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Da Educação Física e do Desporto Escolar aos Jogos Olímpicos (2012-2024)

É necessário institucionalizar um verdadeiro projecto de desenvolvimento do desporto, com um horizonte temporal longo, que contribua para o progresso do país através de uma educação competitiva nobre e leal que se projecte na sociedade.

Para que 100 se entreguem à cultura física, é necessário que 50 pratiquem desporto. Para que 50 pratiquem desporto, é necessário que 20 se especializem. Para que 20 se especializem, é necessário que cinco sejam capazes de proezas espantosas. Sábias, as palavras de Pierre de Coubertin (1931). Querem elas dizer que, em matéria de desenvolvimento do desporto, para além de ser necessário saber para onde se quer ir, é fundamental saber como é possível lá chegar.Contudo, entre nós, desde a institucionalização com características militaristas da Mocidade Portuguesa (MP), em 1936, sempre existiu um conflito ideológico entre a Educação Física (EF) e o desporto no âmbito do sistema de ensino, conflito que, a bem dizer, deu os primeiros ‘sinais de vida’ no primeiro Congresso de Educação Física, organizado em 1916 pelo Ginásio Clube Português. Depois, em 1932, o Decreto 21.110, que estabeleceu o Regulamento de EF dos liceus, proibiu simplesmente “a prática dos desportos anglo-saxónicos nos estabelecimentos de ensino oficial”. Apesar da desportivização da MP, em 1966, o desporto continuou a ser considerado um corpo estranho nos estabelecimentos de ensino oficial pela generalidade dos professores de EF, que, do ponto de vista ideológico, tinham sido formados na velha dinâmica da ginástica de Ling, de Leal de Oliveira, e da ginástica de fole, de Weiss de Oliveira. Hoje, este médico vê a sua doutrina perpetuada através daqueles que entendem que o objectivo máximo da EF é ensinar às criancinhas o que é saúde, tal como ele as queria ensinar a respirar.
Entretanto, embora se esperasse que as divergências congénitas entre a EF e o desporto fossem ultrapassadas através da institucionalização de uma verdadeira organização desportiva escolar, a partir de 1974, o facto é que, ao cabo de quase 40 anos, não houve capacidade para promover as mudanças necessárias, apesar de não terem faltado nobres intenções expressas no programa do I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares.
Em consequência, de então para cá, EF e Desporto Escolar (DE) têm andado ao sabor dos mais diversos grupos de pressão, entre eles os corporativos, pelo que nunca foi realmente possível desenvolver um projecto coerente e integrado que respondesse às necessidades do país. Esta incapacidade endémica é tanto mais dramática quanto se sabe que, hoje em dia, o desporto é um factor crítico de sucesso que, do ponto de vista interno, pode mobilizar, de forma muito positiva, a consciência de uma identidade nacional bem assumida, bem como, a nível externo, desencadear a projecção internacional do país através dos atletas e equipas de maior gabarito. Todavia, também se deve ter em atenção que os resultados desportivos, só por si, por muito valor individual que possam ter, também acabam por demonstrar o subdesenvolvimento desportivo de um país que, em simultâneo, apresenta as mais baixas taxas de participação desportiva da Europa.
Ora, o que acontece é que, a montante, o DE não se encontra devidamente integrado com a disciplina de EF (que carece de uma urgente avaliação por entidades credíveis e independentes), e, a jusante, não estabelece relações sinérgicas com o desporto federado e a sociedade em geral.
Em consequência, o problema do DE em Portugal é um problema de objectivos claros, de gestão parcimoniosa dos recursos, de articulação entre a Educação e o Desporto e, sobretudo, de intenção estratégica no que diz respeito às políticas públicas de organização do futuro do país.
Assim sendo, é necessário institucionalizar um verdadeiro projecto de desenvolvimento do desporto (Da Educação Física e do Desporto Escolar aos Jogos Olímpicos 2012-2024), com um horizonte temporal longo, que contribua para o progresso do país através de uma educação competitiva, nobre e leal que se projecte na sociedade. Desde logo, porque quando não se sabe para onde se quer ir, qualquer caminho serve, e quando qualquer caminho serve, seguramente, acaba-se por chegar a lado nenhum, que é precisamente o lugar onde a EF e o DE se encontram.

Gustavo Pires


  
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Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

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