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A escola continua. De pé, como as árvores

O MEC arregaçou as mangas como quem vai lavar a loucinha toda e toca a preparar horários-zero, como já tinha feito outro ministério no tempo de outra senhora. Mas enquanto essa fez aquilo com uma perna às costas, este coitado não sabe – sendo de Matemática, fartou-se de lavar roupa na praça da Educação, e agora engana-se nas contas...

O final do ano letivo foi de tal maneira imprudente, com o senhor ministro e os senhores secretários de Estado a porem as comunidades educativas feitas baratas-tontas, que não há, nem haverá tão cedo, professor, aluno, encarregado de educação, operador educativo, ou qualquer outro agente que se articule com a Escola, que não ande com a pulga atrás da orelha.
Primeiro, aquela ordem para criar mega-agrupamentos à viva força, como se fosse o grande negócio da China (e como esta expressão tem ganho atualidade…): conseguir retirar do sistema praticamente todos os professores contratados de que a Escola necessitou durante anos e anos… e de que continua a precisar.
Depois, modificar o currículo de forma a dispensar não sei quantos docentes do quadro, de preferência os que estão ligados a disciplinas que se prendem com as expressões artísticas. Até porque, como disse o senhor ministro na Assembleia da República (que eu bem o ouvi, e fiquei com o coração tão apertadinho, tão pequenino…), que não se podia andar a tratar da criatividade se os alunos não sabiam ler, como se alhos tivessem a ver com bugalhos – e fiquei bem mais resolvido a agarrar com unhas e dentes esta luta pela Educação em Portugal, porque ela bem precisa de gente que tenha passado pelas escolas e saiba como se fazem e podem compor as coisas.
O grave da situação é termos uma equipa responsável pelo Ministério da Educação e Ciência cuja cultura parou não sei bem em que século; uma equipa para quem todo o trabalho de aprendizagem (conteúdos e metodologias) que se realiza para além de determinadas áreas não é reconhecido, ao contrário do que é recomendado em todo o mundo, por entidades como a OCDE, o UNICEF e muitas outras.
Repare-se que não se trata somente de uma opção política de esquerda ou de direita, mas do facto de Portugal ter, de há bastantes anos a esta parte, um conjunto de partidos de direita de muito pouca qualidade. Para além da equipa ministerial, no dia em que foi ouvida pela Comissão Parlamentar de Educação a que me refiro, foi com angústia que ouvi as interpelações de Emídio Guerreiro (PSD) e de alguns jovens deputados do CDS-PP – de tão fraca qualidade, que até parece que estes partidos vão escolher os seus deputados para a Educação a qualquer bar da esquina, à sorte, sem qualquer investimento no assunto.
Não foi por acaso que o senhor ministro idealizou turmas de 30 alunos, como acontecia antigamente: em primeiro lugar, porque só conhece a escola do seu tempo, quando a maior parte dos jovens não ia à escola, ou se iam e não se sujeitavam à cultura dominante (muito provavelmente bastante distanciada da sua), eram sujeitos a castigos abomináveis, marcantes para toda a vida, e acabavam por abandonar a escola; em segundo lugar, porque talvez seja mesmo essa a Escola Pública que o seu Governo idealiza: pobre, dos pobres e sem necessitar de ser para todos.
Neste ideal de Escola Pública, o ministério arregaçou as mangas como quem vai lavar a loucinha toda e toca a preparar horários-zero, como já tinha feito outro ministério no tempo de outra senhora. Mas enquanto essa fez aquilo com uma perna às costas, este coitado não sabe – sendo de Matemática, fartou-se de lavar roupa na praça da Educação, e agora engana-se nas contas...
Pois se cria horários-zero a tantos professores do quadro em todas as escolas, em que escola os vai meter?
Lá se convenceu o senhor ministro que comprou gato por lebre. E quando milhares de professores estavam já a pensar que podiam ir parar onde Judas perdeu as botas (e que o ministro é que devia batê-las), eis que, numa bela sexta-feira, no meio da traquitana sem leme nem beira, as comissões de administração provisória receberam ordem do ministério – num grande volte-face, engolindo todos os sapos e dando o bracinho a torcer – para ocuparem os professores de horário-zero.
Parece que eram mais de oito mil sem trabalhar, mas a receber… O que em tempo de crise não levava a poupança nenhuma. E agora?
Os docentes de horário-zero vão trabalhar em apoios de “Sucesso e Prevenção do Abandono Escolar”. Isto somado às horas não letivas dos outros docentes e a outras medidas que entretanto foram acrescentadas em vários volte-faces (e nos mais que aí virão) vai fazer com que as escolas se organizem logo no início do ano em várias modalidades de apoio, porque quem vai para o mar avia-se em terra.
O grande problema é que vamos ter professores a dar aulas e outros a dar apoios. Mas as escolas sabem muito bem que os professores de horário-zero não são todos vocacionados para trabalhar em apoios; vão precisar de ter equipas para coordenar e orientar tudo isso: professores com experiência de apoios + professores de educação especial + psicólogos + …
Os diretores das escolas sabem como foi difícil, nomeadamente com este Governo, obter autorização para concretizar determinados modelos de apoio, alguns dos quais os conselhos pedagógicos conhecem tão bem.
Na sua maioria, foram mesmo negados certos apoios, certos créditos horários. Podemos agora usufruir deste erro de Crato – é ele quem tem de dar a cara…
Concluindo: melhor que a equipa ministerial estivesse quietinha; as escolas saberiam bem tratar de tudo. Como sempre: de pé, como as árvores!

José Rafael Tormenta


  
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Edição:

Edição N.º 198, série II
Outono 2012

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