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EFA, uma agonia anunciada

A propósito de uma avaliação que estará a ser feita e que ninguém sabe quando estará terminada, estão a ser impedidos o funcionamento de muitos CNO, a continuidade de diversos projectos e a abertura de novos cursos EFA, configurando um novo e profundo retrocesso na educação de adultos que urge travar.

A Educação e Formação de Adultos (EFA) tem sido um campo de acção educativa marcado por profundos debates sobre os seus objectivos e modos de organização e funcionamento. Numa visão redutora e funcionalista, que marca hoje os discursos europeus dominantes sobre Aprendizagem ao Longo da Vida, têm-lhe sido atribuídas, essencialmente, funções de qualificação da mão-de-obra para um mercado de trabalho em constante mutação, de gestão social do desemprego e dos fenómenos de exclusão social, de adaptação passiva das pessoas a um mundo em mudança, cujo sentido não seja questionado. Enquanto importante direito social, tem sido assumida, por muitos outros, como um processo emancipatório, potenciador das capacidades individuais e colectivas de leitura e compreensão do mundo e de intervenção crítica e criativa nos processos de transformação e de mudança social. Nesta tensão entre mandatos tão diversos, a Educação de Adultos tem atravessado fases de maior desenvolvimento ou de estagnação, marcadas claramente por diferentes ciclos políticos. A momentos de algum avanço, têm-se sucedido fases de grande retrocesso, com a extinção de muitas das estruturas anteriormente criadas, o desaproveitamento dos saberes e experiências de muitos profissionais, o total desrespeito pelos adultos envolvidos nos processos em curso. Foi assim com a extinção da ANEFA, em 2002, durante o governo de Durão Barroso e, mais uma vez, é nesta situação que, tristemente, nos encontramos. Para além de muitas e diversas críticas de que podem ser alvo as políticas de formação de adultos que vinham a ser implementadas no âmbito da Iniciativa Novas Oportunidade, é indiscutível que, nos últimos anos, se assistiu a um grande incremento do trabalho e da intervenção nesta área, como o demonstram os 448 centros Novas Oportunidades (CNO) existentes em Julho de 2011, o envolvimento de diferentes entidades e de mais de um milhão de adultos e de 9.038 profissionais, de acordo com dados da Agência Nacional para a Qualificação.

As políticas e práticas que vinham a ser desenvolvidas foram claramente marcadas por um grande número de ambiguidades quanto aos seus objectivos e modos de operacionalização, que não podem ser ignoradas. Por um lado, os discursos de apresentação do programa incidiam na necessidade de aumentar os níveis de qualificação dos portugueses, tendo em vista o aumento dos índices de produtividade e de empregabilidade e o combate à exclusão social, e os níveis de certificação escolar e profissional, com o objectivo de atingir os patamares médios dos países da comunidade europeia. Por outro lado, as metodologias preconizadas, reconhecendo as histórias de vida de cada um como percursos de formação e o valor das aprendizagens experienciais realizadas em diferentes contextos, permitia encarar a formação como um processo muito mais complexo e enriquecedor, potenciando os saberes de cada um e a valorização individual e colectiva desses mesmos saberes, abrindo caminho para processos formativos questionadores e emancipatórios. A preocupação com o cumprimento de diferentes indicadores estatísticos levou à imposição de metas irrealistas (a nível nacional e para cada CNO), que não foram cumpridas, mas que acabaram por contribuir para uma certa descredibilização do processo e para alimentar uma campanha de desconfianças e críticas ao seu “facilitismo”. Esta campanha envolveu diversos meios e diferentes comentadores e fazedores de opinião (a maior dos quais sem nenhuma informação fundamentada sobre o assunto), sendo, também, alimentada por alguns profissionais da área, pouco sensíveis às especificidades dos públicos com que trabalhavam, e teve como consequência a desvalorização do esforço e empenhamento de muitos milhares de adultos e do conjunto dos profissionais envolvidos. O que estava em causa em muitas destas críticas não era uma análise aprofundada dos problemas existentes e a procura de soluções que permitissem a sua superação, e muito menos o reconhecimento de muitas das suas potencialidades (que muitos estudos, nacionais e internacionais, realizados por diferentes entidades, revelam), mas a recusa, não sustentada cientificamente e ideologicamente preconceituosa, em admitir a existência de saberes em pessoas pouco escolarizadas. 

É neste quadro que podem compreender-se as afirmações de diferentes membros do Governo a propósito da certificação da ignorância e as decisões do Ministério da Educação, que, a propósito de uma avaliação que estará a ser feita e que ninguém sabe quando estará terminada, estão a impedir o funcionamento de muitos CNO, a continuidade de diversos projectos e a abertura de novos cursos EFA, traduzindo-se já no despedimento de um grande número de profissionais e no malbaratar de um património de experiências e conhecimentos entretanto adquiridos, configurando um novo e profundo retrocesso na Educação de Adultos que urge travar. O que está a passar-se não pode também ser compreendido, na sua complexidade, sem ter em conta que, ao mesmo tempo que se limitam certas práticas, se continua a fomentar a abertura de cursos de “competências básicas” em leitura, escrita, cálculo e uso de tecnologias de informação e comunicação, não conferentes de qualquer nível de certificação, para os quais estão compulsivamente a ser encaminhados muitos adultos beneficiários do Rendimento Social de Inserção e desempregados de longa duração. Para estes, a formação, limitada à aquisição de conhecimentos mínimos a nível do saber ler, escrever e contar de triste memória, assume um carácter obrigatório, transformando-se num instrumento de controlo social. Talvez, afinal, estas últimas medidas nos ajudem a compreender os verdadeiros motivos do ataque em curso contra a EFA: o receio de que adultos com maiores níveis de formação e certificação, mais auto-confiantes, com maior consciência de si enquanto pessoas possuidoras de conhecimentos e saberes, possam ser, também, mais exigentes no que se refere ao respeito pelos seus direitos, a serem tratadas com dignidade e a terem a qualidade de vida que merecem, isto é, socialmente mais críticos e politicamente mais intervenientes.

Teresa Medina


  
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Edição:

Edição N.º 195, série II
Inverno 2011

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