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A Educação de amanhã é HOJE

Uma educação que se define “para”, assume o adiamento do presente e coloca a sua consumação no futuro. Ora, se a escola é uma parte da vida do aluno, precisamos de uma educação “em” e não de uma educação “para”. No entanto, as escolas estão cheias de projectos “para”: educação para a saúde, para o consumo, para a cidadania, etc.

Quando se diz que a Educação prepara para a vida, isso é só meia verdade: por um lado, sim, espera-se que o que se aprendeu na escola possa ser como que um livro de instruções para o que se vai passar na vida adulta; mas, por outro lado, será que a criança só vive quando chega a adulta? Isto é, o tempo que passa na escola não conta como vida? É só preparação? Se conta, como aliás parece óbvio, então, a escola não prepara para a vida – é uma fase, e bem importante, da vida das (actuais) crianças. No entanto, as nossas escolas estão cheias de projectos que preparam para a vida. São o que eu chamaria “projectos para”: educação para a saúde, para o consumo, para a cidadania, etc. Este modelo da educação para qualquer coisa merece alguma reflexão. Vamos imaginar, por exemplo, que existiria na escola um projecto chamado “educação para as cores”. Este projecto só faria sentido numa escola que fosse a preto e branco. Quer dizer, uma educação que se define “para”, assume o adiamento do presente e coloca a sua consumação no futuro. Ora, se a escola, como vimos, é uma parte da vida do aluno, precisamos de uma educação “em” e não de uma educação “para”. Estaremos de acordo, certamente, que a melhor pedagogia é aquela que se embute na vida da criança, aquela que no presente contribui para mudar comportamentos e atitudes de forma relativamente estável. Esta mudança – que poderíamos chamar processo de aprendizagem – ocorre a múltiplos níveis: no conhecimento, nos valores, na socialização, nas competências, etc. A investigação em Educação é muito clara na fundamentação da ideia de que a aprendizagem se desenrola de forma mais consolidada e sólida se o que se quer aprender não for simplesmente ensinado, mas vivido. A “educação para” olha a criança como um ser que “ainda não o é completamente” e, por isso, dissocia o que é a vida da criança daquilo que ela tem de aprender. Evocamos mais um exemplo: quando existe um conflito na escola, envolvendo os alunos, como é que o assunto é avaliado e resolvido? Não é raro que a opinião dos alunos envolvidos seja menosprezada; que a sua versão dos acontecimentos seja julgada parcial e imperfeita. Decide-se, pois, em abono da “justiça”, sem (ou com reduzida) participação dos implicados. No entanto, a escola que assim procede pode até desenvolver um programa de Educação para a Cidadania. E qual é a mensagem que aqui é passada para todos os alunos? É que o aluno não é um cidadão – há-de ser, talvez, qualquer dia… – e, portanto, a forma como o conflito é resolvido trata-o como se fosse um pessoa incompleta, um cidadão faz-de-conta. Como seria diferente a mensagem que é passada aos alunos se os princípios de cidadania que são ensinados (para o “futuro”) fossem escrupulosamente seguidos neste processo, isto é, no “presente”…
Precisamos, pois, de escolas que se assumam como agentes da vida de pessoas que estão a viver. Não para pessoas que irão viver, que irão ser cidadãos, consumidores, etc., qualquer dia. Para isso, precisamos de continuar a influenciar e a apoiar as mudanças que brotam nas nossas escolas. Apoiar essas mudanças para que as escolas se tornem espaços de vivência e exercício de práticas e valores que pretendemos que as nossas crianças venham a ter e a exercer quando adultas. Queremos cidadania? Façamos das escolas espaços de participação, de respeito e de responsabilidade. Queremos implicação das tecnologias na aprendizagem? Façamos a aprendizagem das crianças depender do acesso e do recurso a elas. Queremos educar consumidores? Faça-mos da escola uma comunidade em que o consumo, as opções energéticas, etc., sejam factores que os alunos conhecem e sobre os quais podem intervir. Há pouco tempo, a mãe de um aluno com necessidades educativas especiais dizia-me que pensar nos objectivos da educação do seu filho era muito simples, bastava imaginar o que é que o filho precisaria de ser e fazer quando tivesse 25 anos e agir em conformidade. Precisa de autonomia? De inclusão? De preparação profissional? Pois seria sobre isso que, de uma forma pragmática, se deveriam centrar os objectivos da Educação, cada mês, cada período, cada ano. Viver na escola os valores que queremos que os nossos alunos abracem quando forem adultos é um objectivo só aparentemente fácil. Para isso, precisamos de apoiar nas escolas o desenvolvimento de comunidades solidárias, interdependentes, com amor ao conhecimento e que se possam organizar para que cada criança possa atingir o máximo dos seus sonhos, motivações e capacidades. O caminho é difícil, mas pensemos… Qual é a alternativa? Investir numa educação “para” o futuro e desqualificar os alunos como pessoas responsáveis e inteligentes no presente? Não seria este, certamente, o caminho que conduziria ao desenvolvimento de uma educação de melhor qualidade.

David Rodrigues
Este texto tem como base um outro publicado no “Público” de 30.07.2011


  
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Edição:

Edição N.º 194, série II
Outono 2011

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