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Páginas de Vida e de Democracia

Queremos uma Página que cruze a racionalidade da ciência com o saber e a emoção da poesia. (…) Uma Página que contribua para defender o prazer do trabalho sem nos fazer esquecer que a vida tem outros prazeres. Uma Página sempre aberta, que contribua para nos inquietar e libertar do fatalismo e do pessimismo e nos ajude, pelo menos de vez em quando, a dizer como disse o poeta “eu não vou para aí”.

José Paulo Serralheiro, em «Reinventar os Sistemas Educativos» [coleção A Página nº 1, Profedições - Porto, 2011]

De que tipo de democracia falamos? A palavra democracia tende a ser acompanhada de adjectivos que vão desde a sua adulteração até à sua crescente autenticidade: fala-se de democracia orgânica, representativa, parlamentar, participativa, vital... Ou seja, há espécies distintas, umas mais valiosas do que outras.

Miguel Ángel Santos Guerra, em «El Árbol de la Democracia» [coleção A Página nº 2, Profedições - Porto, 2011]

Propositadamente encabeçado por duas citações retiradas das primeiras obras da coleção a Página, o novo projeto da Profedições desenvolvido no âmbito das comemorações dos vinte anos da nossa revista, este editorial pretende ser dedicado ao elogio da democracia, esse ideal de vida pública nascido na Grécia, um país europeu detentor de um património de referência matricial para a cidadania universal contemporânea.
É verdade, foi há precisamente vinte anos, em 21 de Dezembro de 1991, que saiu o número zero d’A Página da Educação, dando assim início a um ciclo ininterrupto de publicação suportado por uma forma única de viver e pensar as questões da educação, da liberdade e da democracia. Não é fácil assegurar a sustentabilidade de uma dinâmica desta natureza, mantendo e renovando em permanência o compromisso de liberdade, partilha, exigência, rigor e pluralismo. No que diz respeito às diferentes espécies de democracia, a nossa opção foi sempre muito clara e, apesar das atuais dificuldades, reiteramos o compromisso de origem, prometendo entrar no novo ano com novas rubricas, novas propostas de trabalho e novas colaborações.

Os vinte anos da PÁGINA são indissociáveis dos trinta anos de vida do Sindicato dos Professores do Norte, conforme recorda o artigo assinado por Ana Brito Jorge. Neste sentido, o elogio da democracia é também, e forçosamente, o elogio do sindicalismo enquanto espaço de intervenção cívica gerador de indignação consequente.
E, nessa medida, um campo privilegiado para o desenvolvimento da democracia num tempo particularmente difícil e desafiante.
As pessoas, os profissionais, as organizações, as comunidades, confrontam-se com situações de mal-estar imprevisíveis há pouco tempo. No lugar do poder criativo e subversivo da participação democrática, vingam hoje argumentos de autoridade sem rosto, associados a discursos sobre “lideranças” absolutamente necessárias,
Páginas de Vida e inapeláveis e urgentes. Centrados na separação conveniente entre líderes e liderados e confundindo os estilos de liderança democrática com os estilos pessoais dos líderes, estes discursos são muitas vezes indutores de formas de participação forçada, justificadas pelo medo e pela desconfiança. Expressões como “não se discute com o nosso banqueiro” ou “mais vale um problema de consciência do que um problema de liquidez” tendem a caracterizar o ethos social contemporâneo, numa lógica de progressivo obscurecimento da verdadeira ‘arte da vida’.
Neste contexto, multiplicam-se as declarações de pessimismo e fatalismo, conferindo mesmo uma certa aura de inteligência e lucidez a quem as profere, como notou Luc Ferry. Procurando contrariar essas disposições trágicas e crepusculares, a PÁGINA assume-se como agente de mudança e de futuro, procurando explorar o lado mais criativo e não-definitivo do tempo. Uma exigência que ganha particular acuidade neste tempo complexo que agora vivemos, um tempo perturbado por inesperadas desconstruções e por cenários de futuro cada vez mais sombrios.

Destacamos nesta linha de reflexão e de compromisso as palavras dos nossos ilustres entrevistados. Com António Fonseca, investigador e docente universitário, somos desafiados a perspetivar as complexas questões da solidão, da pobreza e do envelhecimento num quadro amplo de reflexão, concluindo que “afinal há vida ativa depois da reforma”. Uma ideia reforçada pelos testemunhos pessoais recolhidos junto de um conjunto de professores aposentados. Olga Pombo, docente e coordenadora científica do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa convida-nos a reflectir sobre a ideia de escola, esse lugar onde a memória se faz futuro por força do exercício docente. Neste registo de participação, contamos ainda com o contributo do compositor/professor António Pinho Vargas em conversa sobre a sua obra e em torno da vida cultural do país.
Chega assim aos leitores mais uma edição de Inverno, protagonizada por novos e antigos colaboradores que, numa base permanente, têm ajudado a manter viva a PÁGINA ao longo destes anos. Obrigada a todos. Com o nosso pensamento e a nossa ação, juntos continuaremos a produzir futuros de esperança. Parafraseando Santos Guerra, nada é mais estúpido do que lançar-se com eficiência na direcção equivocada. Por outro lado, não basta encontrar um rumo. Numa intervenção proferida na Conferência Nacional sobre o Ensino Superior, promovida recentemente pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), António Nóvoa refletia sobre o tipo de universidades que queremos para o século XXI português, interrogando-se sobre quem estaria disposto a bater-se por elas. Neste caso, cabe-nos perguntar, que espécie de democracia, de sociedade e de escola é que queremos? E quem está, realmente, disposto a bater-se por esses desejos de futuro?

Que o novo ano represente um novo ciclo de democracia, solidariedade e esperança!

Isabel Baptista


  
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Edição:

Edição N.º 195, série II
Inverno 2011

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