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o Natal e a saúde

Trabalhar à volta da escola

O Programa Nacional de Saúde Escolar preconiza o trabalho com os estabelecimentos de oferta alimentar existentes no envolvimento das escolas. Nesta vertente comunitária, os trabalhos desenvolvidos por alunos, docentes e funcionários fora do âmbito curricular, bem como pelos encarregados de educação, constituem uma riqueza sinérgica para os diferentes determinantes de saúde. Concentrando-nos na alimentação saudável, como pode esta dimensão ser trabalhada a pensar no Natal? Por que não é tradicionalmente trabalhada nas escolas? 

Costumamos dizer que com tanto ainda por fazer na escola, e com tantos cuidados de segurança na actuação externa, nem professores nem alunos se atrevem a pensar para o exterior da escola. Será que os alunos podem influenciar os estabelecimentos comerciais que rodeiam a escola a oferecer alimentos saudáveis? Como? Como em qualquer bom projecto, a fase de planeamento é essencial. Planear envolvendo alunos, professores, funcionários e famílias, ou seja, a dimensão ecológica ou comunidade educativa, é crucial: mensagem, duração da campanha, meios a usar, tarefas específicas, tempos de actuação... Usando a primeira questão: os estabelecimentos que oferecem alimentos deveriam estar, durante os meses de Outubro, Novembro e Dezembro, a ser alvo de uma campanha informativa de divulgação da campanha e de angariação de adesões; de formação aos participantes sobre alimentos a expor/não expor e a promover; de consultoria e apoio à participação e de divulgação das acções e resultados obtidos. É um projecto escolar ou da saúde? Por que não dos dois? Com recursos tão escassos, as parcerias são sempre importantes. O terceiro elemento é o target – não acredito em projectos sem a participação activa deste, a menos que o objectivo seja apenas de sensibilização. Para que a campanha seja eficaz, os estabelecimentos de oferta alimentar têm de se sentir envolvidos desde o início e participar activamente na campanha.

Facilitando a intervenção:

a) Quem é o motor. Como em qualquer bom projecto, encontrar facilitadores cataliza a eficácia e a eficiência, permitindo fazer o que realmente queríamos com menos recursos dispendidos, quer de tempo, quer de capital. Quem melhor do que os próprios para facilitar a implementação? Quem são as pessoas, no comércio peri-escolar que todos conhecem? Quem são as pessoas que têm historicamente levado a cabo actividades na comunidade, como organizado viagens, festas? Quem é o motor das notícias à volta da escola? Todas as escolas conhecem quem na redondeza é líder de opinião; essa pessoa é a primeira a conquistar para o projecto escolar. Muitas vezes os comerciantes à volta da escola têm familiares na escola, desde crianças, a funcionários docentes ou outros.

b) O lucro real. Se o objectivo é a saúde, o lucro é a dobrar. Não apenas económico, pois a prazo é sustentável, mas também ajuda a que o capital genético de saúde seja prolongado. Se melhorarmos a qualidade nutricional dos alimentos a oferecer, diminuindo a oferta de alimentos de elevada densidade energética e aumentando a de alimentos de elevada densidade nutricional, promovemos saúde física real.

Diminuímos os custos com medicamentos, exames médicos, hospitalizações e, em simultâneo, promovemos o consumo de alimentos naturais ou pouco processados de produção local, fomentando a riqueza local.
Exemplos: os alunos fazem um levantamento de pratos típicos de diferentes regiões do país ou de diferentes países no mundo ou, ainda melhor, das regiões de que os seus pais são originários. Dos diferentes pratos, identificam os ingredientes e modos de confecção; classificam-nos em saudáveis e não saudáveis; dos não saudáveis, propõem a substituição por ingredientes ou modos de confecção mais saudáveis. Reescrevem os pratos, comparando valores nutricionais do tradicional e do mais saudável e expõem-nos nas paredes da escola; constroem um folheto/brochura para levar para casa ou digitalizam e divulgam no blogue da escola; imprimem exemplares e a direcção da escola distribui nas casas comerciais.
Um exemplo concreto: as rabanadas fritas com calda de açúcar e vinho do Porto, que passam a ser assadas e polvilhadas com canela e açúcar, diminuindo a quantidade de gordura, álcool e açúcar e consequentemente de valor calórico total. As casas comerciais à volta da escola podem oferecer estas rabanadas a um preço mais baixo do que as outras, em conjunto com o folheto produzido pelos alunos com a comparação de valores nutricionais.
Outro exemplo: um batido de iogurte ou de leite em vez de gelado, com fruta natural em vez de compota ou concentrado, pode ser uma oferta promovida com cartazes ou mobiles construídos pelos alunos em Educação Visual para informação de teor de fruta, fibra, cálcio, proteína e Kcal, de forma a contribuir para a literacia nutricional. Se acrescer, por parte dos gerentes das casas comerciais, a decisão de que gomas e outros produtos alimentares menos saudáveis não são colocadas à vista, a campanha O Natal e a saúde – trabalhando à volta da escola tem hipóteses de ser um sucesso.
E a avaliação? Sem medir, como saber se ganhamos algo? Quantos alimentos em promoção saíram durante a campanha? O valor dos alimentos da campanha é superior, igual ou inferior ao dos alimentos que as pessoas levaram em alternativa? O valor nutricional dos alimentos com a construção de um score de saúde mais complexo...
Se nenhuma destas formas de avaliar for exequível, pelo menos uma folha de papel com Sorriso ou Decepção para o consumidor colocar numa caixa do estabelecimento, caso tenha gostado ou não da campanha, poderia ser contabilizado no final. Os líderes da comunidade enviariam os dados recolhidos aos professores e alunos para trabalharem no âmbito de uma disciplina e comunicados à Saúde Escolar, para análise e construção de um relatório e divulgação dos resultados. A terminar, uma pergunta impõe-se: como é que nos podemos continuar a dar ao luxo de não trabalhar o peri-escolar?

Débora Cláudio


  
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Edição:

Edição N.º 195, série II
Inverno 2011

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