformas, de instrumentalização e mesmo de resistência. É nesta relativa autonomia dos professores que reside a possibilidade de resistir a um modelo que, em última análise, visa aplicar a lógica do management empresarial aos serviços públicos e, sobretudo, responsabilizar os atores e não as políticas pelos possíveis males do sistema.

Xavier Bonal


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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